sexta-feira, 27 de maio de 2016

Artigo

Impostos para os ricos e 
o "imposto inflacionário"




    Por que os ricos não pagam a conta da crise econômica?, questionam algumas pessoas nas redes sociais, em reação ao plano de ajuste fiscal apresentado ao Congresso pelo governo provisório nesta terça-feira (24 de maio).
    A pergunta embute a sugestão de que o reequilíbrio das contas públicas - devastadas por uma gestão orçamentária irresponsável e fraudulenta durante os anos de governo Dilma Rousseff - poderia ser alcançado via aumento de impostos para aqueles que ganham mais.
    Em primeiro lugar, seria preciso definir quem são os mais ricos. Seriam os 10% da população que estão no ápice da pirâmide social brasileira, o que inclui a maior parte da classe média? Ou seja, esta parcela já acossada por uma carga tributária bastante elevada, na casa dos 36% do Produto Interno Bruto, enfrentando inflação alta e despendendo grande parte de sua renda com serviços essenciais que o Estado não provê, como educação e saúde?
    Vá lá. Ainda que se selecionassem os mais ricos entre os mais ricos, digamos, o 1% com renda mais elevada (supostamente os verdadeiramente ricos entre os brasileiros), o desequilíbrio não estaria resolvido. E a razão é simples: o aumento puro e simples de tributação não é capaz de corrigir as distorções estruturais da economia.
    A medida poderia gerar certo alívio de caixa, sem resolver a questão de fundo. E geraria outros problemas. Vale dizer que não se tem notícia de estudo técnico consistente que demonstre ser possível zerar o déficit fiscal - este ano, previsto em R$ 170,5 bilhões - via aumento do Imposto de Renda para os mais ricos ou taxação sobre as grandes fortunas. De quanto tempo seria a taxação extra e de quanto seria a alíquota? Contribuinte a partir de que nível de renda estaria sujeito à maior tributação? Em quantos anos o déficit seria eliminado?
    Esses até podem ser considerados detalhes técnicos a ser esclarecidos na fase de planejamento da eventual medida. Porém, qual a justificativa conceitual que deve preceder o estudo?
    Entre as distorções possíveis estaria um aumento da sonegação. Ora, se o contribuinte já paga uma carga elevada e vê-se na obrigação de ainda pagar mais para cobrir um déficit para o qual ele não contribuiu, é plausível supor que ocorra mais sonegação.  Certamente a consequência não seria legal ou legítima, porém, previsível. Efeito colateral. Com a agravante da manutenção da questão de fundo, insolúvel. Um estímulo indireto à má gestão fiscal.
    Haveria ainda o sério risco de a elevação seletiva de imposto implicar confisco, o que ocorre quando a tributação invade de forma abusiva o patrimônio do contribuinte, indo além da proporcionalidade. E neste caso, ainda que possamos adotar uma lógica "robinhoodiana" (tirar dos ricos para dar aos pobres), a medida não seria nem legítima nem justa.   
     Vale lembrar que os ricos já pagam mais tributos na medida em que recolhem proporcionalmente mais imposto de renda. E também já pagam mais com os recolhimentos que incidem sobre o patrimônio, tais como o imposto predial (IPTU), o imposto sobre propriedade de veículos (IPVA) e o imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI). Neste aspecto, a justiça contributiva está preservada.
    O Brasil poderia ter um arranjo tributário de melhor qualidade, sem dúvida. Para tanto seria necessária uma ampla reforma que promovesse um sistema em que houvesse menor incidência sobre o consumo, beneficiando diretamente as camadas menos favorecidas, aquelas que comprometem a maior parte de sua renda com necessidades básicas.
    Neste caso, a ênfase da incidência estaria necessariamente na renda e no patrimônio, o que seria equânime, mas sem atribuir de forma preferencial a uma determinada categoria de contribuintes a responsabilidade pelo reequilíbrio fiscal.
    De qualquer forma, o ataque à inflação deve anteceder qualquer debate em torno de uma eventual reforma tributária. Pois são os pobres os que mais sofrem com o chamado "imposto inflacionário". E é possível perceber, na conjuntura brasileira, o quanto os aumentos de preços tiveram um efeito social devastador - o que explica também a queda vertiginosa de apoio ao governo de Dilma Rousseff.
    Uma das principais premissas para se combater a inflação de forma eficaz é o melhor controle dos gastos públicos, algo que poderá ser alcançado com o pacote de medidas apresentado ao Congresso pelo ministro interino da Fazenda, Henrique Meirelles.
    Entre as principais providências listadas está a limitação dos gastos públicos ao índice de inflação. Já é um avanço. Melhor ainda seria estabelecer um teto para esses gastos atrelado à meta de inflação. Aí sim, poderíamos retomar o reequilíbrio em muito menor tempo, garantindo, por consequência, as condições necessárias para a economia voltar a crescer, atraindo investimentos e gerando mais empregos.
    O que a sociedade não pode mais tolerar é um desarranjo das contas públicas como o que se viu nos últimos anos, algo que comprometeu o desenvolvimento e colocou em risco programas sociais indispensáveis.


Por Nilson Mello

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