Por que os ricos não pagam a conta da crise
econômica?, questionam algumas pessoas nas redes sociais, em reação ao plano de
ajuste fiscal apresentado ao Congresso pelo governo provisório nesta
terça-feira (24 de maio).
A pergunta embute a sugestão de que o reequilíbrio
das contas públicas - devastadas por uma gestão orçamentária irresponsável e
fraudulenta durante os anos de governo Dilma Rousseff - poderia ser alcançado
via aumento de impostos para aqueles que ganham mais.
Em primeiro lugar, seria preciso definir
quem são os mais ricos. Seriam os 10% da população que estão no ápice da
pirâmide social brasileira, o que inclui a maior parte da classe média? Ou
seja, esta parcela já acossada por uma carga tributária bastante elevada, na
casa dos 36% do Produto Interno Bruto, enfrentando inflação alta e despendendo
grande parte de sua renda com serviços essenciais que o Estado não provê, como
educação e saúde?
Vá lá. Ainda que se selecionassem os mais
ricos entre os mais ricos, digamos, o 1% com renda mais elevada (supostamente
os verdadeiramente ricos entre os brasileiros), o desequilíbrio não estaria
resolvido. E a razão é simples: o aumento puro e simples de tributação não é
capaz de corrigir as distorções estruturais da economia.
A medida poderia gerar certo alívio de
caixa, sem resolver a questão de fundo. E geraria outros problemas. Vale dizer
que não se tem notícia de estudo técnico consistente que demonstre ser possível
zerar o déficit fiscal - este ano, previsto em R$ 170,5 bilhões - via aumento
do Imposto de Renda para os mais ricos ou taxação sobre as grandes fortunas. De
quanto tempo seria a taxação extra e de quanto seria a alíquota? Contribuinte a
partir de que nível de renda estaria sujeito à maior tributação? Em quantos
anos o déficit seria eliminado?
Esses até podem ser considerados detalhes
técnicos a ser esclarecidos na fase de planejamento da eventual medida.
Porém, qual a justificativa conceitual que deve preceder o estudo?
Entre as distorções possíveis estaria um
aumento da sonegação. Ora, se o contribuinte já paga uma carga elevada e vê-se
na obrigação de ainda pagar mais para cobrir um déficit para o qual ele não
contribuiu, é plausível supor que ocorra mais sonegação. Certamente a consequência não seria legal ou
legítima, porém, previsível. Efeito colateral. Com a agravante da manutenção da
questão de fundo, insolúvel. Um estímulo indireto à má gestão fiscal.
Haveria ainda o sério risco de a elevação
seletiva de imposto implicar confisco, o que ocorre quando a tributação invade
de forma abusiva o patrimônio do contribuinte, indo além da proporcionalidade. E neste caso, ainda que possamos adotar uma lógica "robinhoodiana"
(tirar dos ricos para dar aos pobres), a medida não seria nem legítima nem
justa.
Vale
lembrar que os ricos já pagam mais tributos na medida em que recolhem
proporcionalmente mais imposto de renda. E também já pagam mais com os recolhimentos
que incidem sobre o patrimônio, tais como o imposto predial (IPTU), o imposto
sobre propriedade de veículos (IPVA) e o imposto de transmissão de bens imóveis
(ITBI). Neste aspecto, a justiça contributiva está preservada.
O Brasil poderia ter um arranjo tributário
de melhor qualidade, sem dúvida. Para tanto seria necessária uma ampla reforma que
promovesse um sistema em que houvesse menor incidência sobre o consumo, beneficiando
diretamente as camadas menos favorecidas, aquelas que comprometem a maior parte
de sua renda com necessidades básicas.
Neste caso, a ênfase da incidência estaria
necessariamente na renda e no patrimônio, o que seria equânime, mas sem
atribuir de forma preferencial a uma determinada categoria de contribuintes a
responsabilidade pelo reequilíbrio fiscal.
De qualquer forma, o ataque à inflação deve anteceder
qualquer debate em torno de uma eventual reforma tributária. Pois são os pobres
os que mais sofrem com o chamado "imposto inflacionário". E é
possível perceber, na conjuntura brasileira, o quanto os aumentos de preços
tiveram um efeito social devastador - o que explica também a queda vertiginosa
de apoio ao governo de Dilma Rousseff.
Uma das principais premissas para se
combater a inflação de forma eficaz é o melhor controle dos gastos públicos,
algo que poderá ser alcançado com o pacote de medidas apresentado ao Congresso
pelo ministro interino da Fazenda, Henrique Meirelles.
Entre as principais providências listadas
está a limitação dos gastos públicos ao índice de inflação. Já é um avanço.
Melhor ainda seria estabelecer um teto para esses gastos atrelado à meta de
inflação. Aí sim, poderíamos retomar o reequilíbrio em muito menor tempo,
garantindo, por consequência, as condições necessárias para a economia voltar a
crescer, atraindo investimentos e gerando mais empregos.
O que a sociedade não pode mais tolerar é um
desarranjo das contas públicas como o que se viu nos últimos anos, algo que
comprometeu o desenvolvimento e colocou em risco programas sociais indispensáveis.
Por Nilson Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário