sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Artigo



Obrigação não é direito


As nações que, como o Brasil, adotam o voto compulsório não figuram entre aquelas de melhor tradição democrática ou de maior estabilidade institucional - o que no final das contas dá no mesmo.
Entre nossos vizinhos, obrigam os seus cidadãos a votar a Argentina, a Bolívia, o Paraguai, o Peru e o Uruguai. A Venezuela acabou com a imposição em 1993 e não a retomou mais, apesar das práticas demagógicas que seguem contaminado a vida política do país.
Na América Latina, mantêm a obrigatoriedade da votação a Costa Rica, o Equador, a República de Honduras, o Panamá e a República Dominicana. O Chile, cuja estabilidade econômica e política é um exemplo para os demais países da região, aboliu a prática em 2011. Cuba, em nome da manutenção do regime, exige todo tipo de sacrifício de seus cidadãos, mas não os compele ao voto.
No Mundo, seguem obrigando seus cidadãos a exercer o “direito” do voto o Chipre, o Congo, o Egito, as Ilhas Fiji e a República de Singapura - na prática, uma cidade-estado de traços nitidamente ditatoriais. A essas juntam-se outras nações inexpressivas, do ponto de vista econômico e político, que sequer merecem menção.
No continente europeu, Grécia e Turquia (essa, em parte apenas europeia) adotam o voto obrigatório. Sintomaticamente, pois, embora sejam países teoricamente sob a influência da democracia liberal ocidental e, por consequência, das conquistas do indivíduo frente ao Estado, estão longe de constituir exemplos de estabilidade institucional e desenvolvimento social (a Grécia - frise-se - a despeito de todo o passado clássico).
A Holanda pôs fim à obrigatoriedade do voto em 1970; a Áustria, em 2004. Na Europa Ocidental, a Bélgica é uma curiosa exceção por manter – digamos - a excrecência do direito transmutado em dever. No Norte da África, a Líbia manteve o voto obrigatório até a queda do ditador Kadafi, em 2011.
Não se pode fazer uma relação direta entre voto facultativo e democracia, nem mesmo entre voto e democracia. Democracia implica não apenas o direito de votar, mas um conjunto de institutos e dispositivos, tais como limites ao poder punitivo do Estado, liberdade de imprensa, separação de Poderes etc.
Vejamos: em Cuba o voto não é obrigatório e na Bélgica é, mas onde há mais liberdade e prosperidade? Contudo, a breve relação acima, de países que adotam ou não o voto obrigatório, nos diz muito.
Um direito não pode ser ao mesmo tempo uma obrigação. Obrigar um indivíduo a exercer o voto é perverter o seu interesse. Ora, o que foi instituído em meu benefício não me pode ser impingido. O que não é uma faculdade deixa, por definição, de ser um direito.
No caso particular do Brasil a questão toma ainda maior relevância tendo em vista as graves penalidades impostas ao eleitor que não for às urnas, algumas de constitucionalidade questionável.
Cabe o esclarecimento: a rigor, a obrigação é de comparecer às urnas, não propriamente de votar, já que os votos nulos e brancos, não computados para o resultado do pleito, mas igualmente secretos, não podem ser coibidos.
  No segundo turno das eleições de 2012, votos nulos e em branco representaram 9,8% do total, recorde desde 1996. Ou seja, uma parcela de quase 10% dos eleitores prefeririam não ter votado, juntando-se aos quase 20% de abstenções naquela ocasião. 
A reprovação à classe política refletida no número de abstenções somado ao de nulos e brancos é por si só uma manifestação contundente do eleitor.
Entre as punições para quem não vai às urnas no Brasil estão multa de 3% a 10% do salário mínimo; a proibição de obter documentos oficiais, como passaporte e carteira de identidade; e a proibição de obter financiamentos oficiais, receber vencimentos de órgãos públicos ou participar de concursos. Em suma, medidas draconianas incompatíveis com a democracia que o voto, exercido livremente, deve consagrar.
Além do caráter autoritário, o que por si só autorizaria a sua extinção, o voto obrigatório no Brasil dá margem à cooptação e a manipulação de eleitores. Em boa hora, portanto, o grupo especial de trabalho da Reforma Eleitoral, criado no ano passado na Câmara dos Deputados, como resposta à tentativa do Planalto de convocar um plebiscito sobre a matéria, deu parecer favorável ao seu fim.
Agora é torcer para que, nas discussões e votações sobre a reforma, que deverão se seguir na Câmara e no Senado, a mudança não seja deixada de lado. O risco ainda é grande, tendo em vista a demagogia  e o clientelismo que estão associados à obrigatoriedade.

Por Nilson Mello

 

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