quinta-feira, 29 de março de 2012

Artigo


O caminho imperfeito é o mais seguro

Em ano eleitoral, sobretudo em períodos de crise entre os Poderes, e, mais que isso, diante das recorrentes notícias dando conta da imoralidade fisiológica que perpassa as relações entre Executivo e Congresso, é razoável nos perguntarmos se o regime democrático é mesmo capaz de garantir estabilidade institucional. Quando as relações deletérias perpetuam grandes desafios nacionais que há muito já deveriam ter sido solucionados, em especial para uma nação que tem a sexta maior economia do planeta - problemas tais como desigualdade, miséria, corrupção, violência, atraso educacional - a indagação é prova de lucidez.
Todavia, é conveniente lembrar que o questionamento não é feito apenas por nós, brasileiros. E a desilusão política remonta a tempos remotos da história ocidental. Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, séculos atrás, descrentes das possibilidades de um estado republicano, democrático, estruturam teorias políticas em que o povo colocava na mão de um líder o poder legítimo para governar de forma absoluta. Afinal, o “homem é o lobo do homem”.
No século XX, o totalitarismo preconizado por Carl Schmitt também encontrou em Hobbes e Maquiavel os seus fundamentos. Um dos maiores juristas alemães de todos os tempos, Carl Schmitt era cético em relação às democracias liberais e desenvolveu suas teses com a crença de que um “condutor” forte encarna a vontade popular muito mais genuinamente do que um Corpo Legislativo, que tende a ser fluido, heterogêneo e movido por interesses nem sempre declináveis. 
O próprio caráter heterogêneo de um parlamento o limitaria na ação necessária que visasse ao bem-estar do povo. Esse, por si só, não tem como ser soberano, e como o parlamento é incapaz de lhe ser intermediário na tarefa, dados os seus interesses difusos, eis a necessidade de um elemento a quem caberá uma ação decisiva. A ação decisiva de um governo efetivo, portanto, pressupõe, segundo Schmitt, a existência, na Constituição, de um elemento ditatorial. A verdadeira soberania, por extensão, seria a prerrogativa de decidir o Estado de exceção, de emergência, com legitimação constitucional.
Carl Schmitt formula suas teses no momento em que a Alemanha permanece mergulhada em greve crise-político institucional, na esteira de uma derrota humilhante na Primeira Guerra Mundial. Eis que a República de Weimar, democrática e liberal, não consegue dar resposta aos anseios da sociedade e aos grandes desafios que a nação alemã enfrentava. Em meio a um cenário conturbado, de forte tensão política e conflitos sociais, a ideia de um líder capaz de “pacificar” pela autoridade e liderar pela força ganha ressonância. A verdadeira soberania seria a prerrogativa de decidir o Estado de Exceção. A exceção é o momento adequado para sair do Estado de Direito.
Identificada a incompatibilidade entre o liberalismo democrático – presente na Constituição de Weimar – e Democracia, em prol do bem-estar do povo, Carl Schmitt passa a sustentar a emergência do Estado totalitário. No interesse público, a Constituição deve ter um “Guardião” (um condottieri, para usarmos um termo de Maquiavel).
As ideias de Carl Schmitt são teses complexas e sofisticadas do ponto de vista político e jurídico. Mas também ideias prontas e acabadas para serem adotadas por um líder carismático, em momento de crise e grave conturbação. Esse líder emergia na figura de Adolf Hitler, que soube se valer das formulações do grande jurista.
A alcunha de “Jurista do Nazismo” ou “Jurista de Hitler”, que perseguiu Carl Schmitt durante o restante de sua vida, e que lhe valeu dois anos de prisão (ainda que sem condenação em Nuremberg) após a derrota alemã na Segunda Guerra não fizeram justiça ao gênio jurídico que foi.
Não obstante ter sido indiretamente um artífice da concepção política do III Reich, não foi um nazista no sentido estrito. Em sua obra não aparecem conceitos tais como raça e supremacia racial. Na verdade, a ideologia nazista se valeu de suas ideias para a estruturação político-institucional de um Estado forte, assim como outras ideologias e projetos de poder, naquela época ou mesmo em nosso tempo, poderiam tê-lo feito ou ainda podem fazê-lo. Podemos lhe atribuir plenamente a responsabilidade pela legitimação de um regime ditatorial, pela legitimação de um “Guardião” institucional, mas não pela elucubração ideológica nazifascista.
E então, onde chegamos? Chegamos à conclusão de que as democracias são mesmo muito imperfeitas e injustas, porque o “homem é, de fato, o lobo do homem”, e sua tendência é declinar para “a selvageria social”, como temia Hobbes, caso não tenha uma mão forte a guiá-lo. Ocorre, contudo, que não há nenhuma certeza quanto à correta escolha de nosso “Guardião”. E, uma vez que não queremos ter um arremedo de Hitler a nos governar, algo como a Venezuela tem hoje em Chávez, guardadas as devidas proporções, que continuemos a zelar e trabalhar em prol de nossa maltratada democracia. Ainda que imperfeita, é o caminho mais seguro que nos resta.

Por Nilson Mello

3 comentários:

  1. O comentário sobre a obra de Carl Schmitt é perfeito. A vantagem da democracia representativa é a previsão saudável do "way out", ou seja, a substituição do insatisfatório.
    Um abraço deste admirador.
    Gilberto Ramos

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  2. Excelente análise, Nilson.

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  3. Muito boa a analise sobre o jurrista alemão, parabéns.

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