ou mera ferramenta arrecadatória em crises fiscais?
Nilson Vieira Ferreira de
Mello Jr*.
No novo capítulo do embate entre
Executivo e Legislativo envolvendo o aumento das alíquotas do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo até
sexta-feira (11) para que o Congresso explique por que derrubou a medida do
governo.
Ao mesmo tempo, agendou para o dia 15 de julho
uma “audiência de conciliação” entre governo e Congresso, com o objetivo de as
partes encontrarem uma saída para o impasse.
Até lá ficam temporariamente suspensos tanto os
decretos presidenciais que majoravam as alíquotas do IOF (Decretos n.
12.466/2025 e n. 12.467/2025, substituídos pelo Decreto n. 12.499/2025) e o
Decreto Legislativo n. 176/2025, que derrubou os aumentos.
Antes de prosseguir na análise crítica
dessas decisões, vamos tentar entender melhor como se deram essas marchas e
contramarchas judiciais relativas ao IOF.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que essas
decisões do STF foram tomadas em caráter provisório, ou seja, em medida
cautelar, no âmbito do julgamento conjunto, no último dia 4, de uma Ação
Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e de duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADI) atinentes à matéria.
A ADI n. 7827, impetrada pelo Partido Liberal
(PL), questiona a constitucionalidade dos decretos presidenciais que majoraram
as alíquotas de IOF, alegando que houve “desvio de finalidade”, ou seja, o
aumento teria sido usado não de forma regulatória, como cabe a um tributo
extrafiscal, mas para aumentar a arrecadação, permitindo ao governo fechar as
suas contas.
Por sua vez, a ADI n. 7839, impetrada pelo
Partido Socialismo e Liberdade (Psol), questiona a constitucionalidade do
Decreto Legislativo n. 176/2025 do Congresso, que derrubou o aumento de
alíquotas de IOF editado pelo Executivo, arguindo que, na medida, o Legislativo
não aponta claramente onde teria havido a “exorbitância do poder regulamentar”
por parte do Executivo, o que ofenderia o princípio da separação de Poderes
prevista no art. 2º da Constituição, o que evidenciaria a inconstitucionalidade
do ato legislativo.
O inciso V do art. 49 da Constituição dispõe
que é competência exclusiva do Congresso Nacional “sustar os atos normativos do
Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação
legislativa”.
O Psol, em sua ADI, entendeu que esta
exorbitância não ficou claramente identificada, daí porque, na sua decisão
preliminar, o STF deu prazo para que o Legislativo clarifique os fundamentos
constitucionais para a derrubada do aumento de alíquotas.
Ressalte-se que, para o PL, conforme expresso
na ADI n. 7827, a “exorbitância” estaria na majoração de alíquotas em caráter
claramente arrecadatório, visando aumentar o caixa do Tesouro com receitas
tributárias adicionais, usando para tanto tributo regulatório (IOF), cuja
função precípua é regular comportamentos, , econômicos ou sociais.
Na ADI, o PL lembra que a majoração de
alíquotas representaria um aumento de 60% na tributação do IOF. O STF,
cautelarmente, por entender que há, de fato, indícios de “desvio de
finalidade”, ou seja, um intuito meramente arrecadatório, e não regulatório,
suspendeu os aumentos.
Neste aspecto, válido é ressaltar que, em se
tratando de tributos extrafiscais, ou seja, de caráter regulatório estrito (e
não fiscal), como são os casos, além do IOF, do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), do Imposto de Importação (II) e do Imposto de
Exportação (IE), o Executivo tem a prerrogativa (art. 153, parágrafo 1º da
Constituição) de majorar as suas alíquotas por decreto, sem observar o
princípio da anterioridade (ou seja, o aumento vale para o próprio exercício),
desde que não haja “desvio de finalidade”. Em outras palavras, desde que o
intuito não seja meramente arrecadatório.
Todos esses fatos e argumentos sumariamente
considerados, devemos lembrar que é legítimo que partidos políticos recorreram
ao Supremo, nossa Corte Constitucional, sempre que entenderem que há atos
normativos, emanados do Executivo ou do Legislativo, que ferem a Constituição.
Por sinal, desde a promulgação da Constituição de 1988, os partidos políticos estão
entre os entes que mais ingressam no Supremo contra atos do Executivo e do
Legislativo.
O papel do Supremo, por conseguinte, é julgar
esses questionamentos à luz da Constituição, invalidando e afastando do
ordenamento os atos que julgar serem inconstitucionais e, contrariamente,
reconhecendo e validando aqueles que considerar que estão em consonância com a matriz
constitucional.
O que não parece ser papel do Supremo, e aqui
retomamos a análise crítica não empreendida de início, é que o Supremo alargue
a sua competência e amplie a elasticidade de suas funções para que possa
realizar “audiência de conciliação” entre Executivo e Legislativo, como se
Poder Moderador fosse. Ressalte-se que, na Constituição, não há qualquer
previsão para que o Supremo proponha e assuma tal papel.
A propósito, audiência de conciliação é uma
expressão que nos remete a varas de família, em casos como, por exemplo,
litígios de casais em separação disputando a guarda dos filhos, ou à esfera
trabalhista, onde é imprescindível a mediação entre empregados e empregador, pelo
Judiciário, tendo em vista ser uma das partes, teoricamente, hipossuficiente.
Em resumo, a audiência de conciliação entre governo
e Congresso, proposta pelo ministro Alexandre de Moraes, é algo totalmente
atípico e inusitado, a rigor, um impulso inconstitucional, mesmo que levemos às
últimas consequências a interpretação do art. 2º da Carta.
Esse comando constitucional preconiza a
harmonia entre os Poderes da República, mas não prevê a mediação do Judiciário nem
menciona audiência de conciliação entre os Poderes da República. O Executivo é
hipossuficiente?
Assim, no nosso entendimento, por melhores que
possam ser (e aqui vai o benefício da dúvida) as intenções do ministro
Alexandre de Moraes, tal caminho configura uma inovação constitucional. Para
além disso, é uma imprudência o Supremo se imiscuir em negociações políticas –
que, a rigor, é o que está acontecendo.
O que o Supremo deve decidir, à luz da
Constituição, é se o aumento de alíquotas do IOF decretado pelo governo é ou
não válido ou se visa, simplesmente, robustecer o caixa do governo, pressionado
pelos recorrentes aumentos dos gastos públicos, configurando desvio de
finalidade. O Supremo não é Poder Moderador.
*Advogado e jornalista pela PUC-Rio, é mestre em Filosofia pela mesa universidade, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-Rio e em Economia pela UFRJ, e sócio do Ferreira de Mello Advocacia
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