sábado, 9 de janeiro de 2021

Mises, Freud e o marxismo

 

A autonomia da vontade


(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o Correio da Manhã)

            O incentivo que impele o indivíduo a realizar algo é sempre algum desconforto, afirma Ludwig von Mises, no portentoso Ação Humana. No conciso, porém, impactante O mal-estar na civilização, Sigmund Freud lembra que a liberdade individual não é um bem cultural – na verdade, ela antecede qualquer civilização, e era bem maior antes, só que sem valor, porque o homem não tinha condições de defendê-la.

A essência da sociedade, portanto, é a própria ação dos seus indivíduos, o movimento concorrente de cada um na construção de um todo. Ninguém jamais pode perceber uma nação sem perceber os seus integrantes – e os feitos desses.

A principal razão do colapso do socialismo e a proeminência do capitalismo (mesmo em nações formalmente comunistas, como a China), pode ser extraída dos ensinamentos desses que são dois dos maiores pensadores do século XX. Ao limitar ao extremo os impulsos individuais, o modelo inviabilizou a própria coletividade que pretendia preservar.

Além do fato de compartilharem a mesma cultura, o Império Austríaco, com pequena diferença de anos, o que não deve ser mera coincidência, Mises e Freud, cada qual dentro da sua área de conhecimento – as quais extrapolaram para ser firmar como verdadeiros filósofos – fortaleceram o ser humano em face da religião, das ideologias, da política e do Estado.

Na mão de cada homem está o destino da humanidade. O processo se dá de dentro para fora, e não no sentido inverso, como pretendem muitas correntes ideológicas, em especial a marxista. Direta ou indiretamente, sendo, na verdade, bem mais diretos do que indiretos, Mises e Freud declaram que qualquer modelo pretensamente científico só terá validade se reconhecer e considerar os anseios do homem, incluindo o de prosperar – e nisso reside a vitalidade de suas obras.

 “Inicialmente, devemos nos dar conta de que todas as ações são realizadas por indivíduos”, martela Mises. O homem pertence, na realidade, a várias coletividades e a tentativa de engessá-lo num modelo artificialmente produzido por uma doutrina mais cedo ou mais tarde fracassará.

          “Os comunistas acreditam haver encontrado o caminho para a redenção do mal”, escreve Freud em Mal-estar na civilização. “Se a propriedade privada for abolida, todos os bens forem tornados comuns, desaparecerão a malevolência e a inimizade... Posso ver que esse pressuposto psicológico é uma ilusão insustentável. Ela (a agressividade) não foi criada pela propriedade, reinou quase sem limites no tempo pré-histórico”.

            A civilização é, sem dúvida, o caminho para o aprimoramento – e ambos os pensadores também concordam neste ponto. Ensinam as teses contratualistas, na Ciência Política e na Teoria do Estado, que a sociedade foi o pacto pelo qual os homens aceitaram ceder parte (e apenas parte) de sua liberdade em troca de mais segurança. Mas que fique bem claro: a força do coletivo será quanto maior quanto maior for a preservação de espaços vitais para a autonomia da vontade, inclusive na esfera econômica.

Por Nilson Mello

 

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