sexta-feira, 10 de julho de 2020

Desenvolvimento


A  Amazônia e a retomada da economia pós-Covid

(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o jornal Correio da Manhã)

         A calmaria institucional das últimas semanas, uma espécie de trégua nos embates que haviam carregado a atmosfera da quarentena em maio, dificultando o diálogo entre os Poderes, alcançou julho e veio reforçada por dados mais positivos sobre a recuperação da economia. A Receita Federal divulgou que as vendas registradas por Nota Fiscal eletrônica em junho foram 15,63% superiores ao mês anterior e 10,3% maiores do que no mesmo período do ano passado, o que autoriza a leitura de que o “fundo do poço” ficou para traz.
         O mesmo mapeamento indica que pelo menos 200 mil empresas, de diferentes segmentos, incluindo construção civil e supermercados, conseguiram manter o seu nível de vendas durante a pandemia. Um fator importante para o desempenho foram as compras emergenciais do governo, em especial as de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares, para o combate à Covid-19, bem como o auxílio emergencial, que chegou a 64 milhões de pessoas, com R$ 95 bilhões pagos.  O setor público cumpriu o seu papel.
         Não faltarão puristas para cobrar da equipe econômica coerência programática. Aumentos de gastos públicos estariam, por definição, na contramão da doutrina liberal. Contudo, não poderão condená-la por indiferença diante da crise. Justiça seja feita, a rigor, a doutrina liberal não diz que governos não devam gastar nunca, mas apenas que não devem gastar de forma irresponsável e incondicional, como se não houvesse amanhã. A previsão é de que, no total, o auxílio alcance 79 milhões de brasileiros, somando R$ 152 bilhões, de acordo com o Instituto Fiscal Independente (IFI), um considerável programa suplementar de transferência de renda.
         Somando o auxílio emergencial a outras ações, como ampliação do programa Bolsa Família, incentivo às empresas para manutenção do emprego, financiamento para pagamento de folha salarial, fundos para operações de créditos, ajuda aos Estados e despesas adicionais do Ministério da Saúde, os gastos extraordinários para combate à pandemia somarão R$ 404 bilhões ao término de 2020, o que fará com que a dívida pública se aproxime dos 100% do PIB. Ironia do destino, a equipe que havia conseguido no ano passado a primeira redução da dívida pública desde 2013 acabou por promover o seu vertiginoso crescimento.
         O Estado aprofundou o buraco orçamentário por uma causa nobre. A pergunta é como voltar a crescer a partir de agora, uma vez que a capacidade de investimento público está esgotada? O investimento – e com ele a retomada sustentável do desenvolvimento – terá que vir do setor privado. Mas, para tanto, algumas condições deverão ser cumpridas. A primeira delas já foi referida de início: a pacificação das relações entre os Poderes.
         Convalescendo da Covid, o presidente Bolsonaro terá, quem sabe?, a chance de reconhecer que os atritos que promoveu neste ano e meio, por força da arriscada aposta na polarização, só prejudicaram o país – e, claro, o seu governo. Investidor gosta de segurança jurídica, algo que somente um ambiente de estabilidade institucional pode propiciar. A segunda condição é levar adiante as reformas que tornarão a máquina pública mais eficiente, abrindo espaço para uma redução da carga tributária que desonere o setor produtivo, gerando empregos e renda.
Uma terceira e importante condição para a retomada da economia pós-Covid é enviar mensagens claras sobre temas estratégicos, como, por exemplo, a Amazônia. A questão ética alia-se ao pragmatismo: muitos fundos condicionam investimentos à defesa ambiental.
O Mundo deve saber que os desmatamentos ilegais serão punidos com todo o rigor da Lei, e que o país está empenhado nessa missão. Em suma, o governo precisa cuidar de nossa imagem, o que significa ter gente com discurso e práticas responsáveis em postos-chave. Até aqui, isso não tem sido a regra, apesar das louváveis exceções, como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que tem reiterado que devemos ter tolerância zero com as agressões ao meio ambiente.

Por Nilson Mello
        
        


Um comentário:

  1. Nilson, como já disse outras vezes, o grande problema é Bolsonaro com suas atitudes e palavras radicais e fora de propósito. Mas a sua coluna está ótima com uma análise técnica e ponderada.

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