segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Artigo

 

O rombo fiscal, o pai de família e a Grécia
 
O novo primeiro-ministro grego: exemplos errados

     As contas do setor público, incluindo as três esferas de Poder (governo central, estados e municípios), fecharam com um rombo de R$ 32,5 bilhões em 2014. Governadores e prefeitos seguiram o mau exemplo de cima. Com isso, a dívida líquida do país chegará a 38,2% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, e a bruta, a 65,2%, segundo o Banco Central. Vale dizer que o péssimo resultado fiscal veio a despeito de o Planalto e a equipe econômica terem prometido ao longo do ano passado - e de forma enfática durante a campanha eleitoral - um superávit de virtuais R$ 10 bilhões.

A distância entre o prometido e o “alcançado” é caso de incompetência técnica absoluta. Ou de desonestidade política sem precedentes (escolha o que é pior). Nesta segunda hipótese, passível, digamos, de uma ação pública por falta de decoro e por crime de responsabilidade. Mesmo para uma nação melancolicamente habituada aos arroubos retóricos inconsistentes, o embuste fiscal de 2014 é um ponto fora da curva. Em 2013, já em plena gastança, houve superávit primário do setor público, de R$ 91,3 bilhões (1,88% do PIB).

Dirão, novamente, os palacianos (e seus inocentes defensores aqui da planície) que os gastos a mais foram necessários para atenuar os efeitos de uma crise econômica internacional - que, a bem da verdade, já chegara ao fim. O fato de o descontrole ter sido ainda maior num ano eleitoral teria sido então mera coincidência.

Nem as chamadas “pedaladas fiscais” - as maquiagens contábeis operadas com pouca transparência pelo governo para tentar esconder o seu descontrole - conseguiram salvar as aparências. Desde o início da série de acompanhamento histórico em 2001, este foi o pior resultado. E poderia ser ainda pior caso fossem computados R$ 226 bilhões deixados como “herança” para 2015, como restos a pagar. O que faz com que o prometido superávit de 1,2% do PIB (R$ 65 bilhões) para este ano seja ainda mais difícil de ser obtido.

Anacronismos ideológicos associados à desinformação e à má-fé oportunista criaram uma farsa em torno das contas públicas e do necessário equilíbrio fiscal no Brasil. Quem prega o controle dos gastos é taxado de “neoliberal” socialmente insensível a serviço do capital e do sistema financeiro. Mal sabem os críticos (ou sabem, mas não declinam, por razões obscuras) que quem mais lucra com os gastos ilimitados e as dívidas que os governos contraem são justamente os bancos.

Com a dívida pública tão alta, o seu custo de rolagem será ainda maior para o Brasil, assim como a obtenção de financiamentos – indispensáveis para a retomada do crescimento –, não apenas pelo setor público como pelo setor privado. Quanto maior o risco, maior o custo. Quem gasta mais oferece risco maior. Os balanços das instituições financeiras brasileiras robustecem-se a cada ano, beneficiados, sobretudo, pelo modelo fiscal perdulário que embute esta lógica perversa.

Enxergar a importância do equilíbrio das contas públicas fica mais fácil se nos afastarmos da ideologia. Se um pai de família com renda de R$ 10 mil mensais insiste em manter as despesas domésticas em R$ 12 mil por mês, porque acha que com isso estará dando melhor qualidade de vida aos seus, em breve estará completamente endividado, comprometendo até mesmo o patrimônio familiar – além da educação, a saúde, a alimentação e o lazer dos filhos. Esse pai pode até se enganar dizendo que gasta mais do que ganha porque está procurando proporcionar mais conforto à família. Na verdade, é um irresponsável se escondendo atrás de uma desculpa oportuna: culpará os bancos, o capital financeiro e o neoliberalismo pela sua insolvência, mas ele é o maior responsável.

O novo governo da Grécia, agora nas mãos de uma coalizão autodenominada da extrema esquerda, liderada pelo partido Syriza, com declaradas influências trotskistas e maoístas (veja só!), e assumidamente inspirado pelos modelos “desenvolvimentistas” adotados no Brasil (Lulopetismo) e na Venezuela (Bolivarianismo), também tem repetido a retórica do pai de família irresponsável aí de cima: a culpa é da ortodoxia econômica.

Seria bom o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, observar com atenção aonde o “desenvolvimentismo” de Guido Mantega e companhia levou o Brasil: inflação alta, crescimento pífio, gastos públicos e dívida em ascensão, queda na arrecadação e, por conta disso, juros mais altos, menor capacidade de investimentos em infraestrutura, indispensáveis para o desenvolvimento, e até mesmo para aplicar em programas sociais. O pior de tudo: a má gestão pavimentou anos nebulosos para o Brasil, exigindo maiores sacrifícios da sociedade nos próximos anos, com resultados ainda incertos. As mazelas venezuelanas, como sabemos, são ainda piores.

Tudo isso considerado, livre dos preconceitos ideológicos e das imposturas políticas, podemos dizer que a racionalidade no trato das contas públicas nada tem a ver com ser de esquerda - no sentido de ter preocupação social e entender que um país, ainda em desenvolvimento e desigual como o Brasil, deve, necessariamente investir em programas de inclusão e de distribuição de renda.

Racionalidade nas contas públicas tem a ver com responsabilidade e competência técnica. Algo que, como vimos, faltou ao governo Dilma Rousseff em seu primeiro mandato. Terá no segundo?

 Por Nilson Mello

Em tempo: O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, reconduzido ao cargo na passagem do primeiro para o segundo mandato, afirmou esta semana que a política fiscal mais rigorosa que está sendo adotada agora pelo Ministério da Fazenda, com Joaquim Levy no comando, ajudará no esforço para levar a inflação novamente ao centro da meta (de 4,5%), quem sabe em 2017. Por não ter dito isso antes, de forma clara, durante os quatro anos do primeiro mandato, ou seja, que a eficácia da política monetária (a cargo do BC) no combate à inflação dependia em grande medida do equilíbrio fiscal, Tombini não merecia permanecer no cargo. Ele não foi 100% honesto e transparente com os contribuintes.

Anote: A dívida grega ultrapassa os 174% do PIB. E a coalizão de esquerda que agora chega ao Poder acha que o problema todo foi causado pela ortodoxia econômica neoliberal. Mas a ortodoxia recomenda não gastar mais do que se arrecada, e a ciar um ambiente de trabalho centrado na produtividade e na eficiência. No fundo, trata-se de uma questão moral.

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