sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

   O DNA das tragédias

Viaduto do Joá: omissão

    A compulsão brasileira para tomar medidas preventivas e agir com o rigor que deveria fazer parte da rotina depois que os desastres que se pretendia evitar já aconteceram é um traço macabro de nosso comportamento coletivo. Parafraseando o ministro Joaquim Barbosa, trata-se de uma “tara antropológica”.

O fenômeno volta a se manifestar agora de forma intensa por conta do incêndio criminoso (o descaso nos autoriza a empregar o termo, antes mesmo de qualquer pronunciamento judicial) que matou cerca de 240 pessoas, a grande maioria jovens estudantes na flor da idade, numa casa noturna da cidade gaúcha de Santa Maria.

Da noite para o dia, governadores, prefeitos, comandantes dos Corpos de Bombeiros e autoridades ligadas aos órgãos de fiscalização Brasil afora se mobilizaram de forma frenética para cumprir as obrigações que são de sua competência, mas que vinham sendo negligenciadas. Uma omissão perversa relacionada à tara mencionada acima.

A mobilização apenas veio confirmar o que todos nós já sabíamos, por conhecedores que somos de nossa, digamos, natureza psíquico-social, e pela simples observação dos locais que frequentamos em nosso dia a dia: a grande maioria dos teatros, cinemas, casas de shows e outros estabelecimentos do gênero no país funciona de forma irregular, ignorando medidas básicas de segurança, embora obrigatórias.

Bingo! A diligência pós-tragédia sempre vem acompanhada de altas doses de hipocrisia e cinismo. Os que impõem fiscalização rigorosa e tolerância zero agora são justamente aqueles que vinham agindo de forma negligente e irresponsável.

Em meio ao choque, ao clamor público e à correria das autoridades para tentar recuperar o tempo perdido, há sempre a esperança – muito tênue, é verdade – de que agora as coisas entrem nos eixos, de que as regras sejam cumpridas e a fiscalização funcione a contento. Mas o fato é que a lista de frustrações, muito extensa, não deixa margem para muito otimismo.

A negligência e a irresponsabilidade criminosa vêm potencializando tragédias a cada ano no Brasil, sem que se perceba uma mudança de mentalidade que conduza à adoção de um conjunto de medidas preventivas consistentes e perenes. Os desmoronamentos e enchentes que acontecem a cada verão no Rio de Janeiro são um exemplo do descaso.

Pior do que o despreparo para lidar com os desastres naturais, cujas conseqüências poderiam ser minimizadas se houvesse seriedade e planejamento, é fomentar tragédias por meio da omissão e do desdém no que toca o cumprimento de regras. Foi o que aconteceu em Santa Maria. Foi o que aconteceu no desabamento de três prédios no Centro do Rio há um ano.

Aliás, o Rio é a cidade das tragédias anunciadas. Neste momento um viaduto de intenso movimento (Elevado do Joá) está prestes a ruir em decorrência da falta de manutenção.

Na sofreguidão pós-desastre que geralmente acomete nossas autoridades, como ocorre agora, surgem os exageros, representados pela edição de normas de difícil cumprimento e exigências acima do razoável. Como se o problema estivesse nas regras e não na falta de cumprimento das regras. Desnecessário lembrar que exigências inexequiveis geram (mais) corrupção – e não cumprem seu papel preventivo.

A propósito, Bombeiros e Prefeitura cumpriram o seu papel preventivo em Santa Maria? Como a boate Kiss estava funcionando sem alvará e com evidentes problemas de segurança? São as normas ou são os agentes públicos que estão errados? Deu-se um jeitinho. O jeitinho brasileiro que tudo tem a ver com essas tragédias. É preciso que todos nós passemos a cumprir regras, independentemente de fiscalização. Até porque não é possível ter um fiscal em cada prédio, um bombeiro em cada esquina.
 

Por Nilson Mello

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