sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Artigo

                           Hannah Arendt

 
Erro gramatical na teoria política

     Hannah Arendt, cientista política alemã de origem judaica, que se refugiou nos Estados Unidos para escapar do nazifacismo, dizia que o poder tem a ver com a habilidade humana para agir, mas para agir de maneira correta, tendo em vista o aperfeiçoamento do próprio mundo.
     Desta forma, prossegue Arendt, o poder jamais pode ser propriedade de um indivíduo, ou de grupo restrito de indivíduos; ao contrário, deve ser visto como a conseqüência da ação conjunta de homens livres, voltados para a paz. Quem está no poder representa uma coletividade, o que pressupõe busca de consenso, diálogo, entendimento visando a “uma” convergência de interesses.
     Por essa visão nitidamente pacifista e democrática, o uso da força seria a antítese do verdadeiro poder. Mais: a “violência pode até destruir o poder, mas não poderá substituí-lo”, porque ela se baseia na exclusão, no sectarismo, e não num movimento espontâneo de interação e cooperação como o preconizado por Arendt. (*)
     Violência e poder são, assim, conceitos opostos. Se um está forte, o outro desaparece. Por exemplo, a escalada da violência na Síria é uma decorrência direta da perda de poder do regime.
E aí chegamos a outra conclusão óbvia: a força do poder reside em sua legitimidade e representatividade, do contrário será apenas violência, ainda que disfarçada de poder. De volta ao exemplo, a tentativa de manutenção do status quo, sem a devida legitimidade, levou o governo de Aashar al Assad a uma guerra sanguinária contra aqueles que deveria representar. Não há poder, só violência.
A mesma carnificina teria acontecido na Índia do final dos anos 1940, diria Arendt, se Gandhi houvesse enfrentado, com sua resistência pacífica, os regimes de Hitler, Mussolini ou Stalin, ao invés do liberalismo democrático britânico.
     Há um alerta a ser feito. Grupos minoritários, não representativos de uma autêntica convergência de princípios coletivos, podem procurar se apropriar do poder por meio de uma “violência” dissimulada. Contra esse risco, palatável no Brasil, o maior antídoto é o fortalecimento das instituições.
     O julgamento da ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal é um sinal de amadurecimento institucional. O julgamento do processo do “mensalão” - esquema de compra de votos que revela o intuito de se estruturar um poder espúrio, não consensual – tem reiterado a autonomia e a independência de uma esfera do Estado (Judiciário) em relação às outras (Executivo e Legislativo).
     A “violência” dissimulada se manifesta pela tentativa de interferência de uma esfera na outra, e pela estruturação de um sistema legal democrático na aparência, mas opressor na prática. O voto vencido de um ministro em quase todos os itens do “mensalão” examinados até aqui pelo plenário do Supremo é uma prova vigorosa de que as instituições resistem à interferência indevida. Neste sentido, o vencido no voto poderia personificar a desmoralização de um projeto anômalo de “poder”.
Em sentido oposto, é sinal de reconhecimento implícito da prevalência do princípio de separação de Poderes, o bilhete que a presidente Dilma Rousseff encaminhou nesta quinta-feira (30) a duas de suas ministras, contrariada com mudanças no projeto do Código Florestal feitas no Congresso. Se o Legislativo estivesse domesticado, não existiria bilhete.
A propósito, o bilhete começa com um erro gramatical, logo na primeira linha. Na primeira palavra. Mas, de qualquer forma, convenhamos, já é uma evolução  em relação a um passado bem recente.
      
Por Nilson Mello
    
*Obs: para Arendt, uma boa referência bibliográfica é, novamente, Bittar e Assim Almeida, em “Filosofia do Direito”, cap. 23, Ed. Atlas, 9ª Edição.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Comentário do dia

Macaco Tião


Urnas – O horário de propaganda eleitoral gratuita é dessas aberrações do sistema brasileiro da qual não sabemos como nos livrar. Sim, porque é certo que o eleitor precisa saber quem são os candidatos. E que esses têm o direito de dizer a que vieram.
Mas como fazer biografia e plataforma serem adequadamente divulgadas quando se disponibilizam apenas alguns segundo para a veiculação das mensagens?
    “Eu sou Charles André, o seu amigo de fé, vote número tal, tal, tal”, avisa um candidato à Câmara do Rio em uma das centenas de aparições-relâmpagos do horário gratuito na TV e no rádio.
    “Eu sou o Andrezinho da peixaria, número tal”, grita outro postulante. “Eu sou a Ângela do Tempero”; “eu sou o Fabinho, número...” e assim por diante.
    A propaganda eleitoral gratuita nada acrescenta. Não é possível identificar propostas de trabalho consistentes. Tampouco é possível checar as biografias daqueles que “vendem” sua candidatura.
No fundo, as aparições-relâmpagos são um deboche com o processo eleitoral e, implicitamente, um ato de desdém. O modelo embute a percepção de que o público – o eleitor – fará a sua escolha de acordo com uma avaliação superficial.
Muitas vezes, não raro, essa escolha superficial é também um ato de galhofa, num deboche recíproco entre elegível e eleitor. Não por outra razão já se votou até no Macaco Tião, chimpanzé do Zôo carioca, para o cargo de prefeito.
Não sei exatamente qual seria o melhor caminho para permitir que o eleitor conheça os seus candidatos. Mas tenho a impressão de que acabar com o espetáculo ridículo representado pelas aparições-relâmpagos estimularia a curiosidade do eleitor de boa-fé, levando-o a pesquisar o perfil e a história de cada postulante por conta própria. Isso sim seria voto consciente.
Bem, e quanto àqueles que não se sentissem estimulados, o que fazer? Bem, a democracia precisa do voto desses? Eis uma questão importante a que deveríamos procurar responder sem hipocrisia.
O certo é que do jeito que está a propaganda eleitoral gratuita não acrescenta nada ao processo eleitoral. E o mesmo vale para o voto obrigatório. Ambos são institutos que servem de instrumento ao populismo e ao clientelismo.
 
Por Nilson Mello

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Artigo



 Weber, Arendt e a propaganda eleitoral
   
    A propaganda eleitoral tem sido enfadonha como de costume, mas sempre é possível dissecar ideias pinçadas em entrevistas individuais dos postulantes. Um candidato a prefeito no Rio de Janeiro propõe que o governo municipal assuma de forma plena o controle do Carnaval carioca, e só autorize financiamento de enredos com contrapartida cultural.
    Por trás da ideia está certamente o mais elevado intuito. E qual seria ele? O de garantir qualidade ao conteúdo cultural que é “consumido pelo povo”. Todo regime totalitário nasce e cresce com uma “boa ideia” como essa, em prol da sociedade. E acaba com a população sendo obrigada a ver, ouvir e repetir aquilo que não lhe interessa e no qual não acredita.
    O país que tem um sistema de educação consistente, fundamentado no rigor científico e no mérito acadêmico, não precisa de uma Secretaria Municipal de Cultura, burocrática, dispendiosa e ineficiente, disciplinado o que deveria ser uma autêntica expressão popular.
Diria mais, para arrepio de muitos daqueles que lêem este texto: se o universo de eleitores tivesse educação de melhor nível, enredo de Carnaval jamais seria assunto de campanha eleitoral, sobretudo se considerarmos a complexidade e a gravidade dos problemas que afligem o Rio de Janeiro em áreas como transporte, mobilidade, saneamento, infraestrutura, saúde, segurança e, claro, a própria educação. Bem, nesta hipótese, esses problemas certamente nem existiriam na dimensão que temos hoje.
A propósito, uma sociedade evoluída e bem resolvida daria tanta atenção a alegorias? Não é preconceito. Lembro-me de ter ouvido tempos atrás um antropólogo relacionar a frustração existencial da sociedade brasileira com a fixação pela fantasia proporcionada no Carnaval. O próprio Roberto da Matta passa pela análise em “Carnavais, Malandros e Heróis”.
Extrapolando a tese, os Estados Unidos, em estágio educacional formalmente superior, confinaria suas alegorias à Disney. Os europeus, por sua vez, ainda mais maduros e evoluídos, teriam recursos intelectuais para lidar com as frustrações que dispensariam a adesão ao mundo alegórico. Mas deixemos as elucubrações etéreas aos antropólogos, os verdadeiros mestres no assunto.
De volta à política, vale lembrar que a proposta do candidato mencionada acima é o exemplo típico do ativismo estatal retrógrado que segue seduzindo na América Latina, seja por genuína inocência, seja por desonestidade intelectual. Parafraseando o ministro Joaquim Barbosa - que usou a expressão em outro sentido e contexto - trata-se de uma “tara antropológica” difícil de ser sanada.
Governos e políticos latino-americanos têm compulsão pelo intervencionismo, tanto nas relações econômicas quanto nas relações sociais, como vemos. Adotam o dirigismo de caráter policialesco e autoritário em lugar de estimular a autodeterminação dos indivíduos. O populismo e o assistencialismo são os ingredientes complementares dessa compulsão.
De qualquer forma, o que importa aos candidatos é alcançar o Poder. Até aí, legítimo. Mas que tipo de exercício de Poder seria esse? Aquele que abre a possibilidade de impor a própria vontade ao comportamento alheio, dentro de uma nítida concepção “weberiana”, ou aquele estruturado no contexto de uma comunicação livre de violência, como preconizava Hannah Arendt?
Pois, como lembram Eduardo C. Bittar e Guilherme Assis de Almeida, tanto Arendt quanto Max Weber vêm no poder um “potencial que se realiza em ações”. Na concepção “arendtiana”, porém, “a convivência pacífica entre os homens é o fator que propicia a ação conjunta, e é essa ação conjunta que é geradora de poder”.
Agora pergunto eu: pode haver convivência pacífica e, portanto, sociedade saudável, com uma massa de eleitores desinformada sendo manipulada a cada eleição? Ou o que se tem é a violência presumida do elegível sobre o eleitor, ou seja, um estupro eleitoral?

Por Nilson Mello

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Comentário do dia



Ainda sobre os portos - Um dos comentários de ontem deste Blog era sobre o Programa de Investimento em Logística do Governo, anunciado na semana passada com previsão de construir ou modernizar 10 mil km de ferrovias e 7,5 mil de rodovias nas próximas duas décadas. As obras, no valor total de R$ 133 bilhões, serão feitas via financiamento do BNDES e em Parcerias Público-Privada (as PPPs).
Como mencionado, os portos deverão estar incluídos na segunda etapa do PIL, a ser anunciada nos próximos dias. Há grande interesse de investidores privados em construir e operar empreendimentos portuários no Brasil, justamente devido à forte demanda por serviços dessa natureza.
Os atuais terminais brasileiros, tanto públicos quanto privativos, estão saturados. Alguns deles, como os de Santos, aproximam-se do colapso.
Mas os novos empreendimentos não se concretizaram nos últimos anos (ao menos não na medida do que era necessário), a despeito do interesse privado, por conta de um Decreto de 2008 contendo exigências incabíveis. Os interessados simplesmente se retraíram.
Reproduzo abaixo comentário crítico sobre este marco regulatório, elaborado pelo Centro Nacional de Navegação (Centronave), entidade que representa as principais empresas de navegação do mundo em operação no Brasil.

“Criado com o suposto intuito de incentivar investimentos portuários, a partir da regulamentação da Lei 8.630/93 - que, com efeito, trouxe modernização aos portos -, o Decreto 6.620, de outubro de 2008 tem, na verdade, cerceado o desenvolvimento do setor. O principal óbice diz respeito à imposição de licitação pública para qualquer projeto privado que tenha por objeto a movimentação de cargas.
A obrigatoriedade de licitação é estendida a áreas particulares, o que significa que o Estado está licitando patrimônio privado, que não lhe pertence, numa curiosa inovação legal que, certamente, potencializará intrincados conflitos judiciais – algo que só contribui para aumentar o chamado custo Brasil.
O aspecto jurídico é, contudo, um problema secundário - apesar de também gerar gargalos para a atividade econômica. A questão crucial, de interesse urgente, é que, ao estabelecer esta imposição, o Decreto afasta investidores interessados em apostar na força do comércio brasileiro e no próprio desenvolvimento do país.
Afinal, qual o investidor apostaria num negócio cuja operação estaria sujeita a ser repassada a terceiros, por força de uma licitação? E o risco existe mesmo que o investidor tenha o domínio legal da área destinada ao terminal. É isso que prevê Plano Geral de Outorgas, respaldado no Decreto. A expropriação de áreas particulares será feita em prol do Plano Estratégico Portuário.
Na prática, o Plano funcionará como uma camisa-de-força, impedindo que a iniciativa privada faça os necessários investimentos em infraestrutura portuária. Os terminais públicos arrendados, cuja capacidade encontra-se esgotada, permanecerão protegidos por uma reserva de mercado branca, uma vez que o Decreto não garante a aberta concorrência.
As licitações onerosas de áreas privadas, além de cercear a liberdade de investimentos, encarecerão os novos empreendimentos, contribuindo, mais uma vez para pressionar os custos da cadeia produtiva. Vale enfatizar que não é o empreendedor que arca com os custos adicionais, mas sim o exportador nacional e, em última instância, a sociedade como um todo.
Outro ponto crítico do Decreto é a imposição de que todo empreendimento portuário seja capaz de movimentar carga própria de forma sustentável, ou seja, a ponto de garantir por si só a viabilidade econômica do projeto.
Ora, empreendimento portuário não tem carga própria, uma vez que a sua atividade-fim não é a comercialização de produtos, mais sim, justamente, a prestação de serviços de movimentação de cargas para aqueles que querem exportar e importar. A restrição, certamente, só contribui para inibir ainda mais os investimentos.
Não bastasse, o decreto trouxe ainda outros pontos nebulosos. Na questão da mão-de-obra, estende a todos os Portos Organizados - incluindo os terminais privativos licitados - a mão-de-obra avulsa, um modelo anacrônico e pouco eficiente de relação de trabalho.
No que toca os terminais públicos hoje arrendados, estabelece que os prazos de concessão ficam sujeitos à vontade do Poder Público, contribuindo para gerar insegurança jurídica e aumentar a nefasta ingerência política no setor portuário. E, para completar, cria uma concorrência assimétrica entre setor público e privado, ao determinar que a Autoridade Portuária pode prestar serviços de armazenagem – mais um fator para afugentar investidores.
Passados mais de 200 anos da Abertura dos Portos, esperava-se que o Decreto de outubro de 2008 pudesse lançar o comércio brasileiro e o desenvolvimento do país num patamar de Século XXI, com ampla liberdade de iniciativa. Mas o seu espírito, sem exagero, nos coloca em direção a um contexto anterior a 1808, de fechamento de portos. Na prática, sem os investimentos necessários, é o que pode acontecer.
“O Decreto extrapola a Lei 8.630/93, inovando o ordenamento jurídico e violando o princípio da Legalidade” – Centronave – Julho de 2009.
O Decreto, como se vê, é um exemplo claro do desserviço que o intervencionismo e ativismo estatal “prestam” ao desenvolvimento econômico

Por Nilson Mello

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Comentários do Dia





Portos - O governo acertou ao anunciar na semana passada um amplo programa de concessões e parcerias para impulsionar os investimentos nas rodovias e ferrovias. E promete agora expandir o pacote para portos e aeroportos. O governo demorou a agir, mas agiu certo.
Diante dos óbvios limites orçamentários, está atraindo o setor privado para os investimentos. O maior mérito está em ter abandonado os preconceitos ideológicos.
Nos portos, o problema central é um marco regulatório – representado pelo Decreto 6.620, de outubro de 2008 – que afastou os investidores privados, justamente no momento em que os principais terminais brasileiros já se encontram no limite de sua capacidade operacional.
Em Santos, só não houve colapso porque a crise global iniciada em 2008 reduziu o ritmo de crescimento do comércio exterior, muito embora a demanda por operações portuárias tenha continuado a crescer acima da oferta no Brasil.

Biografias: Lula X Barbosa - A propaganda petista foi competente em exaltar a trajetória vitoriosa do ex-presidente Lula: um retirante nordestino, que virou metalúrgico, depois sindicalista, até se dedicar à vida político-partidária e alcançar a Presidência da República.
A mobilidade social que a trajetória de Lula explicita é de fato algo a se comemorar, sobretudo se considerarmos que o Brasil continua a ser um país de extrema desigualdade social (pesquisa divulgada esta semana indica que somos o quarto país mais desigual das Américas).
Portanto, não há nada de errado em se enaltecer a trajetória de um homem que era um retirante e chegou à Presidência da 6ª maior economia do mundo. O que está errado é o personagem em si deplorar e desprezar a formação acadêmica regular, o mérito escolar, os estudos e o esforço intelectual, porque chegou ao topo sem ter tido a chance (ou a vontade necessária) para se educar e se qualificar do ponto de vista acadêmico.
E neste aspecto, Lula deu um péssimo exemplo à nação e aos milhões de brasileiros que, por conta própria, tentam vencer na vida se empenhando nos estudos.
O contraste veio com a emergência do ministro Joaquim Barbosa por conta do julgamento do processo do “mensalão” no Supremo Tribunal Federal. Joaquim Barbosa, assim como Lula, chegou lá. Mas, ao contrário do ex-presidente, é um exemplo para aqueles que valorizam o saber e procuram vencer na vida pelo mérito escolar.
Por oportuno, então, reproduzo aqui um breve currículo do ministro que circula pela Internet:

“Joaquim Barbosa nasceu em Paracatu, noroeste de Minas Gerais. É o primogênito de oito filhos. Pai pedreiro e mãe dona de casa, passou a ser arrimo de família quando estes se separaram. Aos 16 anos foi sozinho para Brasília, arranjou emprego na gráfica do Correio Braziliense e terminou o segundo grau, sempre estudando em colégio público. Obteve seu bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde, em seguida, obteve seu mestrado em Direito do Estado.

Foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia e, após, foi advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) (1979-84).

Prestou concurso público para procurador da República, e foi aprovado. Licenciou-se do cargo e foi estudar na França, por quatro anos, tendo obtido seu mestrado e doutorado ambo s em Direito Público, pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas) em 1990 e 1993. Retornou ao cargo de procurador no Rio de Janeiro e professor concursado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro -  UERJ. Foi visiting scholar no Human Rights Institute da Faculdade de Direito da Universidade Columbia em Nova York (1999 a 2000) e na Universidade da Califórnia Los Angeles School of Law (2002 a 2003).
Fez estudos complementares de idiomas estrangeiros no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. É fluente em francês, inglês, alemão e espanhol. Toca piano e violino desde os 16 anos de idade.”

Biografias II - O artigo de Elio Gaspari publicado nesta quarta-feira em dois dos principais jornais do país traça um desconcertante perfil do ministro do STF José Antonio Dias Toffoli. Quem acreditava que Toffoli se declararia impedido de votar no processo do “mensalão”, por suas notórias conexões pessoais e profissionais com o PT e o principal dos acusados, não deve deixar de ler o texto, cujo link segue abaixo em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/1141079-a-sessao-extraordinaria-de-toffoli.shtml

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Artigo

                                   Joaquim Barbosa e os primeiros votos



Montesquieu e as suscetibilidades no STF

Um aspecto aparentemente acessório e lateral vem sendo indiretamente reiterado nas sessões de julgamento do “mensalão” no Supremo Tribunal Federal. Em cada sustentação oral e intervenção dos ministros, e mesmo nos apartes dos representantes dos réus, o caráter de independência do Judiciário em relação aos outros Poderes, sobretudo o Executivo, sai revigorado.
A observação pode até parecer banal, já que o Brasil é uma democracia, e tendo em vista que a separação dos Poderes é um instituto inerente aos regimes democráticos liberais. Contudo, “democracias” podem existir na aparência sem se confirmar na essência. Exemplos de dissimulação institucional são recorrentes na América Latina, onde a ideologia tem fomentado com indiscutível êxito pseudo-regimes democráticos nos quais, na prática, a Justiça é encapsulada pelo Executivo, obedecendo aos seus comandos. Em muitos aspectos, por sinal, o Brasil também segue sendo democracia de aparência apenas.
Mas esse não é o caso da atuação do Judiciário e sua independência em relação ao Executivo. Como ensina Norberto Bobbio, deve-se ter em mente que o sentido da teoria da separação dos Poderes é a concretização de um instrumento de defesa da liberdade contra os abusos que possam ser cometidos pela máquina pública. Montesquieu, que concebeu o princípio no século XVIII dada a sua aversão ao absolutismo, o explicava como um sistema de freios cujo objetivo seria garantir equilíbrio à administração pública e prevenir que alguma “potência” (o rei, o chefe de Estado, o chefe de governo) concentre tanto poder que esvazie o interesse da sociedade. Um “não” aos abusos.
Por outro lado, Friedrich Hegel, já no século XIX, reconhecia a importância do princípio, mas entendia o Judiciário como mera instância funcional, não um Poder genuíno como o Legislativo e o Executivo. É por isso sintomático que os países latino-americanos aludidos acima sejam governados por dirigentes e partidos cuja orientação ideológica sofreu forte influência do idealismo de Hegel. No caso, não há por que observar distinções e independência, pois o que importa é construir uma nova ordem.
Mas filosofia política e jurídica à parte, o fato é que se há ou houve recentemente no país o intuito de colocar o Judiciário a reboque do Executivo, o projeto por enquanto fracassou. Se a intervenção alcança de forma aleatória instâncias inferiores, não chega à cúpula do Poder. E, na verdade, o processo do “mensalão”, e não apenas o julgamento em si, mostrou que outras esferas da administração pública, mesmo no âmbito do Executivo, preservam a autonomia indispensável à sua atuação. Ressalte-se que o processo e o julgamento não seriam possíveis sem o trabalho independente da Polícia Federal e da procuradoria Geral da Rep ública. Os impulsos intervencionistas e a partidarização da máquina são visíveis no Brasil, mas os efeitos, ainda limitados.
Pois bem, nesta quinta-feira (16/08) o julgamento entrou na fase de leitura de votos pelo ministro relator, que pediu a condenação do deputado João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara e candidato a prefeito de Osasco (SP),por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro; e dos empresários Marcos Valério, Cristiano Melo Paz e Ramon Hollerbach, por corrupção ativa e peculato. Um dado prosaico: perto dos altos valores envolvidos no esquema, os módicos R$ 50 mil que João Paulo Cunha teria embolsado (ainda não foi condenado pelo colegiado) para ajeitar facilidades para as agências de Valério, Paz e Hollerbach ganha ares de crime de “bagatela” e dá a dimensão do que o deputado é (confirmando-se a condenação) como homem público. 
Com 37 réus ainda em julgamento, cerca de 1.050 votos serão lidos pelos 11 ministros do STF até a conclusão dos trabalhos, se consideradas todas as imputações. Espera-se apenas que deixem suscetibilidades e bate-bocas de lado em respeito à instituição autônoma e independente a que pertencem. Pois as recorrentes exasperações do ministro Joaquim Barbosa no plenário da Corte são incompatíveis com a grandeza do trabalho que arduamente vem realizando, com visível sacrifício físico – o que em parte até explica a sua eventual irritação, mas não a justifica.

Por Nilson Mello

(PS: Ler no comentário da última segunda-feira neste Blog, abaixo, texto sobre Milton Friedman e a crise global))

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Comentários do dia


Friedman e as areias do deserto

    Li artigos recentes na imprensa responsabilizando a Escola de Chicago e, em especial, o Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman pela crise financeira global. O gancho para a nova onda de questionamento em relação ao liberalismo foi a passagem do que seria o centésimo aniversário de Friedman, se vivo estivesse.
    O liberalismo é dessas vítimas prediletas da desonestidade intelectual que, infelizmente, predomina na imprensa brasileira. Friedman foi um ferrenho opositor do intervencionismo na economia, justamente por perceber a ineficiência contaminante do Estado.
    Cunhou frases célebres, como: “Se dessem o Deserto do Saara para o Estado administrar, em cinco anos faltaria areia”.
    Quem atribui ao livre mercado e, portanto, à Escola de Chicago, onde Friedman se projetou, à débâcle da economia global desde 2008, esquece-se de que os fortes impulsos monetários e estímulos ao crédito promovidos pelos governos norte-americano e europeus durante mais de uma década nada tinham de liberal.
    Afinal, desde quando um governo liberal, que acredita na eficácia do mercado, estimularia a concessão de créditos imobiliários de altíssimo risco (ao arrepio das próprias leis de mercado)?
Mas foi exatamente o que os Estados Unidos fizeram, por meio das agências de caráter para-estatal Fredie Mac e Fannie Mae. O resultado deste hiperativismo estatal disfarçado foi, como sabemos, uma bolha imobiliária de proporções catastróficas que até hoje compromete o desempenho da economia americana – e do mundo. O que a Escola de Chicago tem a ver com isso? Absolutamente nada.
Da mesma forma, nada há de liberal na conduta irresponsável de governos europeus, em especial Espanha, Grécia e Portugal, em elevar vertiginosamente seus gastos orçamentários gerando déficits fiscais insolúveis, que só poderiam terminar numa crise sem precedentes. Qualquer governante de um desses países teria optado pelo controle fiscal estrito se sob a orientação da Escola de Chicago.
    Na crise, o sistema financeiro foi apenas o instrumento que os governos utilizaram para perpetrar suas irresponsabilidades. É até razoável que se discutam providências para maior controle do setor financeiro. Mas, o mais importante, é estabelecer regras e mecanismos para controle dos governos irresponsáveis.

    Por Nilson Mello

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Artigo





O mensalão e o PT orgânico


     Não importam o que digam, não há o menor risco de os ministros do Supremo Tribunal Federal se guiar por um juízo exclusivamente técnico no julgamento do “mensalão”, descolando-se de uma apreciação política do episódio. Por mais que procurem ressaltar que formarão sua convicção pelas provas e pelo que efetivamente fizeram os denunciados - e não por aquilo que são, ou seja, livre de preconceitos, como determina a melhor doutrina e os princípios democráticos - o STF é, na essência, e ainda que isso não esteja explicitado na forma, um Tribunal Político.

Apesar disso, e talvez exatamente por seu caráter singular, não se devem esperar penas pesadas no caso em questão. Ao menos para a maioria dos reús. O paradoxo é apenas aparente, pois o fato de ser político não significa que seja um Tribunal de exceção, ou que transcenda a Lei e as demais instituições.

O intuito de condenação está claro desde a apresentação da denúncia, em que o procurador geral da República narra os descaminhos da “sofisticada organização criminosa” estruturada pelo governo para comprar apoio parlamentar, até o seu recebimento pelo Supremo. A contundência do ministro relator da Ação Penal 470 torna a acusação inequívoca.

Dos quase 40 réus arrolados, apenas dois foram poupados do pedido de condenação, por falta de provas. Contra outros tantos as provas são substanciosas, tanto dentro do chamado núcleo político, em especial o deputado João Paulo Cunha e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, quanto nas esferas financeira e operacional do “esquema”.

Mas parece inevitável que apenas uma ínfima minoria dentre os acusados suporte as penas pesadas. O publicitário-lobista Marcos Valério certamente pagará exemplarmente. A grande maioria, contudo, terá penas brandas, ou ficará imune à efetiva punição uma vez que seus crimes já prescreveram.

Então o que fazer quanto àqueles cuja incriminação reside na ilação e não nas evidências concretas dos documentos ou das declarações de testemunhas que instruem os autos? Que fazer, sobretudo, do ex-ministro José Dirceu, o chefe da quadrilha, segundo a denúncia do procurador geral? Pois, pelo que se depreende do julgamento e do que se tornou público do processo, não há provas materiais contra ele.

O acusador bem lembrou que chefe de quadrilha não passa recibo. Mas é difícil acreditar que um Tribunal Político, por ser político (eis aí novamente o paradoxo!), condene um ex-ministro sem provas concretas e irrefutáveis. Até porque, para condená-lo com base na ilação de ter organizado e liderado um esquema de compra de votos visando à perpetuação de seu governo e de seu partido no Poder, seria preciso, também, arrolar entre os acusados aquele que estava acima dele, beneficiário óbvio e imediato das ações perpetradas pela dita “quadrilha”.

Portanto, como condenar José Dirceu sem que sequer se tenha acusado formalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Se Lula não sabia de nada, Dirceu seria, necessariamente, o segundo bobo da Corte. Mas, enfim, o que não se deve perder de vista é que, embora o esquema de compra de votos tenha sido aparentemente desmantelado a partir da denúncia oportunista do ex-deputado Roberto Jefferson (ele mesmo réu na ação em julgamento), o projeto de perpetuação no Poder persiste. E com êxito.

Quando, nas primeiras décadas do século XX, Antonio Gramsci preconizou um Bloco Hegemônico, formado pelos “intelectuais orgânicos" que tomariam o poder de forma paulatina e sorrateira, jamais poderia imaginar que suas teses estariam sendo concretizadas num mundo em que a dicotomia radical entre esquerda e direita, ou capital e proletariado, já não faz mais sentido.

Em pleno século XXI, das ideias integradoras das sociedades, retrocedemos à Era das Revoluções de Hobsbawn por obra de um maniqueísmo obsoleto, porém, hiperativo.

A não ser na América Latina, e nas cabeças de “intelectuais orgânicos” petistas, em conluio com corruptos para os quais a ideologia é apenas mais uma forma de levar vantagem à custa do Estado (esses mesmos que ora são julgados pelo Supremo), Gramsci está vivo.

 Por Nilson Mello


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Artigo


Questão de ordem ou de princípios

O deputado Roberto Jefferson temia José Dirceu porque ele lhe “provocava os instintos mais primitivos”, seja lá o que quisesse dizer com isso. Zé Dirceu, ou Carlos Henrique Gouveia, codinome que o ex-ministro da Casa Civil utilizou no período em que viveu na clandestinidade no Paraná, após ser treinado para a guerrilha em Cuba, é o principal réu do julgamento que começa nesta quinta-feira no Supremo Tribunal Federal.
A vida não ficou ruim para “Carlos Henrique” depois de deixar o Poder. Até porque jamais se distanciou dele. Acusado, nas palavras do procurador Geral da República, de ser o chefe de uma “sofisticada organização criminosa”, montada para comprar o apoio parlamentar no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, saiu do Planalto para se tornar um próspero consultor.
Do ponto de vista financeiro, segundo se noticia, não foi um mau negócio, embora possa lhe ter afastado de algumas perspectivas na vida pública - e mesmo de algumas oportunidades de negócios em desdobramento à continuidade da atividade política.
Diga-se que a trajetória “empresarial” de Zé Dirceu permaneceu intimamente associada ao governo do qual ele fez parte, bem como àqueles que vieram em seguida, ou seja, o segundo mandato de Lula e o atual mandato de Dilma Rousseff.
O livre trânsito no governo de um ex-ministro denunciado por formação de quadrilha e corrupção ativa deveria ser motivo para calafrios adicionais no ex-deputado Roberto Jefferson. Mas ele próprio é um político calejado, ciente da, digamos, volatilidade dos princípios na vida pública. Afinal, foram princípios genuínos ou interesses contrariados que levaram Roberto Jefferson a denunciar o esquema do “mensalão”?
A maioria do eleitor brasileiro, que é de boa-fé, presume-se, deve acreditar que foram os bons princípios que motivaram o ex-deputado. Por essa mesma razão, deduz-se, o eleitor entendeu que o ex-presidente Lula nada sabia sobre a compra de parlamentares, maquinada (confirmando-se a denúncia da acusação) por seu principal ministro, a poucos metros do gabinete presidencial. É o que se infere da reeleição de Lula, de seus altos índices de popularidade e do retumbante sucesso da eleição de sua substituta, considerada durante boa parte da última campanha ao Planalto como um “poste” a ser alçado ao Poder pelo padrinho político tamanha a falta de traquejo no palanque.
Mas não façamos papel de falsos moralistas hipócritas. Compra de voto não é uma invenção petista. É prática usual na trajetória republicana (?) brasileira. O PT “apenas” aperfeiçoou e aprofundou o método. O paralelo é a linha de montagem na indústria automobilística japonesa. O Japão levou ao extremo da eficiência um modelo de produção nascido nos Estados Unidos. E acabou colocando de joelhos as montadoras americanas, impondo uma produtividade inigualável.
O PT, com seu “mensalão” e outros métodos, por assim dizer, arrojados de manutenção no Poder conseguiu deslocar a oposição da vida política nacional. Trata-se da cooptação levada ao extremo da eficiência. Pena o partido não demonstrar a mesma aptidão na gestão da economia.
Talvez porque a correspondência na esfera econômica para a cooptação usual no meio político seja o método do apadrinhamento, modalidade de capitalismo de Estado em que a concentração não é total, mas o governo define que segmentos e grupos privilegiar. O que, aliás, explica o sucesso empresarial do consultor Zé Dirceu. E aqui tampouco há novidade.
Com a justificativa de impulsionar o desenvolvimento, estímulos setoriais vêm sendo elocubrados pela burocracia nacional desde a política do Encilhamento, nos primórdios da República. Sempre gerando distorções de difícil correção, na contramão da livre concorrência e em prejuízo da eficiência.
Pois bem, eis que o julgamento dos 38 réus do “mensalão”, que começa hoje, pode contribuir para uma reflexão dos métodos e parâmetros adotados no Brasil.
Duas questões preliminares, uma de ordem técnica, a outra de natureza moral, mas disciplinada em Lei, dominarão o início dos trabalhos no STF. Pelo que manda a Lei, com base na moral, o ministro José Antonio Dias Toffoli deveria se declarar impedido de julgar. Afinal, advogou para o PT, prestou assessoria jurídica na Casa Civil quando o titular era Zé Dirceu e, antes de ser indicado ao STF por Lula, representou três dos “mensaleiros”. Além disso, sua companheira também já representou os acusados.
No momento em que este texto está sendo escrito ainda não se tem notícia da decisão de Toffoli. O desenrolar dos acontecimentos dirá se é um homem de princípios ou de resultados.
A outra questão de ordem, a ser apresentada pelo ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, que comanda a defesa dos acusados, é saber se a competência para julgar os 35 acusados que não têm mandato (e, na tese do ex-ministro, não fazem jus ao foro privilegiado) é mesmo o Supremo, pela conexão dos crimes, ou se seus processos devem ser desmembrados e remetidos à primeira instância.
Nossos “piores instintos selvagens”, para usar o linguajar de Roberto Jefferson, independentemente da melhor escolha técnico-jurídica, recomendam manter o julgamento onde a punição possa ser mais exemplar. Não por uma questão de resultado apenas, mas de princípio. 

Por Nilson Mello