terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

COMENTÁRIOS DO DIA

Alianças prováveis ou improváveis – A aliança entre o ex-prefeito César Maia (DEM) e o ex-governador Anthony Garotinho (PR) é inusitada apenas na forma, se considerarmos que o partido do primeiro é linha de frente da oposição ao governo federal, enquanto o do segundo integra a sua base de sustentação ou, na melhor (talvez pior) das hipóteses, se autodeclara “independente”.
O histórico recente de disputas e animosidades entre as duas lideranças foi deixado de lado em prol do pragmatismo. Se alguém tinha dúvidas de que filigranas ideológicas e questões de âmbito nacional ficariam em segundo plano no pleito de 2012 no Rio de Janeiro, aí está a resposta.
Firmado ontem (ver noticiário na barra lateral direita do Blog), o acordo DEM-PR suspende um longo período de desavenças entre Garotinho e Maia. E lança como forte candidato de oposição ao prefeito Eduardo Paes (PMDB) - que tentará a reeleição - o deputado federal Rodrigo Maia, filho de Cesar. Este terá como vice na chapa Clarissa Garotinho, filha do ex-governador.
Garotinho e Maia, na verdade, militaram no mesmo PDT e, em maior ou menor grau, são herdeiros do populismo do ex-governador Leonel Brizola. Contingências políticas e conveniências eleitorais fizeram com que se afastassem.  Razões de idêntica ordem agora os colocam no mesmo barco.
    Serra – A decisão do ex-governador José Serra de disputar a Prefeitura de São Paulo garante de qualquer modo um caráter nacional às eleições, ao menos na maior cidade do país. Uma eventual vitória de Serra dá novo ânimo ao PSDB no embate com o PT já com vistas à sucessão de Dilma Rousseff. E traz para a oposição, de fato, em nível federal, o PSD de Gilberto Kassab, que deve indicar o vice na chapa de Serra. PSD e DEM terão agora que saber restringir e administrar suas disputas na esfera jurídica, onde brigam por verbas do fundo partidário e por horário de TV. 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

COMENTÁRIOS DO DIA

Ambiguidade em folhetim partidário - Um dos desafios a serem superados nas eleições de 2012 pelo PSD, partido recém-criado pelo prefeito Gilberto Kassab, é o caráter ambíguo da legenda. Propositalmente, o PSD não tem identidade ideológica, tampouco conteúdo programático definido. Seus dirigentes já avisaram que a legenda não é nem de direita nem de esquerda. Mas também não é de centro.
Ano passado, um de seus líderes chegou a afirmar, em entrevista a um grande jornal, que o partido vai moldar a sua linha de ação e a sua plataforma política aos poucos, de acordo com o “feedback” do eleitor. É como um folhetim da TV, cujo desfecho autor, diretor e atores desconhecem até que o público indique suas preferências. Feito sob medida e progressivamente.
Uma coisa é certa. Um partido com tamanha indefinição, ou, na melhor das hipóteses, moldado de acordo com as circunstâncias, enfrentará dificuldades para atrair o voto de opinião. E para formular programas e projetos  consistentes.
O próprio Kassab já avisou que não faz nem fará oposição automática ao governo do PT. Ao governo de Dilma Rousseff, mais especificamente. Contudo, já deixou bem claro, em declarações esta semana, que apoiará incondicionalmente uma candidatura de José Serra à prefeitura paulistana.
Claro, se Serra não confirmar presença no pleito – ou se demorar muito a fazê-lo – Kassab e seu PSD firmarão aliança com o PT, apoiando o ex-ministro da Educação Fernando Haddad.
A costura PT-PSD tem o aval de ninguém menos do que o ex-presidente Lula, que vê em Kassab um inestimável cabo-eleitoral para Haddad, graças aos R$ 5 bilhões que sua administração promete investir este ano nas áreas de saúde e educação.
A falta de identidade político-ideológica do PSD tem um ingrediente adicional. Dos seus 47 deputados federais, apenas um elegeu-se por conta própria. Os demais foram eleitos com ajuda do coeficiente eleitoral de suas antigas legendas, conforme reportagem de Daniel Bramatti no Estado de S. Paulo desta quinta-feira (23/02). São parlamentares, portanto, incapazes de puxar votos, num partido que, por opção, pretende se manter híbrido, ambíguo, camaleônico.
 Não deixa de ser oportuno lembrar que foi em cima do muro, omitindo-se da crítica coerente e do discurso prepositivo associado aos seus resultados quando governo, que o PSDB perdeu espaço, votos e eleições na última década. Em suma, é possível construir um partido sem identidade? Respostas nas urnas.

Por Nilson Mello

(Obs: para informações factuais sobre as eleições e política, clicar em Noticiário do Dia, no alto da coluna à direita deste Blog)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Comentário do Dia

Filtro eleitoral - Havia argumentos de sobra em favor da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Como havia, também, argumentos consistentes indicando seus aspectos inconstitucionais. Exemplo: a inelegibilidade atrelada a uma condenação sem trânsito em julgado afasta o princípio da presunção de inocência.
O placar apertado (7 a 4) pela sua aplicação integral a partir das eleições deste ano foi portanto, justificável. E, embora, os magistrados em geral e os ministros do Supremo, em particular, gostem de repetir que um juiz não deve se guiar pelo clamor das ruas, pois seu papel é didático e centrado na técnica, foi exatamente o que fez o Supremo, mostrando que a Corte Constitucional é, também, como não poderia deixar de ser, um tribunal político. (Obs: para mais informações ir na seção Noticiário do Dia, na coluna ao lado).
Como frisou o ministro Joaquim Barbosa, “inelegibilidade não é pena”. E, no mais, a liberdade individual de candidatar-se a cargo público não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade em cargos públicos, conforme acrescentou o ministro Luiz Fux.
Assim, no que talvez tenha sido o mais importante caso de conflito de princípios fundamentais enfrentado pelo STF desde a Constituição de 1988, a decisão desta quinta-feira (16), depois de mais de dois anos de polêmica, impôs um “filtro moral” ao processo eleitoral brasileiro, nas palavras do ministro do Supremo e presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Ricardo Lewandowski.
A decisão, que alcança aqueles que renunciaram ao mandato para tentar escapar da inelegibilidade, bem como os que pretendiam ficar imunes à Lei, por terem praticado os atos objetos de condenação antes de sua vigência, resgata a confiança do eleitor. Sobretudo se considerarmos que uma filigrana gramatical, de motivação escusa, introduzida de forma sorrateira pelo Legislativo, ao promover uma mudança de tempo verbal no texto final da Lei, saiu igualmente desmoralizada do julgamento.

Por Nilson Mello

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Artigo


     

Encontro com as urnas

    O calendário de 2012 prevê eleições em primeiro e segundo turnos nos dias 07 e 28 de outubro para a escolha de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em mais de 5.500 municípios. Cerca de 136 milhões de brasileiros irão às urnas. Retornando de recesso, este Blog passará a tratar o assunto de forma prioritária nos próximos meses.
     Neste artigo de estreia podemos colocar em dia alguns aspectos relacionados ao registro dos candidatos, a “propaganda” e a condutas proibidas no processo eleitoral. Sem nos aprofundarmos nos tópicos, neste primeiro momento, teremos ao menos um cenário delineado para análises mais detalhadas no futuro.
    Em primeiro lugar é preciso lembrar que, como de praxe, será grande o número de candidatos a serem registrados pelos partidos nas disputas proporcionais. Isso porque o Código Eleitoral permite que cada legenda indique candidatos até 150% o número de vagas disponíveis nas Câmaras Municipais.
    O registro dos candidatos deverá ser solicitado pelos partidos e coligações até o dia 5 de julho. No caso de coligações, o número de registro pode alcançar o dobro das vagas a preencher. A mecânica do registro é repleta de detalhes e exigências – como de hábito em qualquer procedimento na esfera pública brasileira - no intuito de evitar fraudes.
Os pormenores - como sabemos - não têm sido suficientes para afastar do pleito postulantes de folha criminal corrida. O problema desafia a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições deste ano. Esta semana, por sinal, o Supremo deve julgar três ações que tratam da Lei, a mais importante delas pedindo a declaração de sua constitucionalidade.
Do pedido a ser apresentado pelo partido ou coligação deve constar, entre outros, prova de filiação partidária, certidão de quitação eleitoral, autorização expressa do candidato, sua declaração de bens e certidões criminais concedidas pelos órgãos federais de distribuição da Justiça Eleitoral, Federal ou Estadual.
Para concorrer a um cargo eletivo em outubro é preciso já estar filiado a um partido desde setembro passado. Para filiar-se é preciso ter inscrição eleitoral, o que pressupõe ser brasileiro nato ou naturalizado. O estrangeiro sequer pode estar filiado, pois a principal exigência para a vida partidária é a inscrição eleitoral (título).
A “propaganda” eleitoral somente poderá ter início em 5 de julho, como estabelece a Lei e, na verdade, não é “propaganda”, mas publicidade eleitoral. A confusão se dá porque, enquanto na linguagem coloquial e nos meios de comunicação os termos são sinônimos, do ponto de vista jurídico propaganda seria um conjunto de técnicas cujo objetivo é interferir ou influenciar na tomada de decisões, prática proibida pela Constituição no processo eleitoral.
O que é permitido a partir de 5 de julho, portanto, é a divulgação de nomes e perfis de candidatos e partidos, dentro de um caráter educativo meramente informativo, que possa esclarecer a opinião pública. A distinção é difícil, dando margem a dúvidas, conflitos e tentativas de impugnação.
No que toca ainda a comunicação, um aspecto importante é saber se um veículo (empresa jornalística) tem o direito de endossar um candidato e apoiar determinadas candidaturas. Reconhecido esse direito, a dificuldade está em separar o conteúdo informativo - que deve necessariamente ser imparcial e equitativo, com espaço equilibrado para as diferentes posições - do “posicionamento” institucional, que deve ficar restrito aos editoriais. Voltaremos a esse debate em breve.
Algumas proibições, contudo, são bem claras, embora nem sempre observadas. Por exemplo: é proibida a publicidade em bens sob cessão ou permissão do Poder Público, bem como em postes, sinais de trânsito, pontes e viadutos. É crime eleitoral vincular candidato ou partido a imagens ou slogans da administração pública direta e indireta.
Nesta estreia, cabe ainda lembrar que ao agente público (a começar pelo mais alto posto na Administração Pública) é expressamente vedado o uso da máquina em favor de um ou mais candidatos. Por exemplo: o prefeito não pode, no ano das eleições, realizar despesas com publicidade que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecederam o pleito.
Eis aí alguns parâmetros para se iniciar um ano eleitoral.

*Por Nilson Mello

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

COMENTÁRIO DO DIA

O artigo da última postagem (sexta-feira 09/12) atribui a crise europeia à irresponsabilidade fiscal de alguns países. O link abaixo traz um artigo pertinente, do economista Raul Velloso, sobre a distinção entre o déficit fiscal europeu e o que Brasil alimentava até 1998, quando os governos estaduais foram obrigados a para de usar “seus” bancos para gerar dívida.
A propósito da austeridade fiscal é preciso lembrar que a Alemanha, num momento extremo, também promoveu "impulsos fiscais" e recebeu ajuda externa no pós-Guerra, sobretudo via Plano MacArthur. Mas os recursos foram disciplinarmente aplicados na reconstrução do país e na reorganização de sua economia dentro de parâmetros de mercado.

Link para artigo de Raul Velloso sobre déficit fiscal: http://www.linuxfacil.net/consulcorp/2011/12/12/sem-tempo-para-chorar/

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Artigo

A ideologia e o impasse europeu

   Governos sem moedas próprias são governos desarmados, afirma o cientista político Valter Duarte Ferreira Filho, em texto de conferência proferida recentemente na UFRJ (*). Por essa razão, prossegue, o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia propõem-se a “invadir” a Grécia, e também Portugal, Espanha e Irlanda, “com seus empréstimos em dólares e euros, cobrando medidas de austeridade e abertura para outros invasores externos: os comandantes do capitalismo internacional”.
    A discussão é mais do que pertinente tendo em vista o impasse desta quinta-feira (08/12), em Bruxelas, na reunião de cúpula dos países europeus, organizada para salvar não apenas o euro, mas a consolidação da unidade europeia.
    Para Ferreira Filho, enquanto os países ora em dificuldades continuarem a acreditar no sistema de mercado e no que ele chama de “representação despolitizada do dinheiro” - crença que, segundo ele, explicaria “tamanha imprudência política ao abrir mão da soberania monetária” – permanecerão sujeitos à “manipulação daqueles que podem e melhor sabem fazer uso do dinheiro, praticando o maquiavelismo monetário”.
    Ressalta o autor em seu texto, recorrendo a Alexander Del Mar: “O direito de cunhar moedas sempre foi e ainda permanece a mais inquestionável marca e manifestação da soberania”. Bingo. Passemos, então, aos esclarecimentos.
    Os que sabem fazer melhor uso do dinheiro são economistas, gestores, dirigentes de instituições multilaterais e líderes políticos, entre outros, que reconhecem a importância das regras de mercado, da qual a eficiência é um princípio inerente, no processo de desenvolvimento, ao invés de submeter às leis da ciência econômica (em especial, a da oferta e da procura) aos objetivos políticos, nem sempre límpidos e louváveis.
Valter Duarte Ferreira Filho deixou de considerar em sua análise, que tem 23 páginas e na qual citou ou fez alusão a 24 autores – um mix que vai de Stuart Mill a Marx; de Hobbes e Locke a Weber; de Keynes e Hayek – que uma economia é um sistema demasiadamente complexo para ser planejado por uma instituição central e deve evoluir espontaneamente, por meio do livre mercado.
E quem disse isso foi justamente Friedrich Hayek, Nobel de Economia que escreveu, entre outros, “A Desestatização do Dinheiro”, obra (curiosamente citada por Ferreira Filho) na qual revela sua preocupação com o uso político – ou seria “politiqueiro”? – da moeda e propõe que as emissões sejam feitas por organismos independentes dos governos.
Mas Ferreira Filho desconsiderou aspectos ainda mais importantes. O principal deles é que os países da União Europeia buscam ser, de fato, uma união plena, embora paulatina, e não apenas um conjunto de “soberanias” associadas, como ainda ocorre hoje. Isso está nas entrelinhas. Uma “soberania universal”, aliás, parece ser o caminho inexorável da própria humanidade, em futuro mais distante.
Outra omissão do autor: se os europeus pretendem manter-se unidos por meio de uma moeda forte, cujas vantagens são óbvias, precisam compartilhar, também, os seus pressupostos. Uma conduta fiscal responsável – redução de gastos e gestão eficiente dos recursos públicos – é o principal deles. Foi o que, entre outros fatores, tornou a Alemanha a maior economia da Europa e uma das quatro maiores do mundo, após sair devastada – econômica e moralmente – da Segunda Guerra.
Os países em crise, em especial Grécia, Espanha, Irlanda, Portugal, e agora também Itália, têm o direito soberano de não seguir o modelo. Mas, nesse caso, não terão mais como compartilhar um euro forte. A crise deixou claro que a união monetária depende de uma união fiscal, do reconhecimento a parâmetros fiscais mais claros e rígidos. A alternativa é a desestruturação da Zona do Euro e, consequentemente, o gradual enfraquecimento da União Europeia. É legitimo que Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda possam querer esse desfecho. Mas é mesmo esse desfecho que querem? Claro que não. Não estão na UE e no euro por imposição, mas porque é vantajoso.
A origem da crise, ao contrário do que o texto de Ferreira Filho pode nos induz a pensar, está justamente no descompromisso fiscal desses países cujas economias agora precisam ser resgatadas, sob o risco de a Europa mergulhar numa crise mais aguda e prolongada, com reflexos negativos em todo o mundo. Ocorre que, para colocar dinheiro na mão desses governos, que muitas vezes demonstraram desprezo pelas regras de mercado, gastando mais do que podiam, é preciso lhes impor certas condições. Ou o mundo deve assinar um cheque em branco à irresponsabilidade?
Eis uma das questões que Ferreira Filho não procurou responder. Talvez porque não tenha entendido que o mercado não é uma ficção ideológica, fruto de um gênio maniqueísta ou maquiavélico, como prefere. O mercado é apenas uma expressão genuína das relações econômicas, inerentes ao homem. Seu surgimento data do início da história da humanidade. E continuará a existir mesmo que a ideologia tente decretar o seu fim.
A crise europeia tem uma lição a nos dar. Mas é preciso franqueza intelectual para aprendê-la.

Por Nilson Mello

* Artigo “Dinheiro: a política e a guerra por outros meios ou Maquiavelismo Monetário”, publicado no Volume 4, Número 2 Outubro 2011/Março 2012 dos Cadernos da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, Volume 4, Número 2 Outubro 2011/Março 2012 - Fenomenologia e Direito.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Artigo

A compulsão intervencionista

            Não há estímulo melhor à qualidade do que a concorrência. E quem mais lucra com ela é o consumidor final de produtos e serviços. A Lei de Reserva na Informática (Lei 7.232/84), que perdurou de 1984 a 1991, sob a justificativa de proteção a uma (supostamente) florescente indústria nacional do setor, impôs ao país um atraso tecnológico que até hoje representa um handcap ao seu desenvolvimento.
Os “usuários”, tanto empresas quanto pessoas físicas, tiveram que arcar com os custos adicionais gerados pela baixa eficiência dos produtos – hardwares e softwares – feitos naquele período.
     Um grande jornal brasileiro dá claros sinais de decadência e de significativa perda de qualidade no que diz respeito ao seu conteúdo. Sintomaticamente, o maior concorrente desse veículo fechou as portas há pouco tempo. Agora, é provável que boa parte de seus leitores esteja procurando informações em outras fontes, na busca de mais qualidade.
Os automóveis brasileiros já foram acertadamente chamados de “carroças” por um ex-presidente que, em meio a um governo desastroso sob vários aspectos, teve o mérito de promover a abertura da economia – o que permitiu ao consumidor brasileiro acesso a produtos, incluindo carros, de melhor qualidade. A propósito, já foi dito aqui que até os piores governos deixam seu legado.
     Mas a concorrência externa não é benéfica apenas porque força a busca da melhoria dos produtos nacionais, ou porque dá ao país acesso a tecnologias de ponta, por meio do intercâmbio comercial, o que é pressuposto para o seu desenvolvimento. A concorrência é também importante porque contribui para o controle da inflação.
Na verdade, a própria abertura comercial - e não especificamente a concorrência que dela decorre - ajuda no combate à inflação na medida em que aumenta a oferta de produtos, atendendo à demanda e diminuindo a pressão sobre os preços.
Tudo considerado, como avaliar a recente proposta, em uníssono (ver link abaixo), dos economistas e professores Luiz Carlos Bresser Pereira, Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa para que o governo promova a desvalorização do real e estabeleça salvaguardas protecionistas para a indústria brasileira conquistar competitividade, sobretudo face aos chineses?
Recordemos. Conceição Tavares defendeu o Plano Cruzado de Sarney (por sinal, elaborado por três de seus ex-discípulos) e, mais tarde, o Plano Collor (parte da má herança daquele governo). Chegou a chorar ao defendê-los, em ocasiões distintas, em rede nacional de TV. O Plano Cruzado interveio nas relações econômicas, desconsiderando as leis de mercado. Congelou taxa de câmbio, salários e preços de bens e serviços. Obviamente, em pouco tempo fracassou na tentativa de debelar a inflação. Afinal, por que alguém vai produzir mais se os preços estão congelados? Qual o estímulo? E se a produção cai, e a demanda se mantém, o resultado é o aumento dos preços.
Bresser Pereira, professor emérito da FGV, produziu o Plano que leva o seu nome, em substituição ao Cruzado, repetindo a receita dos congelamentos, igualmente ao arrepio das leis de mercado. O resultado foi idêntico fracasso. Lessa, ex-presidente do BNDES na gestão de Lula, não teve o seu próprio plano, pois ingressou no governo após a inflação já ter sido debelada pelo plano de seus adversários políticos (Real), que teve êxito justamente por respeitar os mecanismos de oferta e demanda, deixando de lado a ideia fixa de congelamento.
O intervencionismo, na verdade, é uma compulsão. Numa metáfora com o futebol, o economista ou burocrata que defende congelamentos e salvaguardas é como aquele jogador que insiste num drible desnecessário, em passar o pé por cima da bola que já chegava limpa para o companheiro, na cara do gol.
O Brasil pode se tornar mais competitivo se reduzir os tributos. Se reformar a legislação trabalhista, que encarece o emprego. E também se o governo gerenciar de forma adequada os recursos que arrecada por meio da tributação, investindo em estradas, portos e aeroportos, verdadeiros gargalos que elevam os custos da cadeia produtiva. Para completar, pode se esforçar para reduzir a burocracia, fonte permanente de custos e de corrupção.
O curioso é que, ao invés de nos preocuparmos com o óbvio, volta e meia retomamos essas ideias mirabolantes, de congelamento, salvaguardas, reservas de mercado, barreiras etc... Como se o passado não tivesse nos ensinado nada.