quarta-feira, 9 de julho de 2025

O Supremo não é Poder Moderador

 

O embate do IOF: tributo regulatório 
ou mera ferramenta arrecadatória em crises fiscais?

Nilson Vieira Ferreira de Mello Jr*.

          No novo capítulo do embate entre Executivo e Legislativo envolvendo o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo até sexta-feira (11) para que o Congresso explique por que derrubou a medida do governo.

Ao mesmo tempo, agendou para o dia 15 de julho uma “audiência de conciliação” entre governo e Congresso, com o objetivo de as partes encontrarem uma saída para o impasse.

Até lá ficam temporariamente suspensos tanto os decretos presidenciais que majoravam as alíquotas do IOF (Decretos n. 12.466/2025 e n. 12.467/2025, substituídos pelo Decreto n. 12.499/2025) e o Decreto Legislativo n. 176/2025, que derrubou os aumentos.

          Antes de prosseguir na análise crítica dessas decisões, vamos tentar entender melhor como se deram essas marchas e contramarchas judiciais relativas ao IOF.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que essas decisões do STF foram tomadas em caráter provisório, ou seja, em medida cautelar, no âmbito do julgamento conjunto, no último dia 4, de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) atinentes à matéria.

A ADI n. 7827, impetrada pelo Partido Liberal (PL), questiona a constitucionalidade dos decretos presidenciais que majoraram as alíquotas de IOF, alegando que houve “desvio de finalidade”, ou seja, o aumento teria sido usado não de forma regulatória, como cabe a um tributo extrafiscal, mas para aumentar a arrecadação, permitindo ao governo fechar as suas contas.

Por sua vez, a ADI n. 7839, impetrada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), questiona a constitucionalidade do Decreto Legislativo n. 176/2025 do Congresso, que derrubou o aumento de alíquotas de IOF editado pelo Executivo, arguindo que, na medida, o Legislativo não aponta claramente onde teria havido a “exorbitância do poder regulamentar” por parte do Executivo, o que ofenderia o princípio da separação de Poderes prevista no art. 2º da Constituição, o que evidenciaria a inconstitucionalidade do ato legislativo.

O inciso V do art. 49 da Constituição dispõe que é competência exclusiva do Congresso Nacional “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”.

O Psol, em sua ADI, entendeu que esta exorbitância não ficou claramente identificada, daí porque, na sua decisão preliminar, o STF deu prazo para que o Legislativo clarifique os fundamentos constitucionais para a derrubada do aumento de alíquotas.

Ressalte-se que, para o PL, conforme expresso na ADI n. 7827, a “exorbitância” estaria na majoração de alíquotas em caráter claramente arrecadatório, visando aumentar o caixa do Tesouro com receitas tributárias adicionais, usando para tanto tributo regulatório (IOF), cuja função precípua é regular comportamentos, , econômicos ou sociais.

 Na ADI, o PL lembra que a majoração de alíquotas representaria um aumento de 60% na tributação do IOF. O STF, cautelarmente, por entender que há, de fato, indícios de “desvio de finalidade”, ou seja, um intuito meramente arrecadatório, e não regulatório, suspendeu os aumentos.

Neste aspecto, válido é ressaltar que, em se tratando de tributos extrafiscais, ou seja, de caráter regulatório estrito (e não fiscal), como são os casos, além do IOF, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto de Importação (II) e do Imposto de Exportação (IE), o Executivo tem a prerrogativa (art. 153, parágrafo 1º da Constituição) de majorar as suas alíquotas por decreto, sem observar o princípio da anterioridade (ou seja, o aumento vale para o próprio exercício), desde que não haja “desvio de finalidade”. Em outras palavras, desde que o intuito não seja meramente arrecadatório.

Todos esses fatos e argumentos sumariamente considerados, devemos lembrar que é legítimo que partidos políticos recorreram ao Supremo, nossa Corte Constitucional, sempre que entenderem que há atos normativos, emanados do Executivo ou do Legislativo, que ferem a Constituição. Por sinal, desde a promulgação da Constituição de 1988, os partidos políticos estão entre os entes que mais ingressam no Supremo contra atos do Executivo e do Legislativo.

O papel do Supremo, por conseguinte, é julgar esses questionamentos à luz da Constituição, invalidando e afastando do ordenamento os atos que julgar serem inconstitucionais e, contrariamente, reconhecendo e validando aqueles que considerar que estão em consonância com a matriz constitucional. 

O que não parece ser papel do Supremo, e aqui retomamos a análise crítica não empreendida de início, é que o Supremo alargue a sua competência e amplie a elasticidade de suas funções para que possa realizar “audiência de conciliação” entre Executivo e Legislativo, como se Poder Moderador fosse. Ressalte-se que, na Constituição, não há qualquer previsão para que o Supremo proponha e assuma tal papel.

A propósito, audiência de conciliação é uma expressão que nos remete a varas de família, em casos como, por exemplo, litígios de casais em separação disputando a guarda dos filhos, ou à esfera trabalhista, onde é imprescindível a mediação entre empregados e empregador, pelo Judiciário, tendo em vista ser uma das partes, teoricamente, hipossuficiente.

Em resumo, a audiência de conciliação entre governo e Congresso, proposta pelo ministro Alexandre de Moraes, é algo totalmente atípico e inusitado, a rigor, um impulso inconstitucional, mesmo que levemos às últimas consequências a interpretação do art. 2º da Carta.

Esse comando constitucional preconiza a harmonia entre os Poderes da República, mas não prevê a mediação do Judiciário nem menciona audiência de conciliação entre os Poderes da República. O Executivo é hipossuficiente?

Assim, no nosso entendimento, por melhores que possam ser (e aqui vai o benefício da dúvida) as intenções do ministro Alexandre de Moraes, tal caminho configura uma inovação constitucional. Para além disso, é uma imprudência o Supremo se imiscuir em negociações políticas – que, a rigor, é o que está acontecendo.

O que o Supremo deve decidir, à luz da Constituição, é se o aumento de alíquotas do IOF decretado pelo governo é ou não válido ou se visa, simplesmente, robustecer o caixa do governo, pressionado pelos recorrentes aumentos dos gastos públicos, configurando desvio de finalidade. O Supremo não é Poder Moderador.

*Advogado e jornalista pela PUC-Rio, é mestre em Filosofia pela mesa universidade, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-Rio e em Economia pela UFRJ, e sócio do Ferreira de Mello Advocacia