sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Transferência de renda

 

Ao trabalho



Quando a fase é difícil, como nesses tempos de Covid-19, até o que seria uma boa notícia vem acompanhada de dado negativo. Os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes ao emprego formal revelaram que o país teve o melhor mês de agosto em dez anos no mercado de trabalho, com 249,4 mil novas vagas preenchidas com carteira assinada, resultado de 1.239.478 contratações contra 990 mil demissões.  Houve saldo positivo de contratações nas cinco regiões, em todos os estados e nos cinco setores da economia – indústria, construção, comércio, serviços e agropecuária, mostrando uma recuperação consistente.

Agosto foi também o segundo mês seguido de saldo positivo, já que em julho 131 mil pessoas haviam sido contratadas com carteira assinada, interrompendo quatro meses (de março a junho) de saldo negativo, com 1,5 milhão de empregos perdidos naquele quadrimestre. O fato de a indústria ter liderado as contratações, com 92.893 mil novas vagas ocupadas, também é positivo, pela capacidade do setor de mobilizar outros segmentos.

A notícia ruim é que, a despeito dessa evolução nos últimos dois meses, o saldo é negativo ao longo do ano em 849,4 mil postos de trabalho. E hoje temos, segundo o IBGE, 13,1 milhões de pessoas procurando emprego, ou seja, 13,8% de desempregados, o maior número desde 1992. O quadro seria certamente pior não fosse a Lei 14.020/2020 (originada da MP 936), denominada Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permitiu a suspensão do contrato de trabalho e a redução temporária de jornada e salários durante a pandemia.

Os abismos sociais que o país historicamente enfrenta, recentemente aprofundados pela recessão de 2015/2016 e agora pela crise da pandemia do novo coronavírus, autorizam o Executivo a tentar desdobrar o auxílio emergencial concedido este ano e promover a sua incorporação a programas de transferência de renda já existentes, que ficariam, assim, robustecidos - seja lá o nome que se dê a eles. É uma questão de responsabilidade social do governo (deste e de qualquer outro) buscar tal caminho.  

Contudo, a verdadeira melhoria do emprego e da renda virá do desenvolvimento sustentável no longo prazo, o que depende de um ambiente legal mais favorável aos investimentos e ao empreendedor. Depende, portanto, das reformas estruturantes já em discussão ou a serem encaminhadas ao Congresso. Depende ainda de uma política educacional cada vez mais consistente. É preciso não perder o foco. Até porque aqui, novamente, temos a boa notícia mesclada a informações negativas.

A ideia de usar precatórios para financiar programas assistenciais equivaleria a passar um atestado de que não há mais qualquer preocupação com o equilíbrio das contas públicas (na contramão, inclusive, das reformas em debate), pois significaria transformar dívida do Estado em despesa permanente, num círculo vicioso que agravaria o rombo fiscal. Nesta quinta-feira (01/10), por sinal, o Tesouro já teve que pagar taxas maiores para tomar empréstimos no sistema financeiro, diante das incertezas geradas pela proposta.

Da mesma forma, usar dinheiro do Fundeb para financiar esses programas significaria reduzir a ênfase que a Educação deve ter no próprio crescimento econômico - um contrassenso. Justiça seja feita, as duas “soluções” não foram anunciada pelo governo, mas pelo senador Márcio Bittar, relator da PEC do Pacto Federativo - e já descartadas pelo Ministério da Economia. Porém, é preciso redobrar a atenção aos balões de ensaio. Transferência de renda, sim, mas sem contabilidade criativa. Ao trabalho.

*Jornalista e advogado

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Um comentário:

  1. Concordo plenamente Nilson, mas o que "mata" o nosso país é o populismo tanto de direita quanto de esquerda.

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