quinta-feira, 7 de março de 2019

As "tweetadas" do presidente e o pensamento único


   

    A julgar pelos seus recentes tuítes, o presidente Jair Bolsonaro ainda não compreendeu a verdadeira dimensão do cargo e de sua liturgia. Desperdiça tempo e energia quando o seu foco deveria estar na tramitação e aprovação das reformas estruturantes que o país precisa - a começar pela da Previdência - e a consequente retomada do crescimento econômico em bases sustentáveis.

    Tudo o que conseguiu fazer com o comentário esdrúxulo sobre cenas de carnaval obtidas em sites de acesso restrito (para dizer o mínimo) foi colocar munição nas mãos de seus adversários, gerando mais incertezas quanto à sua capacidade de gerir um país complexo, com grandes desafios a superar.

Decoro
    De qualquer forma, ao contrário do que muitos chegaram a ventilar - incluindo juristas como Miguel Reale Jr. - não parece razoável querer usar o episódio como causa para um processo de impeachment. Vale dizer que haveria falta de decoro no caso de apologia à obscenidade, mas o que ocorreu foi justamente o oposto: uma tentativa (por mais estabanada que tenha sido) de moralizar o Carnaval, se é que isso é necessário ou possível, e realinhá-lo aos "bons costumes", livre da degradação.

Capital político
    A preocupação, contudo, persiste. Junto com os seus filhos, igualmente afoitos nas declarações, Jair Bolsonaro tem sido o maior inimigo de seu próprio governo. Cria arestas onde não havia problema. Senão, vejamos: não satisfeito com a derrapada sobre o Carnaval, voltou a errar ao anunciar que processaria o ator Zé de Abreu, que, numa paródia da crise venezuelana, se autoproclamou presidente do Brasil. Deu ao ator a publicidade que ele não merecia. Para completar, ainda bateu boca com a atriz Daniela Mercury pelas redes sociais.
    Comentários acessórios, sobre questões secundárias, quando o país está prestes a decidir o seu futuro no Congresso, geram insegurança e acarretam perda de confiança. Só servem para minar o seu capital político, antes de decorridos 90 dias de governo.

Falso moralismo
    Estava claro que o público-alvo era o eleitorado "cativo", mas o presidente não governa para uma parcela da população, e não está mais em campanha. Aqui o adjetivo "cativo" ganha uma acepção propositalmente negativa, ou seja, aquela minoria entre os que o elegeram que o apoiará não importa o que fale ou faça. A postura é idêntica à adotada por petistas que foram (ou são) incapazes de reconhecer os desvios dos governos Dilma e Lula.
    Como era de se esperar, a "tweetada" de Bolsonaro encontrou forte resposta de seus adversários nas redes sociais. A reação, previsivelmente desproporcional, tendo em vista a oportunidade política que o caso ensejou, ganhou contornos de falso moralismo com aroma de hipocrisia. Foi assim que assistimos a ativistas sexuais, conhecidos por suas performances explícitas, revelarem toda a sua "indignação" com as imagens postadas pelo presidente.



Pensamento único
     Ainda sobre os "cativos" referidos acima, cabe dizer, são pessoas incapazes de entender que, sem crítica (e autocrítica), não se corrigem erros, não se mudam práticas danosas. Diante dos deslizes, preferem acusar a imprensa de perseguição - exatamente como faziam os petistas -, quando deveriam cobrar do governo mudança de postura. Foi este tipo de devoção cega um dos fatores que levaram o Brasil para a mais profunda e longeva recessão econômica durante o governo Dilma - crise da qual ainda não nos livramos. Quando se apontavam os erros na política econômica, a reação era raivosa: contra a mídia, contra a classe média, contra a "elite", contra os "neoliberais", contra o "seletivo" Judiciário...

A saudável divergência
    Divergir e permitir o debate plural é imprescindível para o aperfeiçoamento das políticas públicas e das ações de Estado. Por isso chamou a atenção também por esses dias a exoneração do embaixador Roberto de Almeida do cargo de presidente do IPRI - Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, vinculado ao Itamaraty, e o "desconvite" à cientista política Ilona Szabó, que havia sido indicada pelo ministro Sergio Moro para suplente do Conselho de Políticas Criminais e Penitenciárias do Ministério da Justiça.
    Roberto Almeida publicara em seu Blog pessoal artigos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do embaixador Rubens Ricupero com críticas à atual política externa brasileira. Junto com esses textos divergentes, publicara também artigo do chanceler Ernesto Araújo, defendendo a atual orientação da pasta. Já Ilona Szabó tinha posições contrárias à política de armamento, uma das plataformas do governo.
    Ocorre que os cargos de ambos não eram de execução de política de governo. O IPRI é um órgão de pesquisas, como o próprio nome diz, e quanto maior será sua contribuição para que estudos consistentes sobre relações exteriores sejam desenvolvidos quanto maior for a sua pluralidade e independência.
    Da mesma forma, o Conselho para o qual Ilona Szabó havia sido designada como suplente é órgão consultivo, e por essa razão quanto mais diversificados forem os pareceres de seus integrantes, bem como o debate entre eles, mais enriquecedoras serão as contribuições para o Ministério da Justiça.
    O pensamento único leva todo governo à repetição de erros. Saliente-se: os cargos em questão não eram de execução direta das respectivas pastas, mas, sim, de direção de pesquisas e de aconselhamento.

A marcha da insensatez 
    Por fim, mas não menos importante, cabe aqui um último comentário sobre os assuntos políticos que dominaram o período de Carnaval. A saída de um condenado da prisão para acompanhar o velório de um parente é um ato legal, além de humanitário. Seja o condenado quem for, e não sendo relevante, em termos políticos, o efeito colateral da medida. 
    Assim a ideia de impedir o ex-presidente Lula de acompanhar o velório do neto, sob qualquer justificativa, seria de uma crueldade sem precedentes. 
    O deputado Eduardo Bolsonaro, que se posicionou veementemente contra a medida nas redes sociais, precisa entender que a pena a ser imposta a um condenado é aquela prevista em Lei para os crimes que praticou e estabelecida em sentença. Tudo o que vai além disso é desumano e, portanto, inadmissível.
    Em outras palavras, por mais que odeie o presidente Lula, os céus não poderão desabar sobre a sua cabeça e não tem sentido, por inócuo, desejar que arda no fogo eterno. O que cabe ao ex-presidente, em termos de condenação, a Justiça vai decidir, como já tem decidido.
    Portanto, ao criticar a saída do ex-presidente da prisão por motivo justificável, Eduardo Bolsonaro deixou passar nova uma oportunidade de ficar calado. Sendo filho do presidente da República, uma razão a mais para não se pronunciar sobre assunto politicamente sensível, não diretamente relacionado ao seu mandato de deputado.
    Provavelmente, temia uma comoção em torno de Lula no velório, com desgaste para o governo. Não percebeu que o desgaste político maior seria impedi-lo de sair - até porque a Lei garante ao preso este direito (Lei de Execuções Penas, art. 120, inciso I). Deu argumentos à "vitimização", esquecendo-se, talvez, que o papel de "mito" não é exclusividade do atual presidente.
    A reação também veio do público, nas redes sociais. Num espasmo de mesquinharia, não admitiam que o governo custeasse ("com o nosso dinheiro") o transporte e a escolta do ex-presidente. Mas, quando um preso se desloca por razões legalmente justificáveis, quem arca com os custos é mesmo o Estado, e assim deve ser. Como bem lembrou a juíza Gabriela Hardt, quem já viu o transporte do traficante Marcola sabe que é idêntico ao de Lula, cercado de policiais, com escolta bem armada e transporte bancado pelo erário. Nem mais nem menos.

Por Nilson Mello


Um comentário:

  1. Nosso presidente deveria falar apenas através de uma Assessoria de Imprensa e nunca escrever nada em redes sociais. Falta bom senso, discernimento e "um pouco de malandragem", como diria Cassia Eller

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