sexta-feira, 13 de março de 2015

Artigo



O mentiroso digno e o delator irônico

A confissão egoísta

     A figura de Pinóquio ganhou força nos últimos dias com a instauração da CPI da Petrobras, as suas primeiras audiências e as novas revelações feitas por corruptos confessos em seus depoimentos no âmbito da Operação Lava Jato. Mas a referência tem razões inversas.
     O personagem do italiano Carlo Collodi (Le avventure di Pinocchio, de 1883) é universal e - a exemplo de todo grande personagem da literatura - mantém-se perene por força de seu grande caráter. Sim, o que chama a atenção no célebre mitômano é, paradoxalmente, a sua dignidade, razão pela qual ele conquistou a simpatia do público. Ele não é o antagonista, não é um Mephisto, mas o próprio herói do romance.  
     Mentir, todo ser humano o faz, dizem os cientistas, várias vezes ao dia, em maior ou menor grau, a ponto de algumas correntes da Filosofia reconhecerem que a mentira, em determinadas circunstâncias, pode até ser ética. Não? Vejamos: mentir para evitar um atentado terrorista, por exemplo.
     Mas é preciso dignidade singular para se trair a cada mentira, algo que o boneco de madeira criado pelo entalhador Geppetto faz com distinção. Pinóquio, com seu nariz revelador, é um ser transparente mesmo quando tenta ser dissimulado. Ser verdadeiro é algo que está além de sua vontade e de suas forças. Pode haver prova mais genuína de caráter?

     Nos depoimentos obtidos nas delações premiadas da Lava Jato deve haver algumas lorotas, mas é presumível que a maior parte do que tem sido dito por personagens como Paulo Roberto Costa, Alberto Yousseff e, mais recentemente, Pedro Barusco - o gerente da Petrobras que sozinho colocou US$ 97 milhões na Suíça! - seja verdade.
     Eis aí o contraste com Pinóquio. No caso, a verdade é uma imposição, uma questão de sobrevivência: escondê-la, neste estágio, significaria penas severas. Os três são, neste sentido, a antítese de nosso herói. Este tentava mentir para auferir alguma vantagem, mas a sinceridade o traía, ainda que de forma oblíqua. O personagem de Collodi é, sem querer, um altruísta.
     Costa, Yousseff e Barusco, por sua vez, contaram a verdade (ou uma meia-verdade ou parte da verdade) por questões egoístas. Ainda que seus depoimentos venham a contribuir para esclarecer o gigantesco esquema de desvio de recursos que colocou a maior estatal do país de joelhos, esse terá sido, pela ótica e pela lógica dos depoentes, o efeito colateral - o que os moveu foi a autopreservação, o instinto de sobrevivência, não o altruísmo.
     Em relação ao depoimento de Pedro Barusco esta semana na CPI da Câmara, em particular, o contraste é ainda maior. Barusco foi enfático na reiteração das denúncias que fez à Justiça. Não se percebia em seu semblante, no tom da voz, na linguagem corporal quaisquer resquícios de vergonha ou de arrependimento. E isso é estarrecedor.
     O esquema de propina vinha dando certo desde 1997/1998 (US$ 97 milhões na Suíça!), como afirmou, mas, uma vez flagrado, tratou de salvar a pele, confessando.
     Diante das câmeras, com transmissão ao vivo, e de centenas de pessoas na plateia, entre parlamentares e jornalistas, não enrubesceu, não se emocionou, não titubeou. O ar de playboy, reforçado pelo cabelo mais longo, puxado para trás da nunca à base de brilhantina, e as roupas de grife (com as quais é visto nas fotos publicadas nos jornais), contribuem para compor a imagem de frieza, com um viés irônico incompatível com a circunstância.
      Diante da dimensão do prejuízo que o esquema de roubalheira a que Barusco estava associado produziu a ironia inoportuna, que beira o deboche, deveria justificar a suspensão dos benefícios da delação premiada. A sua postura chocou tanto ou mais que o conteúdo de seu depoimento. Quem dera tivéssemos mais Pinóquios na crônica política brasileira.

    Por Nilson Mello

Em tempo:


     Uma coisa é a corrupção, sempre condenável, não importa em que grau. Outra, bem mais grave, é a corrupção sistematizada, estruturada em conluio com políticos e partidos políticos, e a serviço de um projeto de poder.


Em tempo II:
     Impeachment? No contexto, poderia gerar (mais) insegurança institucional, o que seria prejudicial no momento em que o governo toma medidas - sobretudo na política macroeconômica - indispensáveis para corrigir os (muitos) erros e desarranjos cometidos no primeiro mandato.
     Além disso, seria injusto deixar para terceiros o conserto dos erros que são de responsabilidade deste governo, mas, principalmente, porque nada garante que o "herdeiro do trono" teria condições (ou vontade política) para prosseguir nos duros, porém, inadiáveis ajustes ora iniciados.
     Por fim, o impeachment permitira ao PT assumir o papel de vítima - algo que muito lhe agrada e que lhe seria conveniente. Mais uma razão para ser desconsiderado no momento.
     Contudo, é preciso lembrar que processos de impeachment são um instrumento do jogo democrático, decididos de forma legítima, com amparo nos poderes constituídos, sobretudo o Legislativo. Ou alguém acha que o impeachment de Collor foi um golpe contra a democracia? 


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