sexta-feira, 13 de maio de 2011

Abolição, Guerra da Secessão e Farrapos




Hoje, data em que se comemoram os 123 anos da Abolição da Escravatura, vale relembrar alguns caminhos cruzados da história. Como sabemos, o Brasil foi um dos últimos países a promover a libertação dos escravos – o que retardou a formação de uma mão-de-obra qualificada e a consequente criação de um mercado consumidor capaz de impulsionar a sua economia e garantir o seu pleno desenvolvimento social.
O embate entre abolicionistas e escravistas aqui jamais chegou ao ponto extremo alcançado nos Estados Unidos. Lá metade do país (na verdade, 23 estados, nortistas) assentava seu desenvolvimento na indústria, na pequena propriedade e num mercado consumidor interno resultante de uma mão-de-obra assalariada livre.
O restante dos 11 Estados (sulistas e, a partir de 1861, agrupados em uma nova Confederação), dependia da exportação de uma produção agrícola forjada no trabalho escravo. O resultado desse “conflito de interesses” levou a uma guerra civil que até hoje é o confronto em que mais norte-americanos perderam a vida.
Dois por cento da população dos Estados Unidos na época, aproximadamente 620 mil homens, morreram na Guerra da Secessão, entre abril de 1861 e junho de 1865, mais do que a soma de todos os mortos do país nas duas Grandes Guerras do Século XX. Numa única batalha, a de Antietam, que ficou conhecida como “America’s Bloodiest Day”, 23 mil soldados pereceram. Em outra batalha, a de Gettysburg, em julho de 1863, as baixas, entre mortos e feridos, chegaram a 51 mil homens.

O republicano Abraham Lincoln acabara de ser eleito o 16o presidente dos Estados Unidos com uma votação esmagadora quando o conflito eclodiu. Enfrentou a crise impondo a derrota dos confederados em 1865 e a manutenção da União. Em 1863, ainda em plena Secessão, promoveu a Emancipação dos Escravos.
O irônico é que Lincoln jamais se apresentou como um abolicionista convicto. A causa que lhe movia era a manutenção da União, a “Casa Unida”, como se referia. Chegou a declarar que, se tivesse que manter os escravos para restabelecer a União, não teria dúvidas de que caminho seguir. Se não fossem as circunstâncias, portanto, é possível que a Abolição tardasse também nos Estados Unidos – comprometendo, como aqui, o seu pleno desenvolvimento.
As alternativas que as circunstâncias apresentam aos líderes – e as escolhas que eles fazem diante delas – deixam rastros curiosos. De início, apreensivo com o despreparo do pequeno Exército da União (formado por praças voluntários e oficiais inexperientes), Lincoln chegou a convidar Giuseppe Garibaldi para assumir o comando.
Garibaldi acabara de liderar a vitoriosa guerra de unificação da Itália, numa campanha memorável em que, à frente de pouco mais de mil soldados, derrotou um Exército regular quase 20 vezes maior. A fama de grande líder e estrategista militar do Condottieri do “Risorgimento da Itália” havia rapidamente encantado o Novo Mundo, ávido por se distanciar da “velha” Europa monárquica. Lincoln, contudo, recuou do convite ao considerar que não seria viável ter um estrangeiro à frente de todo o seu Exército.
O curioso é que o Condottieri Giuseppe Garibaldi já havia combatido no Novo Mundo. Entre 1835 e 1845, veio ao Brasil, mais precisamente ao Rio Grande do Sul, lutar pelos ideais republicanos de liberdade, que incluíam – embora não de maneira preponderante - o fim da escravatura. Liderou tropas da então República Rio-Grandense na Guerra de Independência contra o Império – a chamada Guerra dos Farrapos(foto).
A República Farroupilha acabou derrotada, mas Garibaldi começava ali o seu papel de grande protagonista da história com um feito quase épico: concebeu e liderou a operação de deslocamento de dois pequenos navios de guerra por terra, colocados sobre rodões e puxados por bois, numa distância de quase 100 km entre a Lagoa dos Patos e o litoral Sul de Santa Catarina, onde as embarcações foram usadas em combates navais.
Impossível imaginar o desfecho da Guerra da Secessão se o Condottieri tivesse tomado partido nela como comandante supremo da União. Em caso de derrota dos nortistas, a libertação dos escravos nos Estados Unidos certamente demoraria mais alguns anos ou décadas. E é possível – mas não certo – que, caso a República dos Farrapos tivesse triunfado, seus ideais liberais influenciassem o Brasil e apressassem a nossa Abolição, só tardiamente alcançada em 1888.
Mas essas são apenas conjecturas para uma data histórica.

Por Nilson Mello

Nenhum comentário:

Postar um comentário