sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

No interesse público


Por Nilson Mello

    Uma “ética” muito peculiar orienta a conduta de nossos parlamentares e políticos em geral. Sempre que se sentem acuados por denúncias de tráfico de influência, corrupção passiva, apropriação indébita, evasão de divisas, peculato...(a lista é quase tão extensa quanto o Código Penal), ameaçam agir no “interesse público” e contra-atacar, tornando público, também, os desvios cometidos por seus acusadores.
    O deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) ameaça, neste momento, remexer o lixo do escândalo dos “aloprados”, cujos protagonistas foram integrantes do PT - seus aliados, portanto, na base do governo – e passar à imprensa informações sobre outros desvios petistas. Alega agir no “interesse público” e adverte: “É impressionante o instinto suicida desses caras”. 


    Eduardo Cunha foi acometido por um forte espírito cívico - e saiu em defesa do interesse dos brasileiros – quando seus interesses particulares foram expostos e prejudicados.
Em reportagem de capa esta semana no jornal O Globo, o repórter Chico Otávio revela que “Furnas pagou R$ 73 milhões a mais por ações vendidas a empresários ligados ao deputado (...)”.
    Cunha atribui a desafetos no PT a fonte das denúncias. E revida. Se o tivessem deixado quieto, no pleno gozo de seus interesses particulares, usufruindo suas sinecuras, o “interesse público” certamente não teria a menor importância. Mas colocaram em risco seu esquema e agora saberão do que ele é capaz.
    Em nome do verdadeiro interesse público, o melhor seria que seus adversários não recuassem diante da ameaça. De uma só vez poderíamos ter acesso a todas as irregularidades cometidas por Eduardo Cunha e ainda desvendar os desvios de seus inimigos no PT.
Duvido, no entanto, que isso ocorra. A prática tem mostrado que, no embate entre o interesse público e o interesse privado, o segundo leva a melhor. Uma composição deverá serenar os ânimos e acomodar as conveniências fisiológicas, como já vimos em outras ocasiões.
A notória ineficiência de nossa máquina pública é conseqüência direta desses arranjos. Não admira a educação não ir bem, a saúde ser de má qualidade, não haver coordenação em momentos de catástrofes naturais, como a ocorrida na Região Serrana fluminense...
Importa lembrar que o conflito momentâneo veio à baila em plena temporada de escolha dos integrantes dos segundo e terceiros escalões do governo federal, e em meio às disputas pelas indicações dos quadros de direção nas Estatais, entre elas Furnas. PT e seus pseudo-aliados da base governista (PMBD com mais sofreguidão do que os demais) têm se engalfinhado pelo botim. É uma luta surda com espasmos na mídia, como a oportuna matéria de Chico Octavio.
Infelizmente, defender privatizações virou heresia no Brasil. A oposição - que levou quase a metade dos votos válidos na última eleição – poderia assumir o papel crítico, mas faz cerimônia. O conluio entre uma administração pública corrompida e setores privados contemplados com privilégios decorrentes da própria corrupção desencoraja até eventuais opositores.
Empresa estatal é a maior fonte de corrupção do país, é a mola propulsora de nosso patrimonialismo. Lembremos os escândalos envolvendo os Correios e a Infraero, entre muitos outros. No genuíno interesse público (não o escamoteado), poderíamos voltar a falar em privatizações e na redução dos gastos públicos, que geram mais ineficiência e têm impacto na inflação.
Mas quem vai empunhar essa bandeira? Nossos nobres parlamentares?  

3 comentários:

  1. Conciso e verdadeiro, para não dizer brilhante descrição do impasse que os homens de bem vivem neste País.

    A vontade é de nos constituirmos em legionários justiceiros e eliminarmos estes crápulas com as próprias mãos, já que todos os caminhos institucionais estão obliterados por estes pervertidos políticos.

    A inação nos deixa frustrados, necessitamos de lideranças civis que conduzam um processo de limpeza desta escória.

    Qual caminho? Associações civis, corporações, ONG’s, Igrejas, Milícias, Partidos ?!

    Todos estes caminhos estão poluídos, conspurcados pelos fariseus que nos tomam a liderança, por meios os mais iníquos.

    O quê fazer?

    Aguardar um novo Messias ou ir para as ruas novamente e reiniciar um processo de democracia direta que sabemos nos conduzirá ao fascismo sob um novo duce, reiniciando um processo do qual já sabemos o desfecho.

    Estamos num mato sem cachorro....uma geração com certeza de sua incompetência.

    Abraços
    Nelson Carilin, consultor de empresas

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  2. Interesse público é ter uma gestão comprometida com o funcionamento eficiente da máquina. Pagar mais do que o devido, para poder distribuir benesses entre os cargos de gerência (ocupados pelos políticos e seus asseclas) tem também de ser criminalizado. As empresas são cartelizadas em incluir, nas licitações, um percentual para ser distribuído. É praxe. São a mola mestra da corrupção, que virou um costume, institucionalizado desde que os políticos assumiram as estatais. A grande maioria lutou contra a ditadura, para isso...para participar do butim...rs. Acho que a mídia deveria atacar aí. Exigir a fiscalização direta do povo nessas negociatas, através de Comissões populares, voluntárias (eu gostaria muito). Aposentados poderiam ter muito a contribuir para satisfazer aquele interesse público. Poderiam conferir preços do mercado e orçamentos, acompanhar liberações de verbas, conferir os costumeiros acréscimos por não terem sido incluído nos orçamentos (quando já não há mais licitação...rs...é uma vergonha! ) denunciando as negociatas e exigindo a execração e punição penal dos ladrões, esses bandidos que, só por serem carismáticos na oratória, se valem dessa interação hipócrita entre eles, muito bem enfocada por você, para estarem sempre dividindo os cargos e os butins. Privatização seria a solução única? Acho que até poderia, mas serviços de interesse público têm de ser dirigidos por técnicos competentes, e o Estado tem de empregá-los e pagar bem para serem fieis. Não basta privatizar, você viu a Light.Tem é de tirar essa corja de vagabundos das direções.

    Fauzi Salmem, advogado

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  3. Uma vez mais meus parabéns. Sua coluna deveria ser no O Globo!
    João Theotonio, advogado

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