quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Comentário do dia



Ainda sobre os portos - Um dos comentários de ontem deste Blog era sobre o Programa de Investimento em Logística do Governo, anunciado na semana passada com previsão de construir ou modernizar 10 mil km de ferrovias e 7,5 mil de rodovias nas próximas duas décadas. As obras, no valor total de R$ 133 bilhões, serão feitas via financiamento do BNDES e em Parcerias Público-Privada (as PPPs).
Como mencionado, os portos deverão estar incluídos na segunda etapa do PIL, a ser anunciada nos próximos dias. Há grande interesse de investidores privados em construir e operar empreendimentos portuários no Brasil, justamente devido à forte demanda por serviços dessa natureza.
Os atuais terminais brasileiros, tanto públicos quanto privativos, estão saturados. Alguns deles, como os de Santos, aproximam-se do colapso.
Mas os novos empreendimentos não se concretizaram nos últimos anos (ao menos não na medida do que era necessário), a despeito do interesse privado, por conta de um Decreto de 2008 contendo exigências incabíveis. Os interessados simplesmente se retraíram.
Reproduzo abaixo comentário crítico sobre este marco regulatório, elaborado pelo Centro Nacional de Navegação (Centronave), entidade que representa as principais empresas de navegação do mundo em operação no Brasil.

“Criado com o suposto intuito de incentivar investimentos portuários, a partir da regulamentação da Lei 8.630/93 - que, com efeito, trouxe modernização aos portos -, o Decreto 6.620, de outubro de 2008 tem, na verdade, cerceado o desenvolvimento do setor. O principal óbice diz respeito à imposição de licitação pública para qualquer projeto privado que tenha por objeto a movimentação de cargas.
A obrigatoriedade de licitação é estendida a áreas particulares, o que significa que o Estado está licitando patrimônio privado, que não lhe pertence, numa curiosa inovação legal que, certamente, potencializará intrincados conflitos judiciais – algo que só contribui para aumentar o chamado custo Brasil.
O aspecto jurídico é, contudo, um problema secundário - apesar de também gerar gargalos para a atividade econômica. A questão crucial, de interesse urgente, é que, ao estabelecer esta imposição, o Decreto afasta investidores interessados em apostar na força do comércio brasileiro e no próprio desenvolvimento do país.
Afinal, qual o investidor apostaria num negócio cuja operação estaria sujeita a ser repassada a terceiros, por força de uma licitação? E o risco existe mesmo que o investidor tenha o domínio legal da área destinada ao terminal. É isso que prevê Plano Geral de Outorgas, respaldado no Decreto. A expropriação de áreas particulares será feita em prol do Plano Estratégico Portuário.
Na prática, o Plano funcionará como uma camisa-de-força, impedindo que a iniciativa privada faça os necessários investimentos em infraestrutura portuária. Os terminais públicos arrendados, cuja capacidade encontra-se esgotada, permanecerão protegidos por uma reserva de mercado branca, uma vez que o Decreto não garante a aberta concorrência.
As licitações onerosas de áreas privadas, além de cercear a liberdade de investimentos, encarecerão os novos empreendimentos, contribuindo, mais uma vez para pressionar os custos da cadeia produtiva. Vale enfatizar que não é o empreendedor que arca com os custos adicionais, mas sim o exportador nacional e, em última instância, a sociedade como um todo.
Outro ponto crítico do Decreto é a imposição de que todo empreendimento portuário seja capaz de movimentar carga própria de forma sustentável, ou seja, a ponto de garantir por si só a viabilidade econômica do projeto.
Ora, empreendimento portuário não tem carga própria, uma vez que a sua atividade-fim não é a comercialização de produtos, mais sim, justamente, a prestação de serviços de movimentação de cargas para aqueles que querem exportar e importar. A restrição, certamente, só contribui para inibir ainda mais os investimentos.
Não bastasse, o decreto trouxe ainda outros pontos nebulosos. Na questão da mão-de-obra, estende a todos os Portos Organizados - incluindo os terminais privativos licitados - a mão-de-obra avulsa, um modelo anacrônico e pouco eficiente de relação de trabalho.
No que toca os terminais públicos hoje arrendados, estabelece que os prazos de concessão ficam sujeitos à vontade do Poder Público, contribuindo para gerar insegurança jurídica e aumentar a nefasta ingerência política no setor portuário. E, para completar, cria uma concorrência assimétrica entre setor público e privado, ao determinar que a Autoridade Portuária pode prestar serviços de armazenagem – mais um fator para afugentar investidores.
Passados mais de 200 anos da Abertura dos Portos, esperava-se que o Decreto de outubro de 2008 pudesse lançar o comércio brasileiro e o desenvolvimento do país num patamar de Século XXI, com ampla liberdade de iniciativa. Mas o seu espírito, sem exagero, nos coloca em direção a um contexto anterior a 1808, de fechamento de portos. Na prática, sem os investimentos necessários, é o que pode acontecer.
“O Decreto extrapola a Lei 8.630/93, inovando o ordenamento jurídico e violando o princípio da Legalidade” – Centronave – Julho de 2009.
O Decreto, como se vê, é um exemplo claro do desserviço que o intervencionismo e ativismo estatal “prestam” ao desenvolvimento econômico

Por Nilson Mello

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