Weber, Arendt e a propaganda
eleitoral
A
propaganda eleitoral tem sido enfadonha como de costume, mas sempre é possível
dissecar ideias pinçadas em entrevistas individuais dos postulantes. Um
candidato a prefeito no Rio de Janeiro propõe que o governo municipal assuma de
forma plena o controle do Carnaval carioca, e só autorize financiamento de
enredos com contrapartida cultural.
Por trás da
ideia está certamente o mais elevado intuito. E qual seria ele? O de garantir
qualidade ao conteúdo cultural que é “consumido pelo povo”. Todo regime
totalitário nasce e cresce com uma “boa ideia” como essa, em prol da sociedade.
E acaba com a população sendo obrigada a ver, ouvir e repetir aquilo que não lhe
interessa e no qual não acredita.
O país que
tem um sistema de educação consistente, fundamentado no rigor científico e no
mérito acadêmico, não precisa de uma Secretaria Municipal de Cultura,
burocrática, dispendiosa e ineficiente, disciplinado o que deveria ser uma
autêntica expressão popular.
Diria mais, para arrepio de
muitos daqueles que lêem este texto: se o universo de eleitores tivesse educação
de melhor nível, enredo de Carnaval jamais seria assunto de campanha eleitoral,
sobretudo se considerarmos a complexidade e a gravidade dos problemas que
afligem o Rio de Janeiro em áreas como transporte, mobilidade, saneamento,
infraestrutura, saúde, segurança e, claro, a própria educação. Bem, nesta
hipótese, esses problemas certamente nem existiriam na dimensão que temos
hoje.
A propósito, uma sociedade
evoluída e bem resolvida daria tanta atenção a alegorias? Não é preconceito.
Lembro-me de ter ouvido tempos atrás um antropólogo relacionar a frustração
existencial da sociedade brasileira com a fixação pela fantasia proporcionada no
Carnaval. O próprio Roberto da Matta passa pela análise em “Carnavais, Malandros
e Heróis”.
Extrapolando a tese, os
Estados Unidos, em estágio educacional formalmente superior, confinaria suas
alegorias à Disney. Os europeus, por sua vez, ainda mais maduros e evoluídos,
teriam recursos intelectuais para lidar com as frustrações que dispensariam a
adesão ao mundo alegórico. Mas deixemos as elucubrações etéreas aos
antropólogos, os verdadeiros mestres no assunto.
De volta à política, vale
lembrar que a proposta do candidato mencionada acima é o exemplo típico do
ativismo estatal retrógrado que segue seduzindo na América Latina, seja por
genuína inocência, seja por desonestidade intelectual. Parafraseando o ministro
Joaquim Barbosa - que usou a expressão em outro sentido e contexto - trata-se de
uma “tara antropológica” difícil de ser sanada.
Governos e políticos
latino-americanos têm compulsão pelo intervencionismo, tanto nas relações
econômicas quanto nas relações sociais, como vemos. Adotam o dirigismo de
caráter policialesco e autoritário em lugar de estimular a autodeterminação dos
indivíduos. O populismo e o assistencialismo são os ingredientes complementares
dessa compulsão.
De qualquer forma, o que
importa aos candidatos é alcançar o Poder. Até aí, legítimo. Mas que tipo de
exercício de Poder seria esse? Aquele que abre a possibilidade de impor a
própria vontade ao comportamento alheio, dentro de uma nítida concepção
“weberiana”, ou aquele estruturado no contexto de uma comunicação livre de
violência, como preconizava Hannah Arendt?
Pois, como lembram Eduardo
C. Bittar e Guilherme Assis de Almeida, tanto Arendt quanto Max Weber vêm no
poder um “potencial que se realiza em ações”. Na concepção “arendtiana”, porém,
“a convivência pacífica entre os homens é o fator que propicia a ação conjunta,
e é essa ação conjunta que é geradora de poder”.
Agora pergunto eu: pode
haver convivência pacífica e, portanto, sociedade saudável, com uma massa de
eleitores desinformada sendo manipulada a cada eleição? Ou o que se tem é a
violência presumida do elegível sobre o eleitor, ou seja, um estupro
eleitoral?
Por
Nilson Mello
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