sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Artigo



 Weber, Arendt e a propaganda eleitoral
   
    A propaganda eleitoral tem sido enfadonha como de costume, mas sempre é possível dissecar ideias pinçadas em entrevistas individuais dos postulantes. Um candidato a prefeito no Rio de Janeiro propõe que o governo municipal assuma de forma plena o controle do Carnaval carioca, e só autorize financiamento de enredos com contrapartida cultural.
    Por trás da ideia está certamente o mais elevado intuito. E qual seria ele? O de garantir qualidade ao conteúdo cultural que é “consumido pelo povo”. Todo regime totalitário nasce e cresce com uma “boa ideia” como essa, em prol da sociedade. E acaba com a população sendo obrigada a ver, ouvir e repetir aquilo que não lhe interessa e no qual não acredita.
    O país que tem um sistema de educação consistente, fundamentado no rigor científico e no mérito acadêmico, não precisa de uma Secretaria Municipal de Cultura, burocrática, dispendiosa e ineficiente, disciplinado o que deveria ser uma autêntica expressão popular.
Diria mais, para arrepio de muitos daqueles que lêem este texto: se o universo de eleitores tivesse educação de melhor nível, enredo de Carnaval jamais seria assunto de campanha eleitoral, sobretudo se considerarmos a complexidade e a gravidade dos problemas que afligem o Rio de Janeiro em áreas como transporte, mobilidade, saneamento, infraestrutura, saúde, segurança e, claro, a própria educação. Bem, nesta hipótese, esses problemas certamente nem existiriam na dimensão que temos hoje.
A propósito, uma sociedade evoluída e bem resolvida daria tanta atenção a alegorias? Não é preconceito. Lembro-me de ter ouvido tempos atrás um antropólogo relacionar a frustração existencial da sociedade brasileira com a fixação pela fantasia proporcionada no Carnaval. O próprio Roberto da Matta passa pela análise em “Carnavais, Malandros e Heróis”.
Extrapolando a tese, os Estados Unidos, em estágio educacional formalmente superior, confinaria suas alegorias à Disney. Os europeus, por sua vez, ainda mais maduros e evoluídos, teriam recursos intelectuais para lidar com as frustrações que dispensariam a adesão ao mundo alegórico. Mas deixemos as elucubrações etéreas aos antropólogos, os verdadeiros mestres no assunto.
De volta à política, vale lembrar que a proposta do candidato mencionada acima é o exemplo típico do ativismo estatal retrógrado que segue seduzindo na América Latina, seja por genuína inocência, seja por desonestidade intelectual. Parafraseando o ministro Joaquim Barbosa - que usou a expressão em outro sentido e contexto - trata-se de uma “tara antropológica” difícil de ser sanada.
Governos e políticos latino-americanos têm compulsão pelo intervencionismo, tanto nas relações econômicas quanto nas relações sociais, como vemos. Adotam o dirigismo de caráter policialesco e autoritário em lugar de estimular a autodeterminação dos indivíduos. O populismo e o assistencialismo são os ingredientes complementares dessa compulsão.
De qualquer forma, o que importa aos candidatos é alcançar o Poder. Até aí, legítimo. Mas que tipo de exercício de Poder seria esse? Aquele que abre a possibilidade de impor a própria vontade ao comportamento alheio, dentro de uma nítida concepção “weberiana”, ou aquele estruturado no contexto de uma comunicação livre de violência, como preconizava Hannah Arendt?
Pois, como lembram Eduardo C. Bittar e Guilherme Assis de Almeida, tanto Arendt quanto Max Weber vêm no poder um “potencial que se realiza em ações”. Na concepção “arendtiana”, porém, “a convivência pacífica entre os homens é o fator que propicia a ação conjunta, e é essa ação conjunta que é geradora de poder”.
Agora pergunto eu: pode haver convivência pacífica e, portanto, sociedade saudável, com uma massa de eleitores desinformada sendo manipulada a cada eleição? Ou o que se tem é a violência presumida do elegível sobre o eleitor, ou seja, um estupro eleitoral?

Por Nilson Mello

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