Hannah Arendt
Erro gramatical na teoria política
Hannah
Arendt, cientista política alemã de origem judaica, que se refugiou nos Estados
Unidos para escapar do nazifacismo, dizia que o poder tem a ver com a habilidade
humana para agir, mas para agir de maneira correta, tendo em vista o
aperfeiçoamento do próprio mundo.
Desta
forma, prossegue Arendt, o poder jamais pode ser propriedade de um indivíduo, ou
de grupo restrito de indivíduos; ao contrário, deve ser visto como a
conseqüência da ação conjunta de homens livres, voltados para a paz. Quem está
no poder representa uma coletividade, o que pressupõe busca de consenso,
diálogo, entendimento visando a “uma” convergência de
interesses.
Por essa
visão nitidamente pacifista e democrática, o uso da força seria a antítese do
verdadeiro poder. Mais: a “violência pode até destruir o poder, mas não poderá
substituí-lo”, porque ela se baseia na exclusão, no sectarismo, e não num
movimento espontâneo de interação e cooperação como o preconizado por Arendt.
(*)
Violência
e poder são, assim, conceitos opostos. Se um está forte, o outro desaparece. Por
exemplo, a escalada da violência na Síria é uma decorrência direta da perda de
poder do regime.
E aí chegamos a outra
conclusão óbvia: a força do poder reside em sua legitimidade e
representatividade, do contrário será apenas violência, ainda que disfarçada de
poder. De volta ao exemplo, a tentativa de manutenção do status quo, sem a devida legitimidade,
levou o governo de Aashar al Assad a uma guerra sanguinária contra aqueles que
deveria representar. Não há poder, só violência.
A mesma carnificina teria
acontecido na Índia do final dos anos 1940, diria Arendt, se Gandhi houvesse
enfrentado, com sua resistência pacífica, os regimes de Hitler, Mussolini ou
Stalin, ao invés do liberalismo democrático britânico.
Há um
alerta a ser feito. Grupos minoritários, não representativos de uma autêntica
convergência de princípios coletivos, podem procurar se apropriar do poder por
meio de uma “violência” dissimulada. Contra esse risco, palatável no Brasil, o
maior antídoto é o fortalecimento das instituições.
O
julgamento da ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal é um sinal de
amadurecimento institucional. O julgamento do processo do “mensalão” - esquema
de compra de votos que revela o intuito de se estruturar um poder espúrio, não
consensual – tem reiterado a autonomia e a independência de uma esfera do Estado
(Judiciário) em relação às outras (Executivo e Legislativo).
A
“violência” dissimulada se manifesta pela tentativa de interferência de uma
esfera na outra, e pela estruturação de um sistema legal democrático na
aparência, mas opressor na prática. O voto vencido de um ministro em quase todos os
itens do “mensalão” examinados até aqui pelo plenário do Supremo é uma prova
vigorosa de que as instituições resistem à interferência indevida. Neste
sentido, o vencido no voto poderia personificar a desmoralização de um projeto
anômalo de “poder”.
Em sentido oposto, é sinal
de reconhecimento implícito da prevalência do princípio de separação de Poderes,
o bilhete que a presidente Dilma Rousseff encaminhou nesta quinta-feira (30) a
duas de suas ministras, contrariada com mudanças no projeto do Código Florestal
feitas no Congresso. Se o Legislativo estivesse domesticado, não existiria
bilhete.
A propósito, o bilhete
começa com um erro gramatical, logo na primeira linha. Na primeira palavra.
Mas, de qualquer forma, convenhamos, já é uma evolução em relação a um passado
bem recente.
Por
Nilson Mello
*Obs:
para Arendt, uma boa referência bibliográfica é, novamente, Bittar e Assim
Almeida, em “Filosofia do Direito”, cap. 23, Ed. Atlas, 9ª
Edição.
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