Artigo
O mensalão e o PT orgânico
Não importam o que digam, não há o menor
risco de os ministros do Supremo Tribunal Federal se guiar por um juízo
exclusivamente técnico no julgamento do “mensalão”, descolando-se de uma
apreciação política do episódio. Por mais que procurem ressaltar que formarão
sua convicção pelas provas e pelo que efetivamente fizeram os denunciados - e
não por aquilo que são, ou seja, livre de preconceitos, como determina a melhor
doutrina e os princípios democráticos - o STF é, na essência, e ainda que isso
não esteja explicitado na forma, um Tribunal Político.
Apesar disso, e talvez exatamente por seu caráter
singular, não se devem esperar penas pesadas no caso em questão. Ao menos para
a maioria dos reús. O paradoxo é apenas aparente, pois o fato de ser político
não significa que seja um Tribunal de exceção, ou que transcenda a Lei e as
demais instituições.
O intuito de condenação está claro desde a
apresentação da denúncia, em que o procurador geral da República narra os
descaminhos da “sofisticada organização criminosa” estruturada pelo governo
para comprar apoio parlamentar, até o seu recebimento pelo Supremo. A
contundência do ministro relator da Ação Penal 470 torna a acusação inequívoca.
Dos quase 40 réus arrolados, apenas dois
foram poupados do pedido de condenação, por falta de provas. Contra outros
tantos as provas são substanciosas, tanto dentro do chamado núcleo político, em
especial o deputado João Paulo Cunha e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares,
quanto nas esferas financeira e operacional do “esquema”.
Mas parece inevitável que apenas uma ínfima
minoria dentre os acusados suporte as penas pesadas. O publicitário-lobista
Marcos Valério certamente pagará exemplarmente. A grande maioria, contudo, terá
penas brandas, ou ficará imune à efetiva punição uma vez que seus crimes já
prescreveram.
Então o que fazer quanto àqueles cuja
incriminação reside na ilação e não nas evidências concretas dos documentos ou
das declarações de testemunhas que instruem os autos? Que fazer, sobretudo, do
ex-ministro José Dirceu, o chefe da quadrilha, segundo a denúncia do
procurador geral? Pois, pelo que se depreende do julgamento e do que se tornou
público do processo, não há provas materiais contra ele.
O acusador bem lembrou que chefe de quadrilha
não passa recibo. Mas é difícil acreditar que um Tribunal Político, por ser
político (eis aí novamente o paradoxo!), condene um ex-ministro sem provas
concretas e irrefutáveis. Até porque, para condená-lo com base na ilação de ter
organizado e liderado um esquema de compra de votos visando à perpetuação de
seu governo e de seu partido no Poder, seria preciso, também, arrolar entre os
acusados aquele que estava acima dele, beneficiário óbvio e imediato das ações
perpetradas pela dita “quadrilha”.
Portanto, como condenar José Dirceu sem que
sequer se tenha acusado formalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Se
Lula não sabia de nada, Dirceu seria, necessariamente, o segundo bobo da Corte.
Mas, enfim, o que não se deve perder de vista é que, embora o esquema de compra
de votos tenha sido aparentemente desmantelado a partir da denúncia oportunista
do ex-deputado Roberto Jefferson (ele mesmo réu na ação em julgamento), o
projeto de perpetuação no Poder persiste. E com êxito.
Quando, nas primeiras décadas do século XX,
Antonio Gramsci preconizou um Bloco Hegemônico, formado pelos “intelectuais orgânicos"
que tomariam o poder de forma paulatina e sorrateira, jamais poderia imaginar
que suas teses estariam sendo concretizadas num mundo em que a dicotomia radical
entre esquerda e direita, ou capital e proletariado, já não faz mais sentido.
Em pleno século XXI, das ideias integradoras
das sociedades, retrocedemos à Era das Revoluções de Hobsbawn por obra de um
maniqueísmo obsoleto, porém, hiperativo.
A não ser na América Latina, e nas cabeças de
“intelectuais orgânicos” petistas, em conluio com corruptos para os quais a
ideologia é apenas mais uma forma de levar vantagem à custa do Estado (esses
mesmos que ora são julgados pelo Supremo), Gramsci está vivo.
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