Um referendo inócuo
Sempre que um acontecimento provoca forte comoção pública no Brasil, os políticos se apressam em propor novas leis ou reformas na legislação e, prometer, com elas, o fim de nossas inquietações.
O roteiro se repete agora no bojo do trauma causado pela execução de 12 crianças na Escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro. O Senado não perdeu tempo e já anunciou que colocará em discussão um novo referendo sobre venda de armas.
Em 2005, consulta popular com o mesmo intuito já havia derrubado artigo do polêmico Estatuto do Armamento.
Ainda assim, o presidente da Casa, José Sarney, acha que vale a pena retomar o assunto e, a despeito das despesas que um novo referendo deverá gerar e da ineficácia da proibição da comercialização de armas para deter homicidas com o perfil de Wellington Menezes de Oliveira, apresentará hoje às lideranças partidárias proposta neste sentido.
O que importa é faturar com o ensejo midiático – independentemente dos resultados práticos a serem alcançados.
Referendo é um mecanismo pelo qual o povo decide, em última instância, se as Leis votadas no Congresso devem ou não ser, de fato, validadas.
Por ter caráter extraordinário, não deve ser um mecanismo a ser empregado corriqueiramente – até porque, se fosse para ser a regra - e não a exceção do processo legislativo - não seriam necessários Congresso, senadores, deputados e eleições legislativas.
O fato de ter havido referendo sobre o tema há menos de seis anos faz com que a medida ganhe um aspecto ainda mais oportunista. O próprio Estatuto, por sinal, já é questionável se considerarmos que, na realidade, desarmou pessoas de bem que entendiam ser justo manter uma arma para se defender. Ou algum marginal entregou sua escopeta às autoridades, premido pela Campanha do Desarmamento e pelo Estatuto?
Os traficantes do Complexo do Alemão – que ganharam notoriedade no final do ano passado com as imagens transmitidas pela televisão – não adquiriram seus fuzis e metralhadores no comércio legalizado. Os AR-15, M-16 e AK-47 que ostentavam quando fugiam do cerco policial não foram comprados do balcão da esquina – aliás, como armas de uso militar, sequer são comercializadas.
Como essas armas chegaram e chegam ao Brasil, passando pelas fronteiras, sendo desembarcadas em nossos portos e aeroportos e transportadas por rodovias, avenidas, ruas e ruelas até o cume dos morros cariocas é uma pergunta que o Ministério da Justiça, a Polícia Federal, o governo do Estado do Rio de Janeiro e outros órgãos e autoridades ligadas à Segurança Pública não souberam ou não querem responder.
Wellington Menezes de Oliveira protagonizou um dos mais tristes episódios da extensa história de violência do Rio de Janeiro. Mas um Estatuto que proibisse comercialização de armas de fogo não o teria impedido de fazer o que fez. Por sinal, as armas que portava não eram legalizadas.
Vítima, ele também, de uma sociedade intolerante, incapaz de gerar inclusão e de amparar os desiguais – para protegê-los da comunidade e também para que a comunidade fique a salvo deles – Wellington de Oliveira usou revólveres como poderia ter usado bombas de fabricação caseira, automóveis incendiários, facas, tesouras, canivetes...
Mais efetivo do que a reforma de um recém-criado Estatuto, seria a classe política, neste momento, se dedicar a discutir de que forma nossas escolas poderão estar mais aparelhadas, tanto do ponto de vista material como humano, para lidar com perfis psicóticos como o de Wellington.
Afinal, o histórico escolar do executor de Realengo dava, desde o início, todos os sinais de que havia, ali, uma vida sendo desperdiçada. No final das contas, várias vidas foram perdidas e muitas outras – de familiares, colegas, professoras, vizinhos – estarão para sempre marcadas pelo trauma de quinta-feira passada na Zona Oeste do Rio.
Mas investir em educação, escola, assistência social só rende frutos a longo prazo, e a custo de muita persistência. Os políticos preferem o efeito midiático de um novo referendo.
Por Nilson Mello
Nilson, concordo com voce em todos os aspectos. Os caras que venderam a arma para o Wellington, e que disseram em entrevista que o fizeram porque achavam que o rapaz usaria para sua defesa pessoal...Estes mercadores de armas não têm esta noção de civilidade que os letrados encastelados esperam ou dizem esperar. Não há eco o furor humanístico em determinadas rodas - rodas estas onde residem o crime. Portanto, a piada de mal gosto está ganhando corpo. Aumentando no seu volume e nas suas personagens. Cavucarem a figura de um herói no mesmo dia em que se extermina 15 crianças é ultrapassa a barreira do trágico. Vira piada. Para se contar no inferno, logicamente.
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