Reforma tributária: a vez do IR
O
Projeto de Lei (PL) nº 1.087 de 2025, que promove alterações no Imposto de
Renda, está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados. Enviado pelo Executivo
ao Congresso em 18 de março, o PL pode ser considerado uma segunda etapa da chamada
“reforma tributária fatiada”, cujo início e principal marco é a Emenda
Constitucional nº 132 de 2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214 de
2025.
Conforme já analisamos neste espaço, a primeira etapa da
reforma tratou principalmente da tributação sobre o consumo, com a criação do Imposto
sobre Valor Agregado Dual (IVA-Dual), composto pela Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Instituiu, ainda, o
Imposto Seletivo (IS), este incidindo sobre a produção e o consumo de bens e
serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Além
disso, a EC 132/2023 trouxe alterações na dinâmica de tributos sobre o
patrimônio, em especial o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação
(ITCMD), que passou a ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da
doação ou da transmissão, e o Imposto sobre Veículo Automotor (IPVA), com alíquotas
diferenciadas de acordo com a categoria do veículo e seu potencial impacto
ambiental.
No que diz respeito ao IVA-Dual, embora venha sendo chamado
por muitos de um imposto único, isso de forma alguma corresponde à realidade.
Em primeiro lugar, porque ele não eliminou todos os demais tributos, nem mesmo
aqueles de incidência sobre o consumo (está aí o IS, recém-criado). Em segundo
lugar, porque é, na verdade, integrado por outros dois tributos, de
competências distintas, sendo a CBS de responsabilidade federal e o IBS, do
Distrito Federal, dos estados e dos municípios.
Não é
demais lembrar que a estruturação bipartida do IVA gera consideráveis desafios
no que diz respeito à administração fiscal e às regras de repartição de
receitas, ainda não totalmente esclarecidas, porque dependem da aprovação do
Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024, que aguarda
apreciação do Senado, bem como de uma série de atos administrativos
complementares.
Cabe
ainda esclarecer que, ao contrário do IS, o IVA-Dual entrará em vigor de forma
transitória em janeiro de 2026, devendo estar plenamente implantado somente em
janeiro de 2033, quando substituirá outros dois tributos sobre o consumo – o
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) –, além da Contribuição para a Seguridade
Social (Cofins) e o Programa de Integração Social (PIS).
De
2026 a dezembro de 2032, portanto, conviveremos com tributos do antigo e do
novo sistema, esses com alíquotas temporariamente reduzidas. Contribuintes de
forma geral, especialmente empresas, devem começar a se preparar desde já para
adaptar seus sistemas de gerenciamento contábil a essa complexa fase de
transição tributária, que terá início em menos de cinco meses.
Para
não deixarmos um hiato na visão geral da reforma, antes de prosseguirmos na
análise do PL do Imposto de Renda, é oportuno esclarecer que, na terceira
“fatia” da reforma, devemos ter a complementação da regulamentação dos tributos
sobre o patrimônio, com normas editadas pelo Distrito Federal, estados e
municípios. Para a quarta “fatia”, a expectativa é que se possa fazer a
reestruturação dos tributos que incidem sobre a folha de pagamentos, entre eles
o Fundo de Garantia sobre Tempo de Serviço (FGTS) e o Imposto de Renda Retido
na Fonte (IRRT), em relação aos quais há uma série de projetos aguardando
apreciação no Congresso.
A
segunda “fatia” de reforma, portanto, estaria representada pelo PL nº 1.087/2025,
que trata da tributação sobre a renda, mais precisamente, do Imposto de Renda.
Neste sentido, altera a Lei nº 9.250 de 1995, que disciplina o IR
corrigindo a sua tabela e estabelecendo nova faixa de isenção para quem ganha
até R$ 5 mil mensais. Hoje, a faixa de isenção é de R$ 2.824 mensais. De 2015 a
2022, a tabela esteve congelada, com a faixa de isenção fixada em R$ 1.903/mês.
Além
disso, o PL estabelece a redução de alíquotas para rendimentos de até R$
7.350/mês, bem como uma alíquota mínima para rendimentos anuais superiores a R$
600.000,00 por ano, com alíquotas adicionais de 10% para quem tem rendimentos
superiores a R$ 1,2 milhão por ano. Ao garantir maior progressividade à tabela
de recolhimentos do Imposto de Renda, o PL nº 1.087/2025 está em linha com
a busca da justiça fiscal.
Progressividade
significa estabelecer, de forma equitativa, alíquotas maiores para os que têm
renda maior e, inversamente, menores para aqueles economicamente menos
favorecidos. Quanto mais progressivo, mais justo será um sistema tributário. Trata-se
de usar a tributação como instrumento de política pública, no caso, voltada
para a redução dos altos índices de desigualdade presentes no Brasil.
Um dos
problemas da reforma tributária que o país acaba de promover é que o caráter
regressivo do sistema não foi de todo afastado, uma vez que a ênfase da
incidência permaneceu no consumo, igualando, de forma injusta, ricos e pobres. Para
tentar compensar essa distorção, a própria EC nº 132/2023 instituiu o
mecanismo de cashback (reembolso), que permite a devolução às pessoas de
baixa renda de parte dos tributos que incidiram sobre o seu consumo. Ainda que
represente uma compensação, o mecanismo traz complexidade a uma reforma que
tinha entre os seus objetivos a simplificação.
De
qualquer forma, no que diz respeito ao Imposto de Renda, a proposta de progressividade
está correta. Vejamos alguns dados sobre desigualdade.
Cerca
de 10% dos declarantes de IR no Brasil, os mais ricos, acumulam 51% do total da
renda do país. Os 10% mais ricos detêm 58% da riqueza nacional. Os 10% com
maior rendimento tiveram renda 14,4 vezes maior à dos 40% com menor rendimento
(IBGE/2023). Pelo índice Gini, o Brasil tem um dos piores indicadores de
distribuição de renda do mundo, com índice de 0,518, numa escala de 0 a 1, em
que quanto mais próximo de zero mais equilibrada é a distribuição de renda e
quanto mais próximo de 1, mais concentrada.
Pelo
PL nº 1.087/2025, 90% dos brasileiros passarão a estar nas faixas de
isenção ou de redução de alíquota. No total, 65% estarão totalmente isentos (26
milhões de pessoas). Não há dúvidas de que a alteração tem um impacto positivo
sobre as camadas de mais baixa renda, contribuindo para uma política
redistributiva. A questão, agora, é saber de que forma compensar o Tesouro pela
perda de receitas tributárias, sobretudo tendo em vista um quadro persistente
de desequilíbrio fiscal, com recorrente descompasso entre receitas e despesas.
Sem
compensação por outras receitas tributárias, o governo deixará de arrecadar já
no ano que vem R$ 25,8 bilhões, o que agravaria o déficit fiscal. Uma das
propostas em discussão no Congresso é elevar a Contribuição sobre o Lucro
Líquido (CSLL) cobrada dos bancos e outras empresas do setor financeiro com
lucro acima de R$ 1 bilhão.
Outra
é taxar empresas de apostas on line – as bets. Seja qual
for a opção do legislador, o objetivo maior – a busca da justiça tributária – a
legitima, desde que seja adotada com base em estudos técnicos, que garantam a
sua sustentabilidade. Há ainda outras
possibilidades em discussão. O PL tem relatoria do deputado Arthur Lira (PP/Al)
e tramita em regime de urgência. Acompanhemos.
(Assista
também meus comentários na minha página no Youtube: https://blogdonilsonmello.com/BlogdoNilsonMello)