segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Política de redistribuição de renda

                                          Reforma tributária: a vez do IR


Nilson Vieira Ferreira de Mello Jr 

               O Projeto de Lei (PL) nº 1.087 de 2025, que promove alterações no Imposto de Renda, está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados. Enviado pelo Executivo ao Congresso em 18 de março, o PL pode ser considerado uma segunda etapa da chamada “reforma tributária fatiada”, cujo início e principal marco é a Emenda Constitucional nº 132 de 2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214 de 2025.

          Conforme já analisamos neste espaço, a primeira etapa da reforma tratou principalmente da tributação sobre o consumo, com a criação do Imposto sobre Valor Agregado Dual (IVA-Dual), composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Instituiu, ainda, o Imposto Seletivo (IS), este incidindo sobre a produção e o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Além disso, a EC 132/2023 trouxe alterações na dinâmica de tributos sobre o patrimônio, em especial o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que passou a ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da doação ou da transmissão, e o Imposto sobre Veículo Automotor (IPVA), com alíquotas diferenciadas de acordo com a categoria do veículo e seu potencial impacto ambiental.

          No que diz respeito ao IVA-Dual, embora venha sendo chamado por muitos de um imposto único, isso de forma alguma corresponde à realidade. Em primeiro lugar, porque ele não eliminou todos os demais tributos, nem mesmo aqueles de incidência sobre o consumo (está aí o IS, recém-criado). Em segundo lugar, porque é, na verdade, integrado por outros dois tributos, de competências distintas, sendo a CBS de responsabilidade federal e o IBS, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios.

Não é demais lembrar que a estruturação bipartida do IVA gera consideráveis desafios no que diz respeito à administração fiscal e às regras de repartição de receitas, ainda não totalmente esclarecidas, porque dependem da aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024, que aguarda apreciação do Senado, bem como de uma série de atos administrativos complementares.

Cabe ainda esclarecer que, ao contrário do IS, o IVA-Dual entrará em vigor de forma transitória em janeiro de 2026, devendo estar plenamente implantado somente em janeiro de 2033, quando substituirá outros dois tributos sobre o consumo – o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) –, além da Contribuição para a Seguridade Social (Cofins) e o Programa de Integração Social (PIS).

De 2026 a dezembro de 2032, portanto, conviveremos com tributos do antigo e do novo sistema, esses com alíquotas temporariamente reduzidas. Contribuintes de forma geral, especialmente empresas, devem começar a se preparar desde já para adaptar seus sistemas de gerenciamento contábil a essa complexa fase de transição tributária, que terá início em menos de cinco meses.

Para não deixarmos um hiato na visão geral da reforma, antes de prosseguirmos na análise do PL do Imposto de Renda, é oportuno esclarecer que, na terceira “fatia” da reforma, devemos ter a complementação da regulamentação dos tributos sobre o patrimônio, com normas editadas pelo Distrito Federal, estados e municípios. Para a quarta “fatia”, a expectativa é que se possa fazer a reestruturação dos tributos que incidem sobre a folha de pagamentos, entre eles o Fundo de Garantia sobre Tempo de Serviço (FGTS) e o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRT), em relação aos quais há uma série de projetos aguardando apreciação no Congresso.  

A segunda “fatia” de reforma, portanto, estaria representada pelo PL nº 1.087/2025, que trata da tributação sobre a renda, mais precisamente, do Imposto de Renda. Neste sentido, altera a Lei nº 9.250 de 1995, que disciplina o IR corrigindo a sua tabela e estabelecendo nova faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais. Hoje, a faixa de isenção é de R$ 2.824 mensais. De 2015 a 2022, a tabela esteve congelada, com a faixa de isenção fixada em R$ 1.903/mês.

Além disso, o PL estabelece a redução de alíquotas para rendimentos de até R$ 7.350/mês, bem como uma alíquota mínima para rendimentos anuais superiores a R$ 600.000,00 por ano, com alíquotas adicionais de 10% para quem tem rendimentos superiores a R$ 1,2 milhão por ano. Ao garantir maior progressividade à tabela de recolhimentos do Imposto de Renda, o PL nº 1.087/2025 está em linha com a busca da justiça fiscal.

Progressividade significa estabelecer, de forma equitativa, alíquotas maiores para os que têm renda maior e, inversamente, menores para aqueles economicamente menos favorecidos. Quanto mais progressivo, mais justo será um sistema tributário. Trata-se de usar a tributação como instrumento de política pública, no caso, voltada para a redução dos altos índices de desigualdade presentes no Brasil.

Um dos problemas da reforma tributária que o país acaba de promover é que o caráter regressivo do sistema não foi de todo afastado, uma vez que a ênfase da incidência permaneceu no consumo, igualando, de forma injusta, ricos e pobres. Para tentar compensar essa distorção, a própria EC nº 132/2023 instituiu o mecanismo de cashback (reembolso), que permite a devolução às pessoas de baixa renda de parte dos tributos que incidiram sobre o seu consumo. Ainda que represente uma compensação, o mecanismo traz complexidade a uma reforma que tinha entre os seus objetivos a simplificação.

De qualquer forma, no que diz respeito ao Imposto de Renda, a proposta de progressividade está correta. Vejamos alguns dados sobre desigualdade.

Cerca de 10% dos declarantes de IR no Brasil, os mais ricos, acumulam 51% do total da renda do país. Os 10% mais ricos detêm 58% da riqueza nacional. Os 10% com maior rendimento tiveram renda 14,4 vezes maior à dos 40% com menor rendimento (IBGE/2023). Pelo índice Gini, o Brasil tem um dos piores indicadores de distribuição de renda do mundo, com índice de 0,518, numa escala de 0 a 1, em que quanto mais próximo de zero mais equilibrada é a distribuição de renda e quanto mais próximo de 1, mais concentrada.

Pelo PL nº 1.087/2025, 90% dos brasileiros passarão a estar nas faixas de isenção ou de redução de alíquota. No total, 65% estarão totalmente isentos (26 milhões de pessoas). Não há dúvidas de que a alteração tem um impacto positivo sobre as camadas de mais baixa renda, contribuindo para uma política redistributiva. A questão, agora, é saber de que forma compensar o Tesouro pela perda de receitas tributárias, sobretudo tendo em vista um quadro persistente de desequilíbrio fiscal, com recorrente descompasso entre receitas e despesas.

Sem compensação por outras receitas tributárias, o governo deixará de arrecadar já no ano que vem R$ 25,8 bilhões, o que agravaria o déficit fiscal. Uma das propostas em discussão no Congresso é elevar a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrada dos bancos e outras empresas do setor financeiro com lucro acima de R$ 1 bilhão.

Outra é taxar empresas de apostas on line as bets. Seja qual for a opção do legislador, o objetivo maior – a busca da justiça tributária – a legitima, desde que seja adotada com base em estudos técnicos, que garantam a sua sustentabilidade.  Há ainda outras possibilidades em discussão. O PL tem relatoria do deputado Arthur Lira (PP/Al) e tramita em regime de urgência. Acompanhemos.

(Assista também meus comentários na minha página no Youtube: https://blogdonilsonmello.com/BlogdoNilsonMello)