quinta-feira, 24 de março de 2011

Voto frustrante, mas moralizador

A derrubada da aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010, na quinta-feira pelo Supremo, nos colocou diante de um conflito. A Lei, que é muito bem-vinda, evidentemente, mexe com o processo eleitoral. A Constituição Federal veda mudanças nas regras das eleições um ano antes do pleito (artigo 16).
Como a lei é de junho passado, não poderia ser aplicada em 2010 – e chega a ser surpreendente que o TSE e ministros do STF, seguindo o clamor das ruas, tenham tido entendimento contrário, ainda que reconheçamos que o Direito não é uma ciência exata e por isso está sujeito a amplas interpretações.
O Supremo, com o voto do recém-empossado Luiz Fux, pode ter momentaneamente frustrado a vontade de parcela esclarecida da sociedade, que espera a moralização de sua classe política. Mas votar de forma contrária seria passar por cima da Constituição e, em última análise, também agir contrariamente aos interesses da sociedade.
Não se trata de filigrana jurídica, ou de apreço desmedido pelo formalismo. Se o Brasil tem, como sabemos, longo histórico de desordem e de ilegalidade não é por falta de leis, mas sim porque aqui não se aplicam e se respeitam as leis já existentes – independentemente de serem boas ou más.
A propósito, seria até melhor que tivéssemos um número menor de leis e normas - e que elas fossem mais razoáveis -, mas que a seguíssemos de forma incondicional. Por exemplo: as exigências legais impostas ao empreendedor brasileiro são uma afronta à produtividade de nossa economia e deveriam ser permanente objeto de revisão e reformulação. (Não é por outra razão que estamos na rabeira do ranking mundial da competitividade, no 58º lugar).
Convém ressaltar, contudo, que o artigo 16, impondo o princípio da anterioridade, é um dispositivo importante dentro do sistema, pois “blinda” o processo eleitoral das ações oportunistas e casuísticas que geralmente beneficiam uns poucos detentores do poder em detrimento da coletividade. Se há conteúdo contraproducente na Constituição - em especial no que diz respeito às relações econômicas – esse certamente não é caso do artigo 16.
Além disso, alterar leis e emendar a Constituição, sempre que necessário, é algo bem diferente de ignorá-las. E mudanças nas leis cabem ao Legislativo, não ao Judiciário. Sim, nosso Legislativo é de baixo nível, mas é o que podemos ter no momento como correspondência de nosso eleitorado, ainda desqualificado.
Portanto, o voto do ministro Luiz Fux é um voto de coerência, que moraliza o sistema jurídico e as instituições. Contornar a Lei para alcançar objetivos que entendemos serem nobres é postura incompatível com o Estado de Direito em consalidação no Brasil.
Temos um longo caminho à frente. Sem atropelos.

Por Nilson Mello*

 

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