Vida longa ou impeachment?
Ao longo deste ano fui me
tornando um crítico deste governo. O fato de considerar que houve administrações
piores, em especial no aspecto moral, porque nada é mais nefasto do que o
assalto à máquina pública, não é suficiente para relevar os muitos erros da atual. A rigor, já haveria razões formais (legais) suficientes para um
impeachment, a começar pelo uso da máquina pública em função de interesses
privados, em diferentes episódios (não cansarei o leitor fazendo o inventário
porque os fatos já foram mais do que noticiados).
Não é por outra razão que
umas quatro dezenas de pedidos de impedimento do presidente da República dormitam
nos escaninhos do Congresso, aguardando as condições políticas favoráveis como
gatilho do processo de afastamento.
Essas condições políticas,
contudo, parecem distantes neste momento. Não se trata aqui de advogar a favor
do impeachment de Bolsonaro, mas apenas entender os cenários que se apresentam.
Pesquisa da Datafolha divulgada nesta segunda-feira dia 14/12 dá 66% de
aprovação para Bolsonaro (37% de bom e ótimo, mais 29% de regular), o mesmo
índice de agosto, e o maior desde o início de seu mandato.
O patamar não é
excepcional. Ao contrário, está abaixo de seus antecessores em seus primeiros
mandatos: Dilma (logo quem!) chegou a ter 92% de aprovação (62% de ótimo e bom,
mais 30% de regular); Lula, 85%; FHC, idem.
Temer teve baixa aprovação
(29%, com apenas 6% de ótimo/bom), mas assumiu a Presidência com a
defenestração da titular, o que por si só gera desgaste, além de ter herdado uma
das maiores recessões econômicas que o país já enfrentara, o que contamina o “humor”
da opinião pública. Além disso, sua imagem era indissociável dos governos do
PT, sob forte rejeição.
Contrariando a maioria,
arrisco dizer que, para o contexto, Temer foi um bom presidente, garantindo
governabilidade ao país num momento muito difícil e adotando medidas econômicas
importantes (algumas impopulares) que permitiriam uma administração mais
equilibrada ao sucessor.
Aliás, um argumento que
não deve ser usado para contestar o mecanismo de impeachment, previsto na
Constituição e regulamentado em Lei, é justamente o desempenho dos vices que
assumiram em lugar dos afastados. Ao menos no período pós-1988 (nova
Constituição), o saldo é positivo.
Se Temer garantiu
governabilidade e foi responsável na gestão econômica, Itamar Franco foi o “pai”
do Plano Real, certamente o maior avanço que o país alcançou depois da
redemocratização. O impeachment não é golpe, mas, sim, um mecanismo de depuração
da própria democracia. A sociedade brasileira entende isso de forma bem clara,
tanto que confirmou nas urnas (em 2016, 2018 e 2020) aquilo que o último processo
de impedimento determinara: o fim dos governos do PT.
Que não se queira com isso
pretender que o instrumento deva ser usado de forma recorrentemente. É
traumático, tem um alto custo político e econômico, e por essa razão deve ser
sempre a última instância, o derradeiro “remédio” a ser aplicado.
Onde estávamos?
Ah, sim, não há condições políticas
para um impeachment do atual governo, em que pese os seus muitos erros – e
podemos citar o desleixo na questão ambiental, a conturbada relação com outras
nações, em especial as potências globais, as trapalhadas no enfrentamento da
pandemia de Covid-19, a falta de compostura diante de temas relevantes e, o
mais grave, a confusão entre o interesse público e o interesse privado
subalterno.
Os problemas são
evidentes. Apesar de tudo, após um período de muita vulnerabilidade no início
do ano, o Planalto se entendeu com o Centrão e se articula para ter como
aliados os novos presidentes da Câmara e do Senado. A blindagem no Legislativo vai-se
consolidando.
Por outro lado, uma trégua
com o Supremo Tribunal Federal foi estabelecida. O conflito com o órgão de
cúpula do Judiciário era, até o primeiro semestre, uma fonte permanente de
tensões e desgaste institucional, em prejuízo dos interesses do país.
Tudo considerado, podemos
prever que este governo termine o mandato. Nessa hipótese (menos traumática,
como dito acima), espera-se apenas que o determinismo ideológico – um traço que
tanto criticávamos nas gestões do PT – dê cada vez mais lugar à racionalidade e
aos critérios técnicos no embasamento das decisões. Na questão da pandemia,
isso definitivamente não ocorreu.
Por fim, espera-se também –
levando em conta o fisiologismo e os interesses nem sempre elevados que pautam
o chamado Centrão – que o preço a ser cobrado pela blindagem no Congresso não seja
de tal ordem que inviabilize importantes diretrizes com as quais este governo
se comprometeu antes mesmo da posse, a começar pelo combate à corrupção. Do
contrário, estaremos diante do maior estelionato eleitoral da história. A
conferir.
Por Nilson Mello
Muito bom o texto, Nilson, que nos ajuda a pensar e nos posicionar perante o momento político.
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