A vacina e os militares
Todo o esforço no sentido de acelerar a distribuição no Brasil de uma das vacinas contra a Covid-19 é bem-vindo, desde que normas de saúde não sejam atropeladas, e a palavra final fique a cargo de quem tem competência para decidir a questão – a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para que essa condição seja cumprida, e tendo em vista a responsabilidade envolvida, é imperativo que a agência comporte-se também dentro do estrito critério técnico, livre de qualquer interferência política.
A imagem de isenção e equidistância
depende em grande medida da transparência e, por consequência, de uma
comunicação eficiente, algo que definitivamente não tem acontecido. Quando o diretor-presidente
da agência, Antônio Barra Torres, passa informações de forma seletiva a um
apresentador de programa de TV, mas afirma que não vai dar entrevista, “para
não polemizar”, como ocorreu nesta quinta-feira, tudo o que está fazendo é
contribuir para as polêmicas e as suspeitas de politização da questão.
Eis aí um caso típico em que o uso
dos meios de comunicação por organismos governamentais deve ser reiterado e o
mais transparente e plural possível, visando a esclarecer à sociedade. É função
de seus dirigentes assumirem o papel de porta-vozes, sempre que solicitados,
falando para todos, e não de forma reservada. Não tem sido a regra. Até se pode
compreender a reticência do diretor-presidente da Anvisa em explicar
pessoalmente e de forma clara à população em que pé estão os processos de
homologação das diferentes vacinas em desenvolvimento.
Afinal, estamos no terceiro ministro
da Saúde em ano de grave pandemia justamente porque os antecessores do atual –
que já disse que está lá para cumprir ordens – adotaram posições técnicas diferentes
daquela determinada pelo presidente da República. Como se diz na caserna (já
que Barra Torres é militar), explica-se, mas não se justifica. Com 180 mil
mortes, maior média móvel do mundo em dois meses, e 6,7 milhões de contaminados
pelo novo coronavírus, o interesse público deve falar mais alto.
Seria justamente dos militares – tendo
em vista a sua disciplina, a formação rigorosa e o inequívoco compromisso com a
nação – que se esperaria excelência na organização e planejamento no momento de
crise. Nem é preciso lembrar que o dever é com o Estado, não com um governo. Daí
surge a incontornável pergunta: onde está o plano federal de vacinação?
O ministro Eduardo Pazuello
apresentou há cerca de um mês um “plano preliminar” que, de acordo com nota
técnica do Observatório Covid-19 BR, entidade que congrega 80 cientistas das
mais respeitadas instituições de pesquisa do país, é um documento rudimentar,
na verdade, “um esboço com tantas lacunas que dificilmente poderá ser seguido”.
Para uma das integrantes do grupo, falta um “documento consubstanciado, bem detalhado
e construído com racionalidade”.
Está mais do que na hora de os
militares espalhados pelos gabinetes de Brasília mostrar a que de fato vieram.
Ou imprimem competência ao governo no enfrentamento da Covid-19, ou é melhor
que peçam para sair. Se não conseguem influenciar positivamente o Planalto, que
não se deixem contaminar pelas recorrentes trapalhadas. Governos passam, Forças Armadas ficam.
(Nota de eslcarecimento: este artigo foi finalizado antes da divulgação da entrega, na sexta-feira, pelo governo ao Supremo, do que seria o plano federal de vacinação definitivo. O documento, de 94 páginas, contudo, gera controvérsias, porque não indica possível data de início da imunização e é contestado por três dezenas de especialistas, consultores do governo que figuram como signatários do texto, mas que não deram aval para a sua versão final)
Por Nilson Mello
Os militares deveriam encarar a pandemia como ameaça à segurança nacional. Que general aceitaria a perda de 180 mil vidas?
ResponderExcluirBem abordado.
ResponderExcluir