terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Privatizações e portos

                                                          A mesma bússola



(Obs.: este artigo foi publicado simultaneamente com a revista Portos & Navios)

Na sexta-feira 18 de dezembro, o governo federal conseguiu licitar, no último leilão do ano, três terminais, sendo um no Porto de Paranaguá, no Paraná, um em Aratu, na Bahia, e o terceiro na capital alagoana. Nessas três licitações, os investimentos privados estimados são de R$ 400 milhões. Para uma semana - e ainda por cima, praticamente, a última semana útil do ano - foi um desempenho auspicioso, que reforça as expectativas em relação a 2021, porém, não suficiente para que se possa fazer um balanço plenamente positivo sobre as privatizações portuárias em 2020.

         Na dobrada do semestre, o Ministério da Infraestrutura previa que conseguiria licitar cerca 18 terminais em Portos Públicos até o término do ano da pandemia. No balanço final, foram cinco áreas privatizadas, as três mencionadas acima e mais duas no Porto de Santos. Não que isso seja suficiente para dar como negativo o ano para o setor portuário. Longe disso. Com tantas dúvidas em relação aos desdobramentos econômicos da Covid-19, pode-se dizer que o ano não foi perdido.

         Em primeiro lugar, conforme amplamente noticiado, os portos brasileiros conseguiram demonstrar dinamismo em meio à crise, reflexo que são, é claro, do vigor do agronegócio com o seu viés exportador. Assim, mesmo que tenha havido perdas em movimentação aqui e acolá, os terminais portuários enfrentaram com resiliência a maré desfavorável, se consolidando como um baluarte para a retomada do crescimento econômico que - todos nós esperamos - em breve virá.

         Em segundo lugar, e talvez mais significativo, porque um importante passo no que diz respeito a um novo modelo de privatização do setor foi dado também no curso de dezembro. Trata-se do projeto de desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e, consequentemente, dos portos de Vitória e Barra do Riacho. Neste caso, não se trata de arrendar à iniciativa privada um ou mais terminais na área do chamado “Porto organizado” (público), mas de uma privatização plena de toda estrutura e da operação em si.

         Em 17 de dezembro, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) aprovou a abertura de consultoria pública para os estudos visando ao estabelecimento do novo modelo que, na prática, vai além do anterior, de Land Lord Port. Largamente adotado no mundo, o modelo de Land Lord Port prevê que a infratestrutura e o controle permanecem nas mãos do Estado enquanto a iniciativa privada se encarrega da superestrutura e da operação.

         No Brasil, desde a década de 1990, com a primeira Lei dos Portos (Lei nº 8.630/93), prevalece o Land Lord Port, mas de forma mista com a o modelo eminentemente privado, ou seja, terminais implantados e operados pela iniciativa privada (os chamados TUPs), fora das áreas públicas. Assim, a venda da Codesa, para a qual o governo espera arrecadar R$ 1 bilhão, será, a rigor, a primeira desestatização plena de portos públicos no Brasil – um projeto piloto, que norteará outras investidas neste sentido. É um projeto arrojado, que merece toda a atenção.

         Em todo caso, é forçoso reconhecer que as privatizações este ano não deslancharam, e não apenas no setor portuário, mas de forma geral. Eram 64 projetos e 47 ficaram para 2021 e 2022, talvez até um adiamento acertado, visando a obter maior interesse e investimentos mais robustos. Entre outros, ficaram para o ano que vem a licitação da banda larga de Internet 5G, assim como (num inventário geral, sem grandes detalhamentos) a de 22 aeroportos, seis rodovias e de projetos ferroviários importantes, além da venda de 17 empresas estatais.

         Retomando o foco nos portos, avanços importantes também foram obtidos neste último mês do ano, com a participação de outras esferas de Poder e de iniciativas conjuntas do Poder Público e do setor privado. No que toca o Judiciário, foram relevantes as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, em duas causas distintas, reconhecendo que não há incidência de ICMS na prestação de serviços multimodais prestados por armadores brasileiros entre portos nacionais.

         Esse tipo de decisão tem mais peso na estabilização de regras e até mesmo no estímulo à navegação de cabotagem do que qualquer novo projeto (ou puxadinho jurídico) que o governo federal possa vir a urdir. Estabilidade de regras e a segurança jurídica que dela advém são o melhor atrativo para novos investimentos nos setores portuário e de transporte marítimo.

Por parte da iniciativa privada neste fim de ano, há de se louvar o novo portêiner instalado pelo terminal MultiRio no Porto do Rio e a nova linha de cabotagem estabelecida pela Norsul entre o Sudeste e o Porto de Pecém, no Ceará, conforme noticiado na semana passada. Vale dizer, no caso da linha da Norsul, trata-se da expansão da navegação de cabotagem, independentemente da aprovação do contestado BR do Mar (Projeto de Lei número 4.199/2020), sobre o transporte marítimo entre portos brasileiros, aprovado na Câmara e agora em curso no Senado. Pontos para a Norsul.

Ficamos por aqui? Não. Importante iniciativa dos terminais ICTSI Rio, Triunfo Log e MultiRio, em conjunto com a Companhia Docas do Rio de Janeiro e a Marinha do Brasil, permitiram, em dezembro, a consolidação das operações noturnas de acesso de grandes embarcações ao Porto do Rio. Desde abril, as operações noturnas já vinham sendo realizadas com embarcações menores, mas a partir deste mês, com a entrada no porto do Ever Lifting, com 335 metros, de bandeira holandesa, a operação ganhou um novo patamar de excelência.

Prova de que quando setores público e privado usam a mesma bússola e o mesmo sextante (ou devemos dizer GPS?), a saber, idênticos critérios e propósitos, a navegação é mais segura, com ganhos para todos.

Por Nilson Mello.

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