A mesma bússola
(Obs.: este artigo foi
publicado simultaneamente com a revista Portos & Navios)
Na
sexta-feira 18 de dezembro, o governo federal conseguiu licitar, no último
leilão do ano, três terminais, sendo um no Porto de Paranaguá, no Paraná, um em
Aratu, na Bahia, e o terceiro na capital alagoana. Nessas três licitações, os
investimentos privados estimados são de R$ 400 milhões. Para uma semana - e
ainda por cima, praticamente, a última semana útil do ano - foi um desempenho
auspicioso, que reforça as expectativas em relação a 2021, porém, não
suficiente para que se possa fazer um balanço plenamente positivo sobre as
privatizações portuárias em 2020.
Na dobrada do semestre, o Ministério da Infraestrutura
previa que conseguiria licitar cerca 18 terminais em Portos Públicos até o
término do ano da pandemia. No balanço final, foram cinco áreas privatizadas,
as três mencionadas acima e mais duas no Porto de Santos. Não que isso seja
suficiente para dar como negativo o ano para o setor portuário. Longe disso.
Com tantas dúvidas em relação aos desdobramentos econômicos da Covid-19,
pode-se dizer que o ano não foi perdido.
Em primeiro lugar, conforme amplamente noticiado, os portos
brasileiros conseguiram demonstrar dinamismo em meio à crise, reflexo que são,
é claro, do vigor do agronegócio com o seu viés exportador. Assim, mesmo que
tenha havido perdas em movimentação aqui e acolá, os terminais portuários
enfrentaram com resiliência a maré desfavorável, se consolidando como um
baluarte para a retomada do crescimento econômico que - todos nós esperamos -
em breve virá.
Em segundo lugar, e talvez mais significativo, porque um
importante passo no que diz respeito a um novo modelo de privatização do setor
foi dado também no curso de dezembro. Trata-se do projeto de desestatização da
Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e, consequentemente, dos portos de
Vitória e Barra do Riacho. Neste caso, não se trata de arrendar à iniciativa
privada um ou mais terminais na área do chamado “Porto organizado” (público),
mas de uma privatização plena de toda estrutura e da operação em si.
Em 17 de dezembro, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional
de Transportes Aquaviários (Antaq) aprovou a abertura de consultoria pública
para os estudos visando ao estabelecimento do novo modelo que, na prática, vai
além do anterior, de Land Lord Port.
Largamente adotado no mundo, o modelo de Land
Lord Port prevê que a infratestrutura e o controle permanecem nas mãos do
Estado enquanto a iniciativa privada se encarrega da superestrutura e da
operação.
No Brasil, desde a década de 1990, com a primeira Lei dos
Portos (Lei nº 8.630/93), prevalece o Land Lord Port, mas de forma mista com a
o modelo eminentemente privado, ou seja, terminais implantados e operados pela
iniciativa privada (os chamados TUPs), fora das áreas públicas. Assim, a venda
da Codesa, para a qual o governo espera arrecadar R$ 1 bilhão, será, a rigor, a
primeira desestatização plena de portos públicos no Brasil – um projeto piloto,
que norteará outras investidas neste sentido. É um projeto arrojado, que merece
toda a atenção.
Em todo caso, é forçoso reconhecer que as privatizações este
ano não deslancharam, e não apenas no setor portuário, mas de forma geral. Eram
64 projetos e 47 ficaram para 2021 e 2022, talvez até um adiamento acertado,
visando a obter maior interesse e investimentos mais robustos. Entre outros,
ficaram para o ano que vem a licitação da banda larga de Internet 5G, assim
como (num inventário geral, sem grandes detalhamentos) a de 22 aeroportos, seis
rodovias e de projetos ferroviários importantes, além da venda de 17 empresas
estatais.
Retomando o foco nos portos, avanços importantes também
foram obtidos neste último mês do ano, com a participação de outras esferas de
Poder e de iniciativas conjuntas do Poder Público e do setor privado. No que
toca o Judiciário, foram relevantes as decisões do Tribunal de Justiça de São
Paulo, em duas causas distintas, reconhecendo que não há incidência de ICMS na
prestação de serviços multimodais prestados por armadores brasileiros entre
portos nacionais.
Esse tipo de decisão tem mais peso na estabilização de
regras e até mesmo no estímulo à navegação de cabotagem do que qualquer novo
projeto (ou puxadinho jurídico) que o governo federal possa vir a urdir. Estabilidade
de regras e a segurança jurídica que dela advém são o melhor atrativo para
novos investimentos nos setores portuário e de transporte marítimo.
Por
parte da iniciativa privada neste fim de ano, há de se louvar o novo portêiner
instalado pelo terminal MultiRio no Porto do Rio e a nova linha de cabotagem
estabelecida pela Norsul entre o Sudeste e o Porto de Pecém, no Ceará, conforme
noticiado na semana passada. Vale dizer, no caso da linha da Norsul, trata-se
da expansão da navegação de cabotagem, independentemente da aprovação do
contestado BR do Mar (Projeto de Lei número 4.199/2020),
sobre o transporte marítimo entre portos brasileiros, aprovado na Câmara e
agora em curso no Senado. Pontos para a Norsul.
Ficamos
por aqui? Não. Importante iniciativa dos terminais ICTSI Rio, Triunfo Log e
MultiRio, em conjunto com a Companhia Docas do Rio de Janeiro e a Marinha do
Brasil, permitiram, em dezembro, a consolidação das operações noturnas de
acesso de grandes embarcações ao Porto do Rio. Desde abril, as operações
noturnas já vinham sendo realizadas com embarcações menores, mas a partir deste
mês, com a entrada no porto do Ever Lifting, com 335 metros, de bandeira
holandesa, a operação ganhou um novo patamar de excelência.
Prova
de que quando setores público e privado usam a mesma bússola e o mesmo sextante
(ou devemos dizer GPS?), a saber, idênticos critérios e propósitos, a navegação
é mais segura, com ganhos para todos.
Por
Nilson Mello.
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