Hábitos escabrosos
A rigor, notícia é sinônimo de novidade. Dentro de um conceito estritamente jornalístico, nada mais é do que a anti-rotina. Ora, o que é corriqueiro não merece as manchetes. Ninguém quer ler, assistir e ouvir o que é banal e freqüente. Isso explica, em parte, porque o jornalista acaba sendo um portador de “más notícias”. Infelizmente, o mundo não é azul.
Pois bem, a imprensa brasileira, sem perceber, está invertendo a lógica quando noticia casos de pessoas que acham carteiras de dinheiro na rua e procuram seus donos para devolvê-las. Aliás, quanto mais a mídia revela práticas elogiáveis desse tipo, mais nos coloca diante de nossa realidade corrupta. Porque, se a regra fosse a honestidade, tais condutas não seriam notícia.
Reflitamos sobre o tema ao ler nos jornais reportagens apontando os serviços de excelência de um porto, rodovia, hospital, escola ou qualquer órgão público. O que era para ser regra vira exceção. E a exceção - que nada mais é do que o esperado dentro da rotina - se transforma em grande notícia. Um marketing cada vez mais eficiente dá conta do recado.
Reflitamos sobre o tema ao ler nos jornais reportagens apontando os serviços de excelência de um porto, rodovia, hospital, escola ou qualquer órgão público. O que era para ser regra vira exceção. E a exceção - que nada mais é do que o esperado dentro da rotina - se transforma em grande notícia. Um marketing cada vez mais eficiente dá conta do recado.
Toda uma estrutura que deveria funcionar a contento, cumprindo a sua função, trabalha de forma precária, em prejuízo do contribuinte, que a sustenta com pesados impostos. Quando alguma coisa vai bem, em caráter excepcional, ganha ares de um grande feito. Embuste do Poder Público, com nossa conivência e, muitas vezes, cumplicidade.
E o que dizer das recorrentes práticas de corrupção? Merecem ou não o desdém do noticiário por terem se transformado na mais trivial banalidade do cotidiano brasileiro? Do policial da esquina aos gabinetes próximos ou contíguos ao da Presidência da República, passando por instâncias do Judiciário, não se fala em (ou faz) outra coisa.
Noticiou-se esta semana que 12 governadores são réus em ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por compra de votos e outras irregularidades. Correm o risco de perder o mandato – e isso se a Justiça tardar, mas não falhar, pois as evidências levantadas pelo Ministério Público são impressionantes.
A corrupção tornou-se hábito tão trivial que chega a ser surpreendente o fato de ainda chamar a atenção e mobilizar a mídia – o que por si só já é uma trágica “notícia”. Mas é preciso reconhecer que a prática se supera e se aperfeiçoa numa velocidade e em grau inimagináveis.
Seis governadores eleitos em 2006 (a metade, portanto, dos eleitos no ano passado e que agora estão sob processo) já haviam perdido o mandato por abusos cometidos contra os eleitores. Agora são 12, nada menos que o dobro, os sujeitos a cassação. Trinta anos atrás ministro corrupto era o que metia 10% de comissão no bolso. O que são 10% para os padrões de hoje? Risível.
Portanto, leitor, quando se deparar com nova manchete sobre corrupção (e isso pode acontecer a qualquer momento) não tenha esperanças: a imprensa não está noticiando a simples rotina. Trata-se certamente de um episódio muito mais grave e surpreendente do que tudo já divulgado até então neste país de hábitos escabrosos.
Por Nilson Mello
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