Miríade de alíquotas
(Obs: uma versão reduzida deste artigo foi publicada simultaneamente pelo Correio da Manhã)
O custo de conformidade, ou seja,
aquilo que as empresas pagam para estar em dia com os impostos, é altíssimo no
Brasil. Os estudos sobre a questão não são frequentes, mas sabe-se, por
exemplo, que em 2012 a indústria de transformação sozinha desembolsou R$ 24,6
bilhões para pagar tributos – algo próximo a 1% do PIB da época (dados da
Fiesp). Temos uma das maiores cargas
tributárias do mundo – a maior entre os países emergentes –, entre 32% e 35% do
PIB, dependendo do critério de aferição (*).
O contribuinte trabalha 150 dias por
ano para estar em dia com o Fisco. O peso da carga é apenas parte do problema. Nosso
sistema é também extremamente confuso: um emaranhado de regras que regulam nada
menos que 92 tributos, muitos deles incidindo sobre o mesmo fato gerador, numa
miríade de alíquotas, não raro superpostas e com efeito cumulativo. De 1988
para cá foram editadas no país 390 mil normas tributárias, quase duas por hora,
considerando apenas os dias úteis.
A complexidade potencializa conflitos
fiscais, razão pela qual o litígio tributário no país alcança hoje robustos R$
3,4 trilhõe (dados do Ministério da Economia). São recursos que ficam retidos,
quando poderiam estar sendo usados em investimentos produtivos, gerando
empregos e renda – um quadro que deve melhorar com a recente aprovação da Lei que
permite a transação tributária (Lei 13.988/2020), mas desde que o problema não
seja retroalimentado com a perpetuação de um sistema caótico.
Esses dados justificam a urgência de
uma Reforma Tributária. A matéria começará a ser discutida pelo Senado este
mês, conforme acordo firmado no Congresso. A previsão do senador Roberto Rocha, provável
relator, é que em abril esteja pronta para ser enviada à Câmara. Se não houver
contratempos, a reforma poderá ir à sanção até outubro. O texto que deverá
servir de base para o início dos trabalhos é o da PEC-110, originária do
próprio Senado. Mas é provável que sugestões contidas na PEC-45, da Câmara, e
no Projeto de Lei 3887, do governo, sejam consideradas.
Em comum, esses três projetos fundem
tributos, criando um Imposto de Valor Agregado (IVA). Esse tipo de tributo
contribui para simplificar o sistema, evitar o efeito em cascata da
cumulatividade e reduzir a carga sobre o setor produtivo, o que é positivo.
Porém, os três projetos não são, a rigor, uma ampla reforma, e por essa razão devem
ser complementados por medidas adicionais, visando, sobretudo, a proteger as
camadas de baixa renda. Isso porque os IVAs são, por natureza, tributos
regressivos, pois incidem sobre o consumo, ou seja, equiparam os mais pobres
aos mais ricos no momento do consumo, o que é injusto.
Neste sentido, cabe sempre lembrar
que uma verdadeira reforma tributária, deve necessariamente considerar sete eixos
(ou premissas) que são potencialmente conflitantes (ou antitéticos), aí
residindo o grande desafio dos debates e trabalhos que os parlamentares deverão
empreender. Os sete eixos são: 1. Simplificação do Sistema; 2. Redução da carga
sobre o contribuinte; 3. Desoneração da produção, em prol do crescimento
econômico; 4. Não-cumulatividade: 5. Manutenção da capacidade financeira do
Estado; 6. Fortalecimento do pacto federativo;
e 7. Respeito à progressividade em oposição à regressividade.
Pela análise dessas premissas,
percebe-se, por exemplo, que é imperativo desonerar a produção a fim de
alavancar o desenvolvimento e com isso gerar mais empregos e renda. Mas essa
desoneração do setor produtivo não pode ser feita à custa de um aprofundamento
da regressividade. Portanto, serão necessárias medidas compensatórias. Por
outro lado, é importante reduzir a carga de tributos (essa, por sinal, uma das
principais justificativas para a reforma), mas não a ponto de inviabilizar
financeiramente o custeio de uma máquina pública que já enfrenta déficits
fiscais recorrentes, o que reforça, também, a necessidade de uma Reforma
Administrativa que torne o Estado brasileiro mais enxuto e eficiente.
Um aspecto particularmente perverso
da tributação no Brasil é que, apesar da alta carga, sobra pouco dinheiro para
o governo investir. A taxa de investimento hoje é de 1,8% do PIB, contra 10% há
40 anos. O papel da Reforma Administrativa é pôr fim a essa distorção. O
trabalho é complexo, exigirá muito debate, mas não pode ser adiado. A
participação crítica da sociedade será fundamental para que o resultado seja o
esperado. Dos Três Poderes o que se pede, a partir de agora, é seriedade e o fim
dos conflitos institucionais (e das emboscadas jurídicas), como se viu esta
semana, que tanto mal têm feito ao país. O Brasil precisa voltar a crescer.
Por Nilson Mello
*Os rankings sobre as maiores cargas tributárias variam de acordo com os critérios e também de ano a ano, mas, sem exceção, todos indicam que somos uma das maiores cargas do Mundo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), somos a 15a maior carga entre mais de 190 países, a maior entre os países do BRICS (Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul), emergentes que se equiparam a nós, e ainda o país de menor retorno da receita tributária em termos de bem-estar para a sociedade.
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