Livre de ingerências
(Obs: Artigo publicado simultaneamente com o Correio da Manhã)
No primeiro teste para dizer a que
veio sob nova direção, o Congresso se saiu bem, aprovando um projeto de caráter
técnico, há muito esperado, em regime de urgência, o que contribui para
afastar, ao menos por enquanto, os receios de uma autuação marcadamente
fisiológica, em detrimento da desafiadora pauta de reformas com a qual se
comprometeu.
Por 399 votos a 114 a Câmara aprovou
na quarta-feira a autonomia do Banco Central, uma medida que há 30 anos
dormitava nos escaninhos do Legislativo, sem que houvesse empenho por parte dos
governos ou de parlamentares – às vezes de ambos, em associação – em transformar
a matéria em realidade, a despeito de ser quase um consenso entre economistas das boas escolas em todo o mundo.
O Projeto de Lei Complementar (PLP 19
de 2019), que já havia sido aprovado pelo Senado, onde teve origem, vai agora à
sanção presidencial. O PLP era um dos itens da lista de 35 “reformas” prioritárias
encaminhadas pelo Executivo ao Legislativo, no início deste mês, por ocasião
das eleições dos presidentes das duas Casas. Dá para dizer que daqui para
frente o comportamento do Congresso será sempre assim? Não, não dá, mas o
início foi promissor.
De acordo com nota do próprio BC
sobre a aprovação, a doutrina econômica e a experiência internacional mostram
que a autonomia da Autoridade Monetária contribui decisivamente para se
alcançar níveis mais baixos de preços e conter a volatilidade da inflação, sem
prejudicar o crescimento econômico. Pelo projeto aprovado, o órgão não estará
mais vinculado ao Ministério da Economia e passa a ter autonomia técnica,
operacional, financeira e administrativa.
Para ficar livre das ingerências
políticas, o mandato de seu presidente não será mais coincidente com o do
presidente da República, com diferença de dois anos, e os de seus nove
diretores serão escalonados, com início também intercalado. O BC passará a perseguir,
por disposição legal, dois objetivos prioritários: estabilidade de preços e fomento
ao pleno emprego.
Não foram poucas as vezes ao longo da
história que o Brasil utilizou indevidamente o Banco Central para fazer
política social, com resultados sempre insuficientes ou até desastrosos (hiperinflação).
Como bem lembrou o deputado Paulo Ganime (Novo/RJ), durante a votação, política
monetária não é o instrumento apropriado para se fazer política social. Medidas populistas e demagógicas são
contrárias ao papel de guardião da moeda.
Partidos que se autoproclamam
“progressistas” se colocam invariavelmente contra a autonomia do BC (algo que a
votação no Congresso confirmou). Não entendem que não é o mercado financeiro
que se beneficiará de sua independência, mas a sociedade, que passará a contar
com uma condução técnica na política monetária, livre de interferências
indevidas.
Por Nilson Mello
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