sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Eleições no Congresso

  

Que seja o ano das reformas


(Obs: uma versão resumida deste artigo foi publicada simultaneamente com o jornal Correio da Manhã)


         Com as eleições de Senado e Câmara concluídas esta semana, começa agora para valer o ano político com uma das agendas mais robustas já enfrentadas pelo Congresso, a começar pela votação este mês da Lei Orçamentária anual. Sua apreciação pelo Legislativo não foi possível em dezembro por conta das discussões em torno da pandemia, bem como das próprias disputas envolvendo o pleito nas duas Casas.

         O Orçamento anual tem como base a Lei de Diretrizes Orçamentárias, essa sancionada no apagar das luzes (foscas) de 2020.  A LDO trabalha com um cenário de crescimento de 3,2% do PIB, inflação na casa dos 3% e taxa de juro em 2,1%. Com base nesses (além de outros) parâmetros deverão ser planejados os gastos e investimentos governamentais de um exercício que, segundo promessa do Ministério da Economia, poderá ser o marco do início da redenção fiscal do país.

         A redenção viria pela aprovação das Reformas Administrativa e Tributária, objetivos com os quais os presidentes eleitos do Senado e da Câmara, respectivamente, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, já se comprometeram. O discurso é animador porque ambas as reformas são necessárias para o país reconquistar o equilíbrio fiscal e caminhar para o desenvolvimento sustentável. Nos últimos 40 anos, por conta de uma estrutura administrativa e tributária desfavorável ao setor produtivo, o Brasil cresceu muito abaixo da média dos países emergentes e até mesmo da média global.

Acrescentem-se às reformas as privatizações e marcos legais importantes, como o das ferrovias. Ressalve-se que é legítimo que o eleitor tenha dúvidas se um corpo parlamentar historicamente fisiológico, pouco comprometido com agendas programáticas relevantes, como a que ora se impõe, será capaz de cumprir o desafio. Contribui para eventual desconfiança o fato de tais reformas mexerem com privilégios dos servidores públicos e da própria classe política encarregada de operar as mudanças.

 Contudo, não se paga nada por acreditar, até porque, verdade seja dita, nunca se chegou tão perto de levar adiante essas tarefas: há uma declarada aliança entre governo e Congresso em torno de todas essas questões. Se essa “aliança” servir apenas para blindar o governo e dar-lhe um salvo-conduto, o próprio eleitor, escaldado pelos estelionatos eleitorais passados, poderá manifestar a sua desaprovação no ano que vem ao depositar o seu voto urnas. A sociedade está alerta.

Não cabe falar em “compra de voto” para definir as eleições do Senado e da Câmara, tampouco em cooptação do Legislativo pelo Executivo. A liberação de recursos do Tesouro para atender às emendas apresentadas ao Orçamento pelos parlamentares, totalizando cerca de R$ 500 milhões em janeiro, foi feita dentro da Lei. Vale salientar que essas emendas são impositivas, ou seja, o governo é obrigado a liberar seus recursos ao longo do ano e tem poder discricionário para estabelecer a ordem de prioridade.

Portanto, é natural que tenha se emprenhado em liberá-las com intuito de estreitar o seu relacionamento com o Legislativo, tentando influenciar a eleição de candidatos às presidências do Senado e da Câmara que estivessem alinhados com suas propostas de governo. O estranho – e inimaginável – seria se o governo retivesse esses recursos às vésperas da eleição, jogando contra os seus próprios interesses e, por que não dizer, contra as propostas de reformas e privatizações que pretende ver aprovadas.

Liberação de emenda prevista no Orçamento não é compra de voto. Compra de voto é mesada dada a parlamentar, por meio de uma triangulação ilegal envolvendo empresas que se beneficiam de contratos superfaturados com o governo, como ocorria na época do “Mensalão” do PT.  Os senadores e deputados que elegeram Pacheco e Lira não estão obrigados a, daqui para frente, votar sempre com o governo.

 

Merece ser dito que os principais projetos de “Reforma Tributária” que já tramitam no Congresso precisam ser aprimorados. Tanto a PEC-45/2019, da Câmara (curiosamente, de autoria do deputado Baleia Rossi, candidato à Presidência da Casa derrotado), quanto a PEC-110/2019, do Senado, e o Projeto de Lei 3887/2020 do governo são, na verdade, propostas de unificação de tributos em um único imposto de valor agregado (os chamados IVAs). Os projetos desoneram a produção, o que é positivo, mas não promovem, a rigor, uma ampla reestruturação e simplificação do sistema como se espera.

De quebra, se não vierem acompanhados de medidas complementares, podem perpetuar uma das grandes injustiças que se pretende combater no atual sistema, que é a regressividade - ou seja, mais pobres se equiparando aos mais ricos, uma vez que a ênfase de incidência de qualquer IVA se dá no consumo. Portanto, há muito trabalho a ser feito no sentido de aperfeiçoar uma dessas propostas. Mas o fato de se ter uma base de discussão já é um grande avanço.

O ideal, inclusive, seria ter a Reforma Administrativa aprovada antes da Tributária, a fim de permitir mensurar as reais necessidades financeiras do Estado que os tributos terão que “sustentar”, uma vez que um dos eixos ideias da reestruturação do sistema é a redução da carga tributária, hoje uma das mais altas do mundo. Mas não seria razoável reduzir tributos potencializando o rombo fiscal, que já é gigantesco. Senadores e deputados acreditam em oito meses de discussão até a votação final. Mãos à obra.

Por fim, uma pauta conservadora nos costumes se mescla às reformas liberais – o que não deixa de ser uma inusitada união. É preciso lembrar que, goste-se ou não dela (e eu particularmente não gosto), essa pauta é legítima, pois foi parte da plataforma de campanha do governo. Um Parlamento longe dos radicalismos – e, na média, este é o perfil do Congresso – poderá barrar as propostas extremadas. Uma imprensa livre, crítica e plural - como convém a uma democracia -, também ajudará o eleitor a construir o seu juízo sobre o desempenho de parlamentares e governo, para dar o seu veredito em 2022. Mantendo o otimismo, apostemos no ano das reformas. Mas fiquemos atentos.

Por Nilson Mello

        

Um comentário:

  1. Muito bom e esclarecedor. Agora é torcer para as coisas continuarem trilhando o caminho certo.

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