A Economia como resultado
do Direito
Uma Constituição de caráter liberal garantiu ao Chile ao longo de quatro décadas excelentes índices de desenvolvimento econômico, um dos melhores da América Latina e do mundo e, como resultado de uma economia mais forte, avanços sociais (educação, saneamento, saúde etc) muito acima da média dos países da Região. De forma soberana, porém, o povo chileno decidiu em plebiscito (mais de 70% dos votos de cerca de 14 milhões de eleitores) no último domingo dia 25 que não quer mais este arcabouço jurídico como base da sociedade.
Promulgada em 1980, a atual Constituição
traz valores econômicos liberais, mas está – e nem poderia deixar de estar –
irremediavelmente vinculada à ditadura Pinochet, período sombrio da história do
país (1973-1990), o que facilitou a propaganda pela sua revogação, que agora
terá curso. É de se presumir que a nova Carta estabeleça graus de intervenção e
dirigismo estatais maiores, “em prol de mais avanços sociais”.
Em dez anos poderemos ver qual das duas
receitas surtiu mais efeito. Sem tirar a razão dos chilenos, de quererem se ver
livres de algo relacionado a um passado traumático, e sem que possamos saber ao
certo qual será a orientação da nova Constituição no que diz respeito ao modelo
econômico, não custa lembrar que países vizinhos antes ricos (Argentina e
Venezuela) têm retrocedido como resultado do intervencionismo e do dirigismo
estatais crescentes, temperados com altas doses de populismo.
O próprio Brasil apresenta média de
crescimento econômico medíocre há décadas por conta de uma estrutura legal
hostil ao empreendedor, contrária à liberdade econômica. Ainda que seja uma
ciência, e como tal tenha as suas leis intrínsecas, a economia é também
resultado de variáveis extrínsecas, que lhe são dadas pelo Direito – o
arcabouço jurídico no qual se assenta. Se Estado opulento, impostos em profusão
e grande número de estatais fossem o caminho do bem-estar social, estaríamos em
primeiro lugar no ranking global. E não é o caso.
A Constituição que agora os chilenos
querem é algo parecido com a nossa Constituição de 1988: mais que uma Carta de
princípios, um programa de governo de orientação social democrata. Aqui não deu resultado. Fomentou-se uma casta de privilegiados no
funcionalismo público, em prejuízo da coletividade. O Estado deixou de ser meio
para se tornar um fim em si mesmo. Opulento. Não houve avanços econômicos e
sociais relevantes, basta ver nosso baixo desempenho no ensino, mesmo se
comparado a países em desenvolvimento.
Recente pesquisa da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) aponta que o Brasil é o sétimo país que mais gasta com
funcionalismo público, mais até do que nações europeias que são referência do Welfare State. Gastamos o dobro que o
Chile, justamente por conta de seu arcabouço liberal, que agora será revisto.
Masoquismo e Weimar
Com boa
dose de ironia e provocação, o que demonstra sagacidade, alguém me questionou,
quando eu discorria sobre o plebiscito do Chile, se os chilenos decidiram
revogar a atual Constituição por "puro masoquismo". Minha resposta foi de que
a história está repleta de exemplos de decisões equivocadas de seus povos, e
tomadas de forma democrática, pelo caminho das urnas. O exemplo mais notório é a
ascensão de Hitler ao Poder, feita sem que se violasse uma linha ou inciso
sequer da Constituição de Weimar. Não se pode ter certeza se a nova Constituição do Chile será melhor ou pior, mas é inegável que a atual pavimentou o crescimento econômico.
Devemos considerar que uma sociedade, em
conjunto, entende que sempre pode dar um passo avante nas conquistas já feitas, o
que é legítimo. Os chilenos acreditam que possam alcançar patamares ainda mais
elevados de desenvolvimento com outro tipo de estrutura jurídica, menos liberal
e, portanto, mais intervencionista, no sentido do aprofundamento do Estado do
Bem-Estar. Repito: uma decisão soberana, legítima.
A partir da nova Constituição poderão
comemorar o rompimento completo com os anos de ditadura. O risco é que, na
elaboração da nova Carta, os valores e parâmetros econômicos que contribuíram
para o desenvolvimento do país nessas últimas três décadas sejam totalmente
eliminados. Esses valores e parâmetros não devem ser vistos como um entulho do “velho regime”,
mas, sim, como um tributo pago à sociedade pelo terror que produziu, pois foram a base
do reconhecido sucesso do Chile em todos esses anos.
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