quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Plebiscito no Chile

 

A Economia como resultado do Direito



           Uma Constituição de caráter liberal garantiu ao Chile ao longo de quatro décadas excelentes índices de desenvolvimento econômico, um dos melhores da América Latina e do mundo e, como resultado de uma economia mais forte, avanços sociais (educação, saneamento, saúde etc) muito acima da média dos países da Região. De forma soberana, porém, o povo chileno decidiu em plebiscito (mais de 70% dos votos de cerca de 14 milhões de eleitores) no último domingo dia 25 que não quer mais este arcabouço jurídico como base da sociedade.

Promulgada em 1980, a atual Constituição traz valores econômicos liberais, mas está – e nem poderia deixar de estar – irremediavelmente vinculada à ditadura Pinochet, período sombrio da história do país (1973-1990), o que facilitou a propaganda pela sua revogação, que agora terá curso. É de se presumir que a nova Carta estabeleça graus de intervenção e dirigismo estatais maiores, “em prol de mais avanços sociais”.

Em dez anos poderemos ver qual das duas receitas surtiu mais efeito. Sem tirar a razão dos chilenos, de quererem se ver livres de algo relacionado a um passado traumático, e sem que possamos saber ao certo qual será a orientação da nova Constituição no que diz respeito ao modelo econômico, não custa lembrar que países vizinhos antes ricos (Argentina e Venezuela) têm retrocedido como resultado do intervencionismo e do dirigismo estatais crescentes, temperados com altas doses de populismo.

O próprio Brasil apresenta média de crescimento econômico medíocre há décadas por conta de uma estrutura legal hostil ao empreendedor, contrária à liberdade econômica. Ainda que seja uma ciência, e como tal tenha as suas leis intrínsecas, a economia é também resultado de variáveis extrínsecas, que lhe são dadas pelo Direito – o arcabouço jurídico no qual se assenta. Se Estado opulento, impostos em profusão e grande número de estatais fossem o caminho do bem-estar social, estaríamos em primeiro lugar no ranking global. E não é o caso.

A Constituição que agora os chilenos querem é algo parecido com a nossa Constituição de 1988: mais que uma Carta de princípios, um programa de governo de orientação social democrata. Aqui não deu resultado. Fomentou-se uma casta de privilegiados no funcionalismo público, em prejuízo da coletividade. O Estado deixou de ser meio para se tornar um fim em si mesmo. Opulento. Não houve avanços econômicos e sociais relevantes, basta ver nosso baixo desempenho no ensino, mesmo se comparado a países em desenvolvimento.

Recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que o Brasil é o sétimo país que mais gasta com funcionalismo público, mais até do que nações europeias que são referência do Welfare State. Gastamos o dobro que o Chile, justamente por conta de seu arcabouço liberal, que agora será revisto.

Masoquismo e Weimar

 Com boa dose de ironia e provocação, o que demonstra sagacidade, alguém me questionou, quando eu discorria sobre o plebiscito do Chile, se os chilenos decidiram revogar a atual Constituição por "puro masoquismo". Minha resposta foi de que a história está repleta de exemplos de decisões equivocadas de seus povos, e tomadas de forma democrática, pelo caminho das urnas. O exemplo mais notório é a ascensão de Hitler ao Poder, feita sem que se violasse uma linha ou inciso sequer da Constituição de Weimar. Não se pode ter certeza se a nova Constituição do Chile será melhor ou pior, mas é inegável que a atual pavimentou o crescimento econômico.

Devemos considerar que uma sociedade, em conjunto, entende que sempre pode dar um passo avante nas conquistas já feitas, o que é legítimo. Os chilenos acreditam que possam alcançar patamares ainda mais elevados de desenvolvimento com outro tipo de estrutura jurídica, menos liberal e, portanto, mais intervencionista, no sentido do aprofundamento do Estado do Bem-Estar. Repito: uma decisão soberana, legítima.

A partir da nova Constituição poderão comemorar o rompimento completo com os anos de ditadura. O risco é que, na elaboração da nova Carta, os valores e parâmetros econômicos que contribuíram para o desenvolvimento do país nessas últimas três décadas sejam totalmente eliminados. Esses valores e parâmetros não devem ser vistos como um entulho do “velho regime”, mas, sim, como um tributo pago à sociedade pelo  terror que produziu, pois foram a base do reconhecido sucesso do Chile em todos esses anos.

 Por Nilson Mello

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