quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Pandemia

 

A politização da vacina



            Quando todos com um mínimo de acuidade política julgavam que o governo federal ganhara pontos junto à sociedade ao oficiar o Instituto Butantan a compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac – afinal, o importante é envidar esforços contra a pandemia –, eis que, em menos de 48 horas, o presidente Bolsonaro reverte as expectativas positivas, desautoriza o seu ministro da Saúde e manda suspender os entendimentos para aquisição.

Com o retrocesso, conseguiu fazer pior do que o seu desafeto e adversário político, o governador João Dória, que dias antes afirmara que a vacina teria caráter obrigatório em São Paulo. Não parece ser uma decisão razoável – nem política e juridicamente aceitável - obrigar a população a tomar uma vacina desenvolvida em tão pouco tempo, ainda que já tivesse sido aprovada – o que não é o caso.

O caráter compulsório, nas circunstâncias, tem um forte viés autoritário, antidemocrático. Não por outra razão, governos europeus adiantaram que as vacinas, quando aprovadas, de início não serão obrigatórias. Percebendo a gafe, o prefeito Bruno Covas, aliado de Dória e candidato à reeleição, se apressou a negar a obrigatoriedade na capital paulista.

Na marcha da insensatez da politização da pandemia, “nossos líderes” têm se superado nos arroubos. É claro que sempre haverá plateia para aplaudir insanidades. São muitos os delírios. Seguidores irredutíveis de Bolsonaro, a julgar pelo que postam nas redes sociais, consideram o seu veto ao processo de compra da CoronaVac uma atitude patriótica, visando a barrar a expansão do “comunismo chinês”.

Como se a China não tivesse há muito deixado de ser uma economia comunista, e como se não merecesse respeito por ser o nosso maior parceiro comercial, detentor de tecnologia de ponta, maior PIB do mundo, hoje, pelo critério de paridade do poder de compra. Tem sentido a postura hostil?

Embora não tenha a letalidade da Covid-19, a “cegueira ideológica” é uma patologia grave que distancia o seu portador da realidade. Acomete indivíduos de todo o espectro político, sendo que, quanto mais perto dos extremos (para um lado ou outro), mais suscetível estará à forma incurável. Aparentemente, após turvar a “visão”, a moléstia atinge também a capacidade cognitiva.

Ora, o que deve realmente importar neste momento é a qualidade das vacinas e a sua eficácia na imunização, não a origem dos laboratórios que as produzirão. Até o momento, nenhum dos laboratórios que desenvolvem vacinas no Brasil protocolou pedido de validação. Todas continuam em testes, incluindo a CoronoVac e a da Oxford/Fiocruz. O diretor-geral Anvisa, Antonio Torres, já avisou que o órgão se norteará por critérios científicos, longe da discussão política. Ufa!

O ofício do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao Butantan manifestava, na verdade, a intenção de compra, não a compra efetiva, que estaria condicionada à aprovação do imunizante pela agência. Tudo dentro da normalidade e da razoabilidade, não fosse o atropelo do presidente Bolsonaro.  Mas isso também já deixou de ser novidade.

Por Nilson Mello

 

 

           

           

           

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