A
politização da vacina
Quando
todos com um mínimo de acuidade política julgavam que o governo federal ganhara
pontos junto à sociedade ao oficiar o Instituto Butantan a compra de 46 milhões
de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês
Sinovac – afinal, o importante é envidar esforços contra a pandemia –, eis que,
em menos de 48 horas, o presidente Bolsonaro reverte as expectativas positivas,
desautoriza o seu ministro da Saúde e manda suspender os entendimentos para aquisição.
Com o
retrocesso, conseguiu fazer pior do que o seu desafeto e adversário político, o
governador João Dória, que dias antes afirmara que a vacina teria caráter
obrigatório em São Paulo. Não parece ser uma decisão razoável – nem política e
juridicamente aceitável - obrigar a população a tomar uma vacina desenvolvida
em tão pouco tempo, ainda que já tivesse sido aprovada – o que não é o caso.
O caráter
compulsório, nas circunstâncias, tem um forte viés autoritário, antidemocrático.
Não por outra razão, governos europeus adiantaram que as vacinas, quando
aprovadas, de início não serão obrigatórias. Percebendo a gafe, o prefeito
Bruno Covas, aliado de Dória e candidato à reeleição, se apressou a negar a
obrigatoriedade na capital paulista.
Na marcha
da insensatez da politização da pandemia, “nossos líderes” têm se superado nos
arroubos. É claro que sempre haverá plateia para aplaudir insanidades. São
muitos os delírios. Seguidores irredutíveis de Bolsonaro, a julgar pelo que
postam nas redes sociais, consideram o seu veto ao processo de compra da
CoronaVac uma atitude patriótica, visando a barrar a expansão do “comunismo
chinês”.
Como se a
China não tivesse há muito deixado de ser uma economia comunista, e como se não
merecesse respeito por ser o nosso maior parceiro comercial, detentor de
tecnologia de ponta, maior PIB do mundo, hoje, pelo critério de paridade do
poder de compra. Tem sentido a postura hostil?
Embora não
tenha a letalidade da Covid-19, a “cegueira ideológica” é uma patologia grave
que distancia o seu portador da realidade. Acomete indivíduos de todo o
espectro político, sendo que, quanto mais perto dos extremos (para um lado ou
outro), mais suscetível estará à forma incurável. Aparentemente, após turvar a
“visão”, a moléstia atinge também a capacidade cognitiva.
Ora, o que
deve realmente importar neste momento é a qualidade das vacinas e a sua eficácia
na imunização, não a origem dos laboratórios que as produzirão. Até o momento,
nenhum dos laboratórios que desenvolvem vacinas no Brasil protocolou pedido de
validação. Todas continuam em testes, incluindo a CoronoVac e a da
Oxford/Fiocruz. O diretor-geral Anvisa, Antonio Torres, já avisou que o órgão
se norteará por critérios científicos, longe da discussão política. Ufa!
O ofício do
ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao Butantan manifestava, na verdade, a
intenção de compra, não a compra efetiva, que estaria condicionada à aprovação
do imunizante pela agência. Tudo dentro da normalidade e da razoabilidade, não
fosse o atropelo do presidente Bolsonaro.
Mas isso também já deixou de ser novidade.
Por Nilson Mello
Correto. A politização da pandemia é responsável pela maioria das mortes.
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