“Saneamento
básico, o filme” (ou a novela?)
(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o jornal Correio da Manhã)
O
Brasil gastou R$ 25 bilhões na Copa de 2014 e R$ 40 bilhões na realização da
Olimpíada de 2016. No primeiro caso, 83% dos gastos, nove vezes mais que o
previsto, foram feitos pelo Poder Público. No segundo, a iniciativa privada
bancou mais de 50% dos projetos e certamente teve o seu retorno. Se não teve,
não é problema do contribuinte. Esta semana a notícia de que o Parque Olímpico
do Rio, a principal obra dos jogos, está abandonado voltou a ser manchete. Não
se deve perder tempo discutindo a validade desses eventos. O problema não está
na sua realização em si, válida pelo que gera de oportunidades, mas na falta de
controle orçamentário e de rigor no planejamento e execução dos projetos
oficiais – muitos deles inacabados e sob suspeita de desvios.
O
abandono de hoje é ao mesmo tempo fruto e sintoma da má gestão na administração
pública, mazela nacional. Mas os valores da Copa e da Olimpíada são oportunos
porque nos dão à exata dimensão do desafio muito maior que o país tem a partir
de agora com a aprovação do marco legal do saneamento pelo Congresso. Para
universalizar o acesso à agua potável e aos serviços de tratamento de esgoto
até 2033, o Brasil deverá investir R$ 700 bilhões. A meta também inclui o fim
dos lixões até 2024.
Dos
209 milhões de brasileiros, a metade não conta hoje com esses serviços, uma das
razões de nosso baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Anualmente, 15
mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no país devido a doenças
relacionadas à falta de saneamento, segundo a OMS. A universalização reduziria
em R$ 1,45 bilhão os custos anuais com atendimento médico-hospitalar,
considerado que para R$ 1 investido no setor de saneamento economiza-se R$ 4
que podem ser aplicados em outras frentes e prioridades na própria saúde.
Os
projetos que decorrerão do marco regulatório serão realizados pela iniciativa
privada, seja por meio de parcerias público-privadas, concessão de áreas de
atuação ou mesmo privatização das estatais (estaduais e municipais) que não
conseguirem atingir metas até 2022. São investimentos privados para atender a
uma demanda reprimida da sociedade e para a qual o setor público – devido às
incoerências orçamentárias – por décadas não foi capaz de suprir. Como são empreendimentos
privados, a gestão é rigorosa, até porque implicam cifras vultosas, com riscos
inerentes. Essa característica ajuda a prevenir a repetição da mazela
mencionada de início.
O
retorno dos investidores – operadores do setor e sócios financeiros
estratégicos – virá da exploração dos serviços no longo prazo, regulados e
fiscalizados pelo Poder Público, mais precisamente pela ANA – Agência Nacional
de Águas, que substituirá 49 agências reguladoras regionais. A uniformização
regulatória é um dos aspectos positivos do marco legal, contribuindo para a
segurança jurídica, indispensável à atração dos investimentos.
Outras
vantagens são a possibilidade de as empresas investidoras emitirem títulos para
captação de recursos no exterior e uma modelagem legal que permite a
aglutinação de vários municípios na área de atuação de um consórcio, gerando ganhos
de escala que viabilizam os grandes investimentos necessários – aqueles que as
estatais até hoje não foram capazes de fazer. Aprovado em última votação no
Senado na quarta-feira, o marco do saneamento tramitava no Congresso desde
2018, tendo sido objeto de 16 audiências públicas. PT e PDT votaram majoritariamente
contra. Não se sabe bem por quê. A matéria agora vai à sanção presidencial.
Em
“Saneamento básico, o filme”, de Jorge Furtado com Fernanda Torres e Wagner
Moura, a comunidade de uma pequena cidade na Serra Gaúcha se une para tentar
construir uma estação de tratamento de esgoto. Eles têm verba federal para
fazer um filme, mas não para o saneamento, e daí buscam uma alternativa
criativa. O novo marco regulatório também é uma alternativa criativa, além de mais
segura, para pôr fim a uma novela brasileira: a falta de saneamento básico.
Por Nilson Mello
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