sábado, 27 de junho de 2020

Infraestrutura


“Saneamento básico, o filme” (ou a novela?)

(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o jornal Correio da Manhã)

O Brasil gastou R$ 25 bilhões na Copa de 2014 e R$ 40 bilhões na realização da Olimpíada de 2016. No primeiro caso, 83% dos gastos, nove vezes mais que o previsto, foram feitos pelo Poder Público. No segundo, a iniciativa privada bancou mais de 50% dos projetos e certamente teve o seu retorno. Se não teve, não é problema do contribuinte. Esta semana a notícia de que o Parque Olímpico do Rio, a principal obra dos jogos, está abandonado voltou a ser manchete. Não se deve perder tempo discutindo a validade desses eventos. O problema não está na sua realização em si, válida pelo que gera de oportunidades, mas na falta de controle orçamentário e de rigor no planejamento e execução dos projetos oficiais – muitos deles inacabados e sob suspeita de desvios.
O abandono de hoje é ao mesmo tempo fruto e sintoma da má gestão na administração pública, mazela nacional. Mas os valores da Copa e da Olimpíada são oportunos porque nos dão à exata dimensão do desafio muito maior que o país tem a partir de agora com a aprovação do marco legal do saneamento pelo Congresso. Para universalizar o acesso à agua potável e aos serviços de tratamento de esgoto até 2033, o Brasil deverá investir R$ 700 bilhões. A meta também inclui o fim dos lixões até 2024.
Dos 209 milhões de brasileiros, a metade não conta hoje com esses serviços, uma das razões de nosso baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Anualmente, 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no país devido a doenças relacionadas à falta de saneamento, segundo a OMS. A universalização reduziria em R$ 1,45 bilhão os custos anuais com atendimento médico-hospitalar, considerado que para R$ 1 investido no setor de saneamento economiza-se R$ 4 que podem ser aplicados em outras frentes e prioridades na própria saúde.
Os projetos que decorrerão do marco regulatório serão realizados pela iniciativa privada, seja por meio de parcerias público-privadas, concessão de áreas de atuação ou mesmo privatização das estatais (estaduais e municipais) que não conseguirem atingir metas até 2022. São investimentos privados para atender a uma demanda reprimida da sociedade e para a qual o setor público – ­­devido às incoerências orçamentárias – por décadas não foi capaz de suprir. Como são empreendimentos privados, a gestão é rigorosa, até porque implicam cifras vultosas, com riscos inerentes. Essa característica ajuda a prevenir a repetição da mazela mencionada de início.
O retorno dos investidores – operadores do setor e sócios financeiros estratégicos – virá da exploração dos serviços no longo prazo, regulados e fiscalizados pelo Poder Público, mais precisamente pela ANA – Agência Nacional de Águas, que substituirá 49 agências reguladoras regionais. A uniformização regulatória é um dos aspectos positivos do marco legal, contribuindo para a segurança jurídica, indispensável à atração dos investimentos.
Outras vantagens são a possibilidade de as empresas investidoras emitirem títulos para captação de recursos no exterior e uma modelagem legal que permite a aglutinação de vários municípios na área de atuação de um consórcio, gerando ganhos de escala que viabilizam os grandes investimentos necessários – aqueles que as estatais até hoje não foram capazes de fazer. Aprovado em última votação no Senado na quarta-feira, o marco do saneamento tramitava no Congresso desde 2018, tendo sido objeto de 16 audiências públicas. PT e PDT votaram majoritariamente contra. Não se sabe bem por quê. A matéria agora vai à sanção presidencial.
Em “Saneamento básico, o filme”, de Jorge Furtado com Fernanda Torres e Wagner Moura, a comunidade de uma pequena cidade na Serra Gaúcha se une para tentar construir uma estação de tratamento de esgoto. Eles têm verba federal para fazer um filme, mas não para o saneamento, e daí buscam uma alternativa criativa. O novo marco regulatório também é uma alternativa criativa, além de mais segura, para pôr fim a uma novela brasileira: a falta de saneamento básico.
Por Nilson Mello

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