Dinamismo nos portos e o OGMO
(Obs: Este artigo foi publicado simultaneamente com a Agência Infra)
O governo anunciou no início do mês de junho que promoverá no
terceiro trimestre deste ano os leilões de arrendamento de pelo menos mais sete
terminais em Portos Organizados (públicos), na esteira de uma série de
concessões que incluem também rodovias, ferrovias e aeroportos, o que poderá
significar, segundo estimativas oficiais, compromissos de investimentos
(contratos) da ordem de R$ 250 bilhões nas próximas décadas. No setor portuário
especificamente, deverão ser 15 os terminais portuários concedidos à iniciativa
privada até o final de 2020, considerando os processos licitatórios já
realizados e os em andamento.
O Ministério da Infraestrutura também confirmou que está
concluindo os estudos para a desestatização do Porto de Itajaí (SC),
pertencente à União, mas municipalizado, e cujo leilão deverá ser realizado no
segundo semestre de 2022. O otimismo em relação às privatizações e aos
investimentos nos portos justifica-se tendo em vista não apenas o dinamismo do
setor, mas, sobretudo, o aumento da demanda que a retomada do crescimento
ensejará. Cabe salientar que, atrelados ao agronegócio, os portos têm tido bom
desempenho mesmo em meio à crise gerada pela Covid-19.
Mais
do que um “termômetro” da atividade, os portos devem ser vistos como um importante
ativo econômico e um fator de desenvolvimento. Como 95% do comércio exterior
brasileiro em volume passam pelos terminais portuários, a competitividade da
cadeia produtiva nacional estará sempre condicionada à eficiência e à
produtividade do setor. Os números que vêm sendo registrados neste primeiro
semestre, até aqui, são positivos.
Apesar
da pandemia, a movimentação portuária cresceu 3,71% (340 milhões de toneladas)
no Brasil nos primeiros quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado.
E não foi apenas no longo curso (exportações e importações), mais favorecido
pela demanda externa por commodities agrícolas e minerais, que houve avanço. A
cabotagem registrou aumento de 11,3% na movimentação no primeiro quadrimestre
em relação ao ano passado.
Resultados expressivos no movimento estão sendo verificados
em diferentes complexos: em São Francisco do Sul (SC), alta de 20,4% em maio em
relação ao mesmo mês do ano passado; em Itapoá (SC), aumento de 11,3% nos cinco
primeiros meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado; em Itaqui
(MA), previsão de aumento de 12% nas exportações ao término do semestre na
comparação com 2019; e, em Suape (PE), avanço de 21% no volume de cargas
movimentadas no acumulado do ano. E esses são apenas alguns exemplos.
O
desempenho abrange diferentes segmentos de carga, do granel líquido ao granel
sólido, passando pelo contêiner. Em Paranaguá (PR), houve recorde de
importações e exportações em maio, com 5,7 milhões de toneladas movimentadas,
44% superior ao mesmo mês do ano passado. Em Portonave (SC), o recorde foi a
atracação, no dia 16 de junho, do porta-contêiner APL Paris, de 347 metros de
comprimento, o maior navio que já aportou no Brasil.
Há
grande expectativa quanto ao modelo de desestatização a ser proposto para Itajaí.
O mais provável é que seja adotado ali o mesmo que vigora hoje em todos os
terminais arrendados em Portos Organizados brasileiros, o de landlord port, pelo qual o setor público
mantém o controle administrativo (a Autoridade Portuária), enquanto o setor
privado se responsabiliza pelos investimentos e pela operação. Esse é também o
modelo que prevalece nos principais portos do mundo, como Hamburgo, Roterdã,
Marselha, Valência e Barcelona.
Porém,
como o estudo de modelagem de Itajaí, iniciado este ano, tem prazo de 28 meses
para ser concluído, especula-se que o governo poderia propor para o porto
catarinense algo mais parecido com o fully
privatized port, que é, em última instância, o regime jurídico adotado no
Brasil para os Terminais de Uso Privado (TUPs), ou seja, aquelas instalações
que se encontram fora dos Portos Organizados, como, por exemplo, Portonave e
Itapoá, mencionados acima. Pelas assimetrias que tal escolha poderia acarretar,
com possível judicialização da questão, o que é previsível, não parece de
antemão a melhor opção.
Vale
lembrar que os terminais arrendados em Portos Organizados (públicos), ao
contrário dos TUPs, não gozam de autonomia para a contratação de pessoal,
devendo, por imposição legal, recorrer ao OGMO, uma entidade para-sindical,
para contratar trabalhadores avulsos no que toca os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de
carga, bloco e vigilância de embarcações. Isso dá aos TUPs uma razoável
vantagem competitiva, pois essas instalações eminentemente privadas têm total
liberdade para gerir, capacitar e treinar seus profissionais, de acordo com os
melhores parâmetros de mercado, sem ingerências externas.
Por outro lado, é preciso reconhecer que os TUPs são empreendimentos
que começaram do zero (projetos greenfield),
para os quais foram necessários pesados investimentos não apenas na construção
da infraestrutura do terminal em si, como nos seus acessos e serviços de
suporte, o que muitas vezes inclui rodovias, alças de ligação rodoviária e
ferroviária, estações de geração e transmissão de energia etc. Grosseiramente,
poderíamos dizer que o handcap
(desvantagem) dos terminais arrendados em Portos Organizados, pela
obrigatoriedade do OGMO, teria sido compensado pela maior exigência de
investimentos de um projeto greenfield,
equalizando as condições de concorrência.
Aí surgiria a questão: na desestatização de Itajaí, que é
uma estrutura pública pronta, se feita pelo regime eminentemente privado (fully
privatized port), a obrigatoriedade do OGMO seria mantida,
como nos demais Portos Organizados, ou cairia, como no modelo dos TUPs? A
lógica nos autoriza a deduzir que cairia, em respeito ao modelo adotado, mas
essa, contudo, é a falsa discussão. O verdadeiro debate que o governo e o setor
devem enfrentar a partir de agora, e com transparência, é quanto à validade da manutenção
do OGMO em qualquer hipótese.
O
país está ingressando numa terceira e decisiva fase de investimentos no setor.
A primeira veio com a Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.630/1993), que
permitiu o arrendamento dos terminais públicos, garantindo um grande salto em
termos de eficiência e produtividade. A segunda data do novo marco regulatório (Lei
nº 12.815/2013 e Decreto nº 8.033), que autorizou os terminais de uso privado
(TUPs), fora dos Portos Organizados, portanto, a movimentar cargas de
terceiros, o que estimulou os investimentos na implantação de novos
empreendimentos e na ampliação dos já existentes.
Agora,
é hora de se discutir com clareza o fim do OGMO, o último traço de anacronismo
do setor portuário brasileiro, na prática, um monopólio de caráter sindical que
define como uma empresa privada deve contratar mão de obra, quem deve contratar
e de que forma devem ser capacitados, treinados e organizados (incluindo
cadastro e escala de trabalho) os profissionais que lhe prestam serviços. Só a
burocracia que envolve essa intermediação - e os custos inerentes a ela - já
seria razão suficiente para justificar o seu fim, sem contar a questão de
fundo, ainda mais importante: por que uma empresa privada deve ser obrigada a
recorrer a terceiros para fazer algo essencial à sua atividade, qual seja, a
gestão de pessoal especializado? A
questão está na mesa.
Por Nilson Mello
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