quarta-feira, 1 de julho de 2020

Privatizações


Dinamismo nos portos e o OGMO

(Obs: Este artigo foi publicado simultaneamente com a Agência Infra)

         O governo anunciou no início do mês de junho que promoverá no terceiro trimestre deste ano os leilões de arrendamento de pelo menos mais sete terminais em Portos Organizados (públicos), na esteira de uma série de concessões que incluem também rodovias, ferrovias e aeroportos, o que poderá significar, segundo estimativas oficiais, compromissos de investimentos (contratos) da ordem de R$ 250 bilhões nas próximas décadas. No setor portuário especificamente, deverão ser 15 os terminais portuários concedidos à iniciativa privada até o final de 2020, considerando os processos licitatórios já realizados e os em andamento.
         O Ministério da Infraestrutura também confirmou que está concluindo os estudos para a desestatização do Porto de Itajaí (SC), pertencente à União, mas municipalizado, e cujo leilão deverá ser realizado no segundo semestre de 2022. O otimismo em relação às privatizações e aos investimentos nos portos justifica-se tendo em vista não apenas o dinamismo do setor, mas, sobretudo, o aumento da demanda que a retomada do crescimento ensejará. Cabe salientar que, atrelados ao agronegócio, os portos têm tido bom desempenho mesmo em meio à crise gerada pela Covid-19.
Mais do que um “termômetro” da atividade, os portos devem ser vistos como um importante ativo econômico e um fator de desenvolvimento. Como 95% do comércio exterior brasileiro em volume passam pelos terminais portuários, a competitividade da cadeia produtiva nacional estará sempre condicionada à eficiência e à produtividade do setor. Os números que vêm sendo registrados neste primeiro semestre, até aqui, são positivos.
Apesar da pandemia, a movimentação portuária cresceu 3,71% (340 milhões de toneladas) no Brasil nos primeiros quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado. E não foi apenas no longo curso (exportações e importações), mais favorecido pela demanda externa por commodities agrícolas e minerais, que houve avanço. A cabotagem registrou aumento de 11,3% na movimentação no primeiro quadrimestre em relação ao ano passado.
         Resultados expressivos no movimento estão sendo verificados em diferentes complexos: em São Francisco do Sul (SC), alta de 20,4% em maio em relação ao mesmo mês do ano passado; em Itapoá (SC), aumento de 11,3% nos cinco primeiros meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado; em Itaqui (MA), previsão de aumento de 12% nas exportações ao término do semestre na comparação com 2019; e, em Suape (PE), avanço de 21% no volume de cargas movimentadas no acumulado do ano. E esses são apenas alguns exemplos.
O desempenho abrange diferentes segmentos de carga, do granel líquido ao granel sólido, passando pelo contêiner. Em Paranaguá (PR), houve recorde de importações e exportações em maio, com 5,7 milhões de toneladas movimentadas, 44% superior ao mesmo mês do ano passado. Em Portonave (SC), o recorde foi a atracação, no dia 16 de junho, do porta-contêiner APL Paris, de 347 metros de comprimento, o maior navio que já aportou no Brasil.
Há grande expectativa quanto ao modelo de desestatização a ser proposto para Itajaí. O mais provável é que seja adotado ali o mesmo que vigora hoje em todos os terminais arrendados em Portos Organizados brasileiros, o de landlord port, pelo qual o setor público mantém o controle administrativo (a Autoridade Portuária), enquanto o setor privado se responsabiliza pelos investimentos e pela operação. Esse é também o modelo que prevalece nos principais portos do mundo, como Hamburgo, Roterdã, Marselha, Valência e Barcelona.
Porém, como o estudo de modelagem de Itajaí, iniciado este ano, tem prazo de 28 meses para ser concluído, especula-se que o governo poderia propor para o porto catarinense algo mais parecido com o fully privatized port, que é, em última instância, o regime jurídico adotado no Brasil para os Terminais de Uso Privado (TUPs), ou seja, aquelas instalações que se encontram fora dos Portos Organizados, como, por exemplo, Portonave e Itapoá, mencionados acima. Pelas assimetrias que tal escolha poderia acarretar, com possível judicialização da questão, o que é previsível, não parece de antemão a melhor opção.
Vale lembrar que os terminais arrendados em Portos Organizados (públicos), ao contrário dos TUPs, não gozam de autonomia para a contratação de pessoal, devendo, por imposição legal, recorrer ao OGMO, uma entidade para-sindical, para contratar trabalhadores avulsos no que toca os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações. Isso dá aos TUPs uma razoável vantagem competitiva, pois essas instalações eminentemente privadas têm total liberdade para gerir, capacitar e treinar seus profissionais, de acordo com os melhores parâmetros de mercado, sem ingerências externas.
Por outro lado, é preciso reconhecer que os TUPs são empreendimentos que começaram do zero (projetos greenfield), para os quais foram necessários pesados investimentos não apenas na construção da infraestrutura do terminal em si, como nos seus acessos e serviços de suporte, o que muitas vezes inclui rodovias, alças de ligação rodoviária e ferroviária, estações de geração e transmissão de energia etc. Grosseiramente, poderíamos dizer que o handcap (desvantagem) dos terminais arrendados em Portos Organizados, pela obrigatoriedade do OGMO, teria sido compensado pela maior exigência de investimentos de um projeto greenfield, equalizando as condições de concorrência.
Aí surgiria a questão: na desestatização de Itajaí, que é uma estrutura pública pronta, se feita pelo regime eminentemente privado (fully privatized port), a obrigatoriedade do OGMO seria mantida, como nos demais Portos Organizados, ou cairia, como no modelo dos TUPs? A lógica nos autoriza a deduzir que cairia, em respeito ao modelo adotado, mas essa, contudo, é a falsa discussão. O verdadeiro debate que o governo e o setor devem enfrentar a partir de agora, e com transparência, é quanto à validade da manutenção do OGMO em qualquer hipótese.
O país está ingressando numa terceira e decisiva fase de investimentos no setor. A primeira veio com a Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.630/1993), que permitiu o arrendamento dos terminais públicos, garantindo um grande salto em termos de eficiência e produtividade. A segunda data do novo marco regulatório (Lei nº 12.815/2013 e Decreto nº 8.033), que autorizou os terminais de uso privado (TUPs), fora dos Portos Organizados, portanto, a movimentar cargas de terceiros, o que estimulou os investimentos na implantação de novos empreendimentos e na ampliação dos já existentes.
Agora, é hora de se discutir com clareza o fim do OGMO, o último traço de anacronismo do setor portuário brasileiro, na prática, um monopólio de caráter sindical que define como uma empresa privada deve contratar mão de obra, quem deve contratar e de que forma devem ser capacitados, treinados e organizados (incluindo cadastro e escala de trabalho) os profissionais que lhe prestam serviços. Só a burocracia que envolve essa intermediação - e os custos inerentes a ela - já seria razão suficiente para justificar o seu fim, sem contar a questão de fundo, ainda mais importante: por que uma empresa privada deve ser obrigada a recorrer a terceiros para fazer algo essencial à sua atividade, qual seja, a gestão de pessoal especializado?  A questão está na mesa.
Por Nilson Mello

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