A democracia funcionando
(Obs: artigo publicado simultaneamente com o jornal Monitor Mercantil e Correio da Manhã)
O Congresso
devolveu na semana passada ao Planalto a MP que atribuía ao ministro da
Educação competência para indicar reitores de universidades federais, o que é
inconstitucional. Ao mesmo tempo, o ministro Luiz Fux, do Supremo, instado por
uma ação movida pelo PDT, reiterou o óbvio, embora muitos relutem a enxergar: à
luz do artigo 142 da Constituição, as Forças Armadas podem ser empregadas na
manutenção da lei e da ordem, bem como na defesa das instituições, mas não
podem ser usadas para que um Poder intervenha em outro, o que equivaleria a um
golpe militar. O texto constitucional é claro, sem margem para devaneios
jurídicos.
A firmeza de Congresso e STF não
impediu que houvesse, nos últimos dias, uma relativa diminuição das tensões
institucionais que haviam feito o mês de maio parecer um “setembro negro”. A
mudança de humor, persistindo, abre espaço para o debate de ideias e o
encaminhamento de propostas que serão decisivas para a retomada da economia
após o fim da quarentena, num ano em que a queda do PIB brasileiro pode ser de
7%, ou até 9%, se houver uma segunda onda de contaminação de Covid-19.
A preocupação é pertinente uma vez
que neste sábado (13/06) Pequim identificou novo crescimento dos casos e
determinou um lockdown parcial. Mais
uma razão para que o empenho na busca do diálogo entre os Poderes seja renovado.
As reformas administrativa e tributária precisam retornar à pauta. A primeira
visa a tornar a máquina pública mais eficiente; a segunda, a simplificar o
sistema, com possibilidade de redução da carga, dependendo, é claro, do que for
feito em termos de reestruturação administrativa.
Importantes eixos devem ser
contemplados numa verdadeira reforma tributária, entre eles, o princípio da
progressividade (mais ricos pagando mais, mais pobres pagando menos) e a maior
ênfase na renda, não na produção ou no consumo, justamente para proteger a
economia e as camadas economicamente menos favorecidas. O presidente da Câmara
acenou que poderá incluir, na reforma tributária, um novo programa de renda
mínima, desde que isso não implique comprometimento do equilíbrio fiscal. Por
outro lado, o Executivo mantém em andamento a agenda de licitações para portos,
aeroportos e rodovias.
Aliado ao compromisso fiscal, a ser
restabelecido após as medidas emergenciais (a expressiva cifra de R$ 45 bilhões em auxílio até aqui),
o setor de infraestrutura deverá ser a “ancoragem” da retomada, com uma nova
leva de investimentos que deverão reaquecer a economia. O vigor demonstrado
pelo agronegócio em meio à crise nos autoriza a manter o otimismo. A safra de
grãos este ano deverá somar novo recorde, de 250 milhões de toneladas. O
movimento nos terminais portuários, por onde passam 95% de nossas exportações,
mantém-se dinâmico, sem grandes recuos, o que contribui para a atrair os
investimentos em infraestrutura.
Mas a distensão política será
decisiva. Cabe dizer que ao governo os atritos só trouxeram prejuízo, como
demonstraram os indicadores de rejeição ao presidente da República, que só
agora arrefecem, bem como os pedidos de impeachment enfileirados na Câmara. É
preciso ser um “torcedor” muito otimista (como, aliás, são os apoiadores do
presidente Bolsonaro) para não interpretar esses dados como sintomas de
fragilidade e vulnerabilidade política. O prejuízo, contudo, foi maior para o
país, que perdeu a chance de estabelecer uma política unificada e mais eficaz
de enfrentamento da crise sanitária, o que certamente poderia ajudar a reduzir
os seus danos.
Num momento de crise, o que se espera
das lideranças – e nas diferentes esferas – é um discurso de união, não a
reiteração dos antagonismos e a aposta na polarização. Em respeito à verdade, não se pode dizer que os
números no Brasil, apesar de dramáticos, sejam o de uma “carnificina” (ou “genocídio”, como prega a
narrativa de oposição), uma vez que as
estatísticas aqui não são relativamente piores, considerando o tamanho da
população, às de outros países, em especial os europeus, sempre referência em
virtude do grau de desenvolvimento. Mas é razoável deduzir que, unidos e sob
uma liderança conciliadora, teríamos muito melhores condições de superar a
pandemia e a crise econômica que se seguiu a ela.
De qualquer forma, para aqueles que
desconfiam da solidez da democracia brasileira, o recente período de
turbulência veio reforçar a tese paradoxal de que é em meio aos conflitos que
as instituições democráticas revelam o seu vigor. Quem disse que democracia não
é uma obra acabada e sim um processo de construção que exige esforço e
vigilância constantes estava certo. E é o que têm feito o Legislativo e o
Judiciário, reiteradamente, barrando ímpetos inconstitucionais do Executivo. Os
ministros do Supremo nem sempre estão cobertos de razão, mas há meios legais de
contestar suas decisões, sem necessidade de afrontas ou ameaças.
Por isso ajudaria muito se o próprio
presidente da República abandonasse o cacoete de reiteradamente testar os
limites institucionais, senão por genuíno respeito às instituições, por
pragmatismo. Afinal, tem muito a perder: além do próprio mandato (os processos
ganham força), o fim do sonho de reeleição. A não ser que esteja fazendo uma
aposta ainda mais arriscada para si, sendo difícil acreditar que as Forças
Armadas apoiariam uma aventura golpista. Lembrando que, a essa altura, só uma
parcela reduzida do eleitorado não entendeu que, ao delimitar o raio de ação do
Executivo dentro dos parâmetros constitucionais, Executivo e Legislativo nada
mais fazem do que cumprir o seu papel, atuando como freio e contrapeso. É a
democracia funcionando.
Por Nilson Mello
Concordo Nilson.
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