A variável China, as reformas e os
portos
Nilson
Mello*
As incertezas globais neste início de
ano e uma possível queda da demanda por commodities brasileiras nos obrigam a
manter o foco em questões e medidas que independem de fatores externos e que são
reconhecidamente relevantes para permitir a retomada da economia em bases
sustentáveis. Não se trata apenas de superar obstáculos imediatos, mas de
manter a visão no longo prazo. A recomendação vale para todos os setores da
economia, mas tem especial significado para o setor de infraestrutura portuária,
pelas razões que serão apresentadas adiante.
A principal incerteza global no curto
prazo, como sabemos, diz respeito à China, cuja taxa de crescimento em algum
grau será afetada pela epidemia de coronavírus, com impacto direto sobre as
exportações brasileiras – o que, segundo os analistas mais pessimistas, em
efeito extremo, poderia reduzir em até meio ponto percentual a previsão de
crescimento de nosso PIB em 2020. No mundo, fala-se que somente a demanda
interna de petróleo na China deve cair 25%, o que é significativo.
Por
enquanto, na contramão desse cenário mais negativo, o que se registrou em
janeiro foi um aumento de 9,8% - para 135,4 mil toneladas - do embarque de
carne bovina brasileira para o mercado chinês, mas também em virtude de um
fator excepcional, não de uma tendência - a epidemia de peste suína (sempre as
epidemias!) que afeta o país. Deixando as previsões catastróficas de lado, o
fato é que, na verdade, a economia chinesa já vem crescendo menos do que há
alguns anos (6,1% no ano passado, com previsão 6 % para este ano), embora a
taxas bem maiores que o restante do mundo.
O dado é relevante não apenas para o
Brasil, mas para toda a América Latina. O comércio entre a China e os países
latino-americanos cresceu 20 vezes na última década, e hoje a região responde
por 70% de todas as importações da China, sendo o Brasil responsável por 50%
desse total. Por outro lado, o encaminhamento de um acordo entre o país
asiático e os Estados Unidos, pondo fim à guerra comercial que teve início após
a posse de Donald Trump, pode significar uma diminuição de importação de
commodities latino-americanas e brasileiras. Válido dizer que a China já vem
diminuindo a compra de soja brasileira (de 93% para 74% de nossas exportações
da oleaginosa) justamente para importar mais dos Estados Unidos, num aceno à “paz
comercial”.
Portanto, a perspectiva de gradual
redução de atividade de nosso maior comprador, ainda que longínqua, reforça a
importância de prospectar mercados, firmar novos acordos bilaterais,
diversificar a pauta de exportações e - a fim de realizar esses objetivos - desenvolver
estratégias que garantam maior eficiência, produtividade e competitividade à
economia brasileira. Está cada vez mais claro que os acordos bilaterais que o
Brasil vem se esforçando em firmar – com Índica, Chile, Israel, países árabes e
possivelmente Rússia e Reino Unido pós-Brexit, entre outros – são acertados.
Paralelamente, os programas e ações de
caráter estratégico não podem prescindir de políticas macro, de fundo, das
quais, espera-se, resultará um ambiente mais favorável ao empreendedor e uma
máquina pública mais eficiente. Neste aspecto, o governo igualmente acerta ao
planejar para este ano reformas estruturantes fundamentais. Entre elas figuram não apenas as Reformas
Tributária e Administrativa, mas ainda a PEC 186, do Pacto Federativo, que visa
a descentralizar os recursos da União e garantir mais autonomia a Estados e
municípios; a PEC 187, denominada Emergencial, que permitirá a redução imediata
de R$ 12 bilhões em despesas; e a PEC 188, da extinção dos Fundos Públicos, que
permitirá a desvinculação imediata de R$ 219 bilhões, que serão então
destinados à amortização da dívida pública.
As reformas
são imprescindíveis para tornar o Estado brasileiro mais eficiente,
restituindo-lhe a capacidade de investimento em setores essenciais, como educação,
saúde, segurança, saneamento e, claro, infraestrutura. Como é sabido, desde
2014 o governo central gasta mais do que o que arrecada, gerando déficits
fiscais recorrentes e o consequente aumento do estoque da dívida pública e dos
gastos com o pagamento dos juros. Esse quadro inviabiliza os investimentos de
que o país precisa para se desenvolver. No caso da infraestrutura, por exemplo,
significa que de cada R$ 100,00 que o governo arrecada, sobram apenas R$ 7,00 de
recursos públicos para os investimentos - o que é irrisório diante das
deficiências ainda existentes e a necessidade de crescimento.
No caso
específico do setor portuário, estudos apontam que as ineficiências chegam a
gerar mais de R$ 4 bilhões em prejuízos por ano e fazem com que o país figure
numa posição de baixo desempenho nos rankings mundiais de eficiência portuária
(no ranking do Instituto Ilos, por exemplo, é o 56° colocado entre 160
países). É preciso salientar que pelos portos brasileiros passam 95% de nosso
comércio exterior, cerca de 1,1 bilhão de toneladas em 2019 – e eis aí o
especial significado referido de início. Não há economia dinâmica sem portos
eficientes. Em última análise, o desenvolvimento do Brasil está condicionado ao
desenvolvimento dos portos.
No
modelo portuário hoje adotado no Brasil – assim como na maioria dos países -, o
chamado Landlord Port, em que a
operação e os investimentos cabem ao setor privado e a administração (Autoridade
Portuária) é mantida como competência do Poder Público -, a integração entre as
duas esferas é fundamental. Os avanços em gestão obtidos pelo setor portuário privado
brasileiro devem ter a contrapartida do setor público. A uniformização e a
simplificação dos procedimentos, a redução da burocracia, o alinhamento dos
diversos órgãos públicos intervenientes nos portos (mais de uma dezena, entre
eles Marinha, Receita Federal, Polícia Federal, Ministério da Saúde, Ibama), em
prol das operações, é passo decisivo, que não pode ser mais adiado, sob o risco
de se perpetuar a ineficiência que se pretende combater.
No
último decênio, o movimento de carga nos portos brasileiros cresceu 31,1%, e
isso a despeito da profunda recessão que o país enfrentou no triênio 2014-2016,
cujas consequências ainda são sentidas. Com a volta do crescimento econômico,
novos aportes de investimentos serão necessários, a fim de eliminar gargalos
geradores de ineficiência e do chamado “custo Brasil”. Neste sentido, é válido
dizer que o ano de 2019 não foi em vão, revelando a volta da confiança na
retomada da economia: 24 novos Terminais de Uso Privado (TUPs) foram
autorizados, com investimentos que alcançam R$ 1,6 bilhão, assim como 17 novas
áreas em Portos Organizados (Públicos), com aportes da ordem de R$ 7,7 bilhões.
Ainda assim, no que
diz respeito a novas levas de investimentos, bem como a eficiência das
operações, o principal diferencial, que serve de ponto de partida, continua a
ser a clareza das regras. O esforço neste sentido deve ser permanente e
reiterado. Cresce também a importância de se estabelecer e aprimorar, conforme
prevê a nova Lei dos Portos (Lei 12.815, de 2013), o Plano Nacional de
Logística Portuária e os Planos Mestres dos Portos nacionais, a fim de se
identificar as reais demandas e planejar a infraestrutura de nossos 37 portos e
232 terminais, bem como a das novas instalações a serem construídas. O
Zoneamento do Porto de Santos (DPZ), anunciado na semana que antecedeu o
Carnaval, pode servir de referência para o restante do país.
A China deverá
permanecer ainda por muito tempo como principal destino de nossas exportações e
importações. Mas, independentemente do parceiro comercial, a partir das reformas e medidas macro que estão
sendo adotadas pelo governo, a economia brasileira deve ganhar um novo patamar
de competitividade, o que dará impulso ao seu desenvolvimento. O setor
portuário precisa acompanhar esse processo, para não comprometer o objetivo
pretendido.
*Advogado e
jornalista, é sócio-diretor da Meta Consultoria e Comunicação e do Ferreira de
Mello Advocacia.
(Este artigo foi publicado originariamente na página da Agência iNFRA, em http://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-a-variavel-china-as-reformas-e-os-portos/)
Excelentes considerações Nilson.
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