Os investimentos e as
Reformas
Administrativa e
Tributária
A dívida pública
brasileira alcançou, em 2019, R$ 4,2 trilhões, o que representa um aumento de
9,5% em relação ao ano anterior. O resultado frustrou as expectativas do
Ministério da Economia que, em outubro passado, conforme artigo publicado aqui
neste Blog, projetava fechar o ano com o estoque da dívida em R$ 3,8
trilhões. Apesar da pesada carga tributária
suportada pela sociedade – algo em torno de 35,7% do PIB -, e dos esforços que
têm sido feitos nos últimos anos para conter as despesas correntes
discricionárias, aquelas que não estão legalmente vinculadas, a dívida pública
tem mantido uma dinâmica de crescimento: era de cerca de 77% do Produto Interno
Bruto (PIB) em 2018 e deve superar os 80%, em 2020, previsão que já considera,
segundo o governo, eventuais efeitos positivos da Reforma da Previdência, concluída
em outubro passado.[1]
As razões para o recorrente desequilíbrio fiscal que há anos o país
enfrenta, com sucessivos déficits primários (despesas acima das receitas) desde
2013, assim como para o esgotamento da capacidade de investimento, estão
relacionadas não apenas às políticas de expansão fiscal adotadas em diferentes
governos como também, e principalmente, à nossa matriz constitucional. A máquina pública
brasileira, uma vez que não consegue alcançar o equilíbrio de suas contas dentro
do modelo que a Constituição impõe, de orçamento engessado, torna-se incapaz de
aumentar a poupança nacional, de forma a ampliar investimentos e gerar
crescimento econômico sustentável. O problema é estrutural, motivo pelo qual o país
necessita das reformas ora em discussão.
Ressalte-se que os gastos são crescentes e o investimento, decrescente, situando-se, hoje, em um dos patamares mais baixos
da história[2]. Em 2017, a taxa de investimento do
setor público foi de meros 1,85% do PIB, contra os 4,06% registrados em 2013,
antes da recessão do triênio 2014-2016, com uma leve melhora em 2018, para
2,43%[3]. Ao seu turno, o
setor privado, combalido pela crise econômica e submetido a forte tributação,
também reduziu o volume de investimentos: recuo de 16,85% do PIB, em 2013, para
13,39% em 2018. No momento, a iniciativa privada responde por 85% da taxa de
investimento no Brasil, mantendo patamares bem mais elevados do que o setor
público.
Isso por si só não
seria problema, se o volume total de investimentos na economia brasileira fosse
o suficiente, mas a realidade é que está muito aquém das taxas necessárias para
o país superar suas enormes deficiências, além do que há áreas, como educação,
saúde e segurança, em que o papel do Estado é primordial. Para se ter uma ideia
de como esses nossos 15,82% do PIB (somados setores privado e público)
significam pouco em termos de investimento, basta dizer que a taxa média de
investimento dos países emergentes, rol em que o Brasil encontra-se, é de cerca
de 35% do PIB; a do Mundo, de 26,2%; e a da América Latina, de 19,6%. Num
ranking de investimentos que reúne 172 nações, figuramos no 152º lugar.[4]
Vale repetir que a
dificuldade de o Estado brasileiro exercer o papel de indutor da economia -
como seria de se esperar, tendo em vista uma matriz constitucional de viés
claramente dirigista e, em particular, em situações de baixo crescimento, como
enfrentamos hoje - decorre justamente do direcionamento da maior parte das
receitas para as chamadas despesas obrigatórias, constitucionalmente
vinculadas. Trata-se, na verdade, de um paradoxo, porque a matriz
constitucional elaborada com a missão, entre outras, de equacionar a nossa
grande “dívida social” acaba por inviabilizar financeiramente o Estado, impondo
altos custos à sociedade e comprometendo o crescimento econômico do qual
poderia resultar melhores índices de desenvolvimento social.
Entre as despesas
obrigatórias, a Previdência Social (43,8% do orçamento) e a folha salarial de
servidores ativos e inativos (22,1%) consomem mais da metade das receitas
federais, deixando pouco espaço de manobra para o gestor público bem
intencionado. A Reforma da Previdência, concluída em outubro passado, foi passo
importante na busca do equilíbrio orçamentário – até porque o sistema tornara-se
intrinsecamente deficitário –, mas não passo suficiente. Para reverter uma
estrutura perversa que, embora muito dispendiosa, não consegue realizar os
investimentos necessários e entregar os serviços esperados pela população,
outras reformas são imprescindíveis.
Neste ponto, alguém deve estar se
perguntado por que não aumentar as despesas mesmo com rombos orçamentários ou
simplesmente deixar de pagar a dívida. A questão é atinente à ciência econômica, mas
com evidente conexão com o direito financeiro e tributário. De forma muito resumida,
pode-se dizer que políticas fiscais irresponsáveis e déficits orçamentários
prolongados geram distorções em cadeia na economia. Cabe
dizer que a recessão econômica iniciada em 2014 teve a expansão fiscal em seu
DNA.
Um efeito
deletério do endividamento público é que, quando o governo se endivida demais,
acaba drenando os recursos financeiros disponíveis na sociedade, encarecendo o
crédito para empresas e indivíduos. Quanto maior for a dívida pública maiores
serão os juros. Governos fiscalmente responsáveis contribuem, portanto, para
o aumento do crédito e dos investimentos. Já a possibilidade
de calote, ou seja, de simplesmente deixar de pagar a dívida, total ou
parcialmente, não é uma solução plausível, devido ao efeito em cadeia sobre
toda a economia: grande parte da cadeia produtiva
entra em colapso. Nessas situações, poucos lucram (muito) e a maior parte da
sociedade perde.
Neste sentido, é
preciso dizer que os credores do governo não são apenas banqueiros de “fraque e
cartola” (esses também), mas a própria sociedade: 26,68% dos títulos da dívida
pública brasileira estão nas mãos de fundos investidores; 24,89%, com fundos de
previdência; 24,69%, com instituições financeiras; e o restante com
investidores estrangeiros e outros credores.
Assim, temos um
silogismo como desafio: para voltar a crescer e se desenvolver, o Brasil
precisa investir; para voltar a investir, precisa equacionar o seu problema
fiscal; para tanto, precisar promover reformas que levem à reestruturação do
Estado, tornando-o mais eficiente. E é neste contexto que se inserem as
reformas Administrativa e Tributária, ambas anunciadas para entrar em discussão
no Congresso neste mês, passado o “recesso” de Carnaval.
A Reforma
Administrativa deveria preceder a Reforma Tributária. Isso porque, se temos um
Estado que gasta em excesso e cujos gastos são de má qualidade, pois não
equacionam problemas sociais renitentes, não adianta alterar o sistema
tributário sem ter a exata noção de que como será o perfil de gastos da nova
máquina pública que emergirá da Reforma Administrativa. É certo que esta nova
máquina deve ter uma lógica orçamentária completamente diferente da de hoje:
deve implicar uma estrutura que tenha menor dispêndio com custeio e maior disponibilidade
de recursos para as áreas essências - educação, saúde, saneamento, mobilidade
urbana, infraestrutura, segurança. Em outras palavras, uma estrutura
administrativa pública em que o Estado finalmente deixe de ser um fim em si
mesmo - como a matriz constitucional involuntariamente acabou engendrando –
para se tornar o meio pelo qual a sociedade alcançará patamares mais elevados
de bem estar.
Em relação à Reforma
Tributária, já foi dito neste espaço que ela deve ser feita considerando sete
valores/parâmetros: 1. A simplificação do sistema; 2. A ênfase tributária na
renda e não na produção ou no consumo; 3. A defesa do princípio da não
cumulatividade; 4. O respeito à progressividade em oposição à regressividade;
5. A manutenção do pacto federativo; 6. O estímulo à produção e ao
desenvolvimento; e 7. A preservação da capacidade financeira do Estado. Como se percebe,
esses valores/parâmetros são potencialmente antitéticos entre si, e a sua
aplicação, como norteadores da reestruturação do sistema, dependerá do real
diagnóstico do Estado.
Reduzir carga
tributária, por exemplo, para desonerar o setor produtivo e estimular o
crescimento econômico, é, em tese, uma medida acertada, mas como fazer isso sem
destruir a capacidade financeira de um Estado já envolto em sérios problemas
orçamentários? É preciso, portanto, redimensionar o Estado, racionalizando seus
custos, o que faz da Reforma Administrativa pressuposto da Tributária, que
poderá ser feita de forma paulatina, por etapas, dada a sua complexidade. O
fato de o governo ainda não ter o seu próprio projeto de reforma do sistema tributário
pode, curiosamente, representar uma vantagem neste momento. Não é tarefa fácil o
que se tem pela frente, mas é a tarefa que se impõe ao Brasil este ano.
Por Nilson Mello*
(*advogado e
jornalista, pós-graduado em Economia e em Direito Financeiro e Tributário, é
sócio diretor da Meta Consultoria e Comunicação e do Ferreira de Mello
Advocacia)
[1]
Em
janeiro deste ano, as contas do governo tiveram superávit primário de R$ 44
bilhões, melhor resultado para este mês em 24 anos, o que confirma o esforço
fiscal empreendido.
[2]
Fonte: Observatório de Política Fiscal/FGV-Ibre
[3]
Dados de 2019 ainda não consolidados.
[4]
Dados FMI/FGV, 2018.
Ótima análise Nilson.
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