quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Artigo

O Rubicão é o limite





Presidente da República não deve convocar ou mesmo estimular manifestação popular contra um poder constituído. Configura ofensa à Constituição. O Congresso, eleito pelo povo, é soberano em suas decisões. Tem autonomia e deve ser respeitado pelo Executivo. Ao eleitor, nas urnas, caberá o julgamento de seu desempenho e de seus integrantes (senadores e deputados), se de acordo ou não com os verdadeiros interesses da sociedade.

Mas não é dado ao chefe do Executivo ou a seus auxiliares mais próximos o direito de apoiar uma manifestação contra o Legislativo, tampouco contra o Judiciário, representado pelo seu órgão de cúpula - o Supremo Tribunal Federal (STF).  No regime democrático, os três Poderes da República funcionam como freios e contrapesos entre si. Devem atuar de forma independente, porém, harmônica, o que pressupõe a permanente busca de diálogo, em especial sobre temas controversos que mobilizam a opinião pública. O Executivo não é o detentor da verdade absoluta.

Se a atitude de confronto se confirmasse, o presidente poderia incorrer em crime de responsabilidade, sujeitando-se a processo de impeachment. Os problemas do Brasil devem ser resolvidos por meio da política - por meio do processo político - e não contra a política. Dá muito trabalho, mas é a via mais segura. Porque o caminho contra a política, que a muitos agrada, de incitação da população contra um dos Poderes ou contra os seus integrantes, é o caminho do autoritarismo.

 Ainda que com apoio popular (e sempre começa assim), o caminho do autoritarismo é a pior alternativa, porque no presente pode atender a nossos interesses pontuais, mas amanhã pode ir contra todos os nossos interesses. Nunca é demais lembrar que democracia não é apenas a vontade da maioria, mas a vontade da maioria com respeito aos direitos da minoria.

O “Rubicão”[i] é o limite, não deve ser ultrapassado. Se Júlio César tinhas suas razões, o Senado estava no seu direito. Dois mil anos depois, não se pode aceitar um confronto deletério entre poderes, em que todos podem sair perdendo. O governo perderia, porque se tornaria inviável. Mas perderia principalmente o país, com o clima de instabilidade institucional e o comprometimento das importantes reformas em curso, imprescindíveis para a reestruturação da máquina pública e a retomada do desenvolvimento. O nosso Rubicão hoje é a Constituição, que delimita de forma clara o que os agentes públicos, em especial os chefes de Poderes, podem ou não fazer e dizer.
Por Nilson Mello



[i] Na volta da campanha de conquista da Gália (hoje os território da França, Bélgica e parte de Alemanha e Suíça), em 49 A/C, a qual deu início sem autorização dos senadores, Júlio César atravessou com suas legiões  o Rubicão, pequeno curso d’água ao Norte de Roma, o que era proibido por Lei, em atitude de confronto ao Senado, que lhe censurara, dando início assim  a uma guerra civil que se estenderia por alguns anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário