quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Comentário e Entrevista


A inflação é como uma gravidez


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Combate à inflação tem a ver com expectativas – e, por óbvio, com credibilidade. Agentes econômicos – pessoas e empresas – comportam-se no que se refere ao consumo e a outros aspectos da economia, como os investimentos, levando em conta o grau de confiança naqueles que detêm o comando da política econômica.

Ao contrário do que possa parecer, não se trata de mero impulso, mas de racionalidade. Porque credibilidade é algo que tem a ver com a razão – com ratio – e não apenas com a emoção. As ações e as omissões individuais que movimentam (ou não) a economia tornam-se ainda mais curiosas – e complexas – se observadas em conjunto.

A manifestação individual projeta-se na sociedade e ganha medida coletiva, comprovando que a Economia não é “apenas” uma Ciência Exata – é também uma área de conhecimento sob uma forte e direta influência da subjetividade.

Com os índices de inflação persistindo em patamares elevados, próximos a romper o que seria o teto da meta (em alguns índices, já acima de 6,5% no acumulado de 12 meses), é razoável questionar o que não deu certo, no governo Dilma Rousseff, no que diz respeito ao controle de preços.

 A pergunta ganha maior relevância se considerarmos que, na retórica (de palanque e de gabinete), o atual governo sempre foi categórico em afirmar que não seria complacente com a alta do custo de vida. O assunto chegou à campanha eleitoral, merecendo destaque em alguns debates, mas, sem, contudo, mobilizar totalmente a opinião pública.

Na entrevista abaixo, Salomão Quadros, um dos maiores especialistas em inflação do país, apresenta alguns diagnósticos para explicar a, digamos, ousada trajetória da inflação.  Recorre a John Maynard Keynes para lembrar que “uma pequena inflação é como uma pequena gravidez”. A gestação, via de regra, prossegue e aumenta.

Há 12 anos coordenador de índices de preços na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, onde foi professor de macroeconomia nos MBAs, há 30 um estudioso do assunto, autor de “Muito além dos índices – crônica, história e entrelinhas da inflação” (2008) e de uma infinidade de artigos publicados nos principais jornais do país, ele ressalta ainda que a estabilidade “resulta de um ambiente macroeconômico equilibrado” – o que já nos esclarece muita coisa. 

Abaixo, a íntegra da entrevista, que expressa a sua opinião, não necessariamente coincidente com a da FGV. Por Nilson Mello


ENTREVISTA SALOMÃO QUADROS

                                                               

Blog Meta Mensagem – A expectativa dos consumidores para a inflação nos próximos 12 meses, de acordo com a sondagem da Fundação Getúlio Vargas, é de alta de 7,2%.  Há uma clara expectativa inflacionária na sociedade.


Salomão Quadros – A taxa em 12 meses pelo IPCA está no teto do intervalo de tolerância da meta de inflação, que é de 6,5%. Está aí há três meses e aí deve permanecer pelo menos até o fim de setembro. Nos meses finais do ano, a taxa deve recuar ligeiramente, para algo perto de 6,3%. Ainda está pendente a decisão sobre o aumento da gasolina, que pode ser a repetição do que ocorreu em 2013. No ano passado, o aumento entrou em vigor em dezembro e o percentual autorizado de reajuste possivelmente foi calculado de modo a evitar que a inflação superasse a de 2012. Agora este cálculo precisa ser mais preciso porque o risco é de ultrapassagem do teto da meta. Esta longa consideração sobre o reajuste da gasolina mostra que o governo ainda se vale de mecanismos superados no combate à inflação, como o controle de preços.


BMM - Ao mesmo tempo em que o BC mantém a Selic em 11% ao ano, há menos de um mês o governo baixou medidas que dão novos estímulos ao crédito, além de promover novos impulsos fiscais. Você diria que essas são medidas contraditórias, que dificultam a política monetária (reduzindo o seu efeito) e que contribuem para a piora de expectativas econômicas, em especial quanto ao controle da inflação?


Salomão Quadros – Na política monetária, este ano os juros voltaram a subir, mas em 2012 eles haviam recuado para 7,25%, o equivalente a menos de 2% em termos reais. A política de hoje desestimula o consumo que a política de ontem estimulou. Normalmente, a política monetária, trabalha com uma visão de médio a longo prazos, e o objetivo é a convergência para o centro da meta (em países que adotam o sistema de metas de inflação). No Brasil, a inflação tem ficado sistematicamente acima do centro da meta e isto alimenta expectativas de taxas mais elevadas, dificultando o controle. Não devemos esquecer que a política fiscal, por ter sido expansionista, adiciona um viés inflacionário a este quadro.


BMM - Medidas anticíclicas (para estimular o crescimento em momentos de crise) devem ser sempre vistas com desconfiança, ou foi o governo que não soube agir dentro de parâmetros técnicos mais rigorosos, errando a receita ou a sua dose?


        Salomão Quadros - Medidas anticíclicas são legítimas e podem ser úteis para impedir que um país mergulhe numa recessão. Mas devem ser usadas com moderação, caso contrário caem em descrédito e podem gerar o efeito contrário ao desejado. O governo brasileiro seguiu políticas anticíclicas eficazes durante a crise de 2008 e, a partir de então, passou a lançar mão delas de maneira mais corriqueira. Vale lembrar que nem tudo se resolve com política anticíclica. Se uma pessoa tem medo de perder o emprego, ela não se endividará. Um estímulo creditício nestas circunstâncias terá efeito pouco relevante.


BMM - Em que medida a credibilidade (ou a falta dela) de um governo na condução da política econômica e do combate á inflação?


          Salomão Quadros - Credibilidade é o atributo daquilo em que se acredita, que é possível. Se um governo anuncia um objetivo, como o de conter a inflação, mas segue políticas incompatíveis com este objetivo, ele não desfruta de credibilidade e certamente não alcançará os resultados pretendidos. A credibilidade é construída, é um investimento que requer algum esforço e coerência ao longo do tempo. Como todo investimento, também oferece retorno. Um banco central que goze de grande credibilidade provavelmente controlará a inflação mais depressa e com menores custos em termos de juros altos e desemprego do que outro que não possua a mesma reputação. Neste caso, será preciso um esforço adicional para a construção de um grau mínimo de credibilidade. A independência é um mecanismo institucional que em muito contribui para a credibilidade do banco central e para a eficiência da política monetária. 


BMM – O governo continua a gastar muito, acima do que arrecada. Sem sequer entrarmos no mérito quanto à qualidade desses gastos, qual é o papel da política fiscal e, mais especificamente, qual a importância dos superávits primários na busca de uma economia estabilizada?


        Salomão Quadros – O superávit primário (o resultado das contas do governo excluídas as despesas com o pagamento de juros) é necessário para que o endividamento público não cresça. De outro modo, se o endividamento público for crescente, cresce o risco daqueles que financiam o governo, e aí se incluem não apenas os grandes investidores, mas também os pequenos poupadores que têm aplicações lastreadas em títulos públicos. Uma conta de juros alta requer superávits mais altos e assim por diante. Outro ponto que merece atenção é que o superávit fiscal deve ser sustentável. Não adianta muito se fazer um enorme esforço que depois seja revertido.


BMM – É possível combater inflação sem que se tenha uma política fiscal alinhada com a política monetária?


          Salomão Quadros – Quando a política fiscal se harmoniza com a monetária numa fase em que é preciso combater a inflação, os juros não precisam subir tanto. Uma política fiscal contracionista reduz a demanda e favorece o controle inflacionário.


BMM – O que o próximo governo, não importando o partido, e mesmo que seja o atual, reeleito, deve fazer para recolocar a inflação dentro da meta? E em quanto tempo isso pode ser feito?


        Salomão Quadros – Antes de voltar para o centro da meta, a inflação possivelmente se afastará dele por conta do necessário ajuste dos preços administrados. Mas este movimento é reversível. Vai requerer uma dose adicional de juros por um tempo razoável de modo a evitar que o choque provocado pelo ajuste dos administrados contamine o conjunto dos preços. Além disto, é importante que a política fiscal se torne menos expansiva. Mesmo que tudo isto aconteça, não veremos a inflação próxima do centro da meta antes de dois ou três anos.


BMM – Por fim, há crescimento sustentável sem estabilidade de preços?


          Salomão Quadros – A evidência histórica já demonstrou que a inflação controlada é uma condição necessária ainda que não suficiente para o crescimento de longo prazo. É possível compatibilizar inflação e baixo desemprego por algum tempo, mas, lembrando Keynes, uma pequena inflação é como uma pequena gravidez. É importante ressaltar que a estabilidade de preços não ocorre isolada e espontaneamente. Ela é decorrência de um ambiente macroeconômico equilibrado, resultado de políticas fiscal e monetária coerentes e harmonizadas, onde indivíduos, empresas e o próprio setor público possam por em prática o seu potencial de realizações econômicas.


FIM

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