quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Artigo


Por um (eventual) segundo mandato sem Mantega
 O vírus da economia é quase tão letal quanto o Ebola
 
Após a reunião de seu Comitê de Política Monetária, o Banco Central manteve ontem os juros básicos da economia em 11%. De acordo com a consultoria Trading Economics, o Brasil segue com uma das 20 maiores taxas de juro do planeta, ainda que o país esteja em recessão técnica, conforme dados recentemente divulgados.

Juro baixo é um estímulo à atividade econômica, razão pela qual, em regra, ele é reduzido quando a economia entra em marcha lenta – ou, sobretudo, quando beira uma estagnação. Juro muito elevado é um claro sintoma de que há algo de errado na economia, uma distorção a ser corrigida. Na verdade, como já comentado neste Blog, é sinal de doença ao mesmo tempo em que pode ser um remédio – ainda que paliativo.

No Brasil, o BC tem mantido o ciclo de alta da Selic (desde abril do ano passado) devido ao perigo maior de uma inflação completamente fora de controle. A previsão de inflação para os 12 próximos meses, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas, é de 7%, acima, portanto, daquilo que seria o teto da meta de 6,50% (veja bem, leitor, não estamos sequer falando mais da meta de 4,50%). A inflação elevada é uma das distorções da economia brasileira, que conduz a outras. É também efeito de outras mazelas.

Se o juro alto pode ser entendido como um remédio (ao mesmo tempo em que é sintoma), sua função é transitória porque, além de não atacar a verdadeira causa da doença, acaba por acarretar outros males ao paciente, se o tratamento se prolongar. Numa comparação livre, é como o sujeito que, submetido a muitas doses de morfina, para suportar a dor, acaba entorpecido e – ao menos temporariamente – incapacitado para a atividade produtiva.

Enfim, toda medicação tem efeito colateral.  No caso da inflação, o tratamento via política monetária (manutenção da taxa básica em ciclo de alta ou patamar elevado) é o que, na linguagem médica, equivaleria a um “tratamento de suporte” – ou seja, não ataca a causa da moléstia, mas mantém os sinais vitais do paciente, evitando o mal maior (morte ou hiperinflação).

Saber por que o Brasil tem convivido com uma inflação renitente ao mesmo tempo em que cresce pouco ou quase nada é um passo importante para sair da encruzilhada. Como conseguiu essa “proeza” macroeconômica é uma pergunta que o ministro Guido Mantega se esquiva de responder diretamente, terceirizando a culpa para a crise internacional.

Evidentemente, as dificuldades de crescimento aumentam na medida em que os juros, relativamente mais elevados, por necessidade terapêutica (a indispensável proteção da moeda) passam a ser um problema adicional – o efeito colateral da medicação. Mas certamente não foi a política monetária austera que deu origem ao problema, muito ao contrário.

Lá atrás, logo que assumiu o governo, a presidente Dilma Rousseff decidiu baixar a taxa de juros de maneira “voluntariosa”, ou seja, na marra, sem que houvesse um ambiente fiscal que garantisse o afrouxamento da política monetária sem riscos para a estabilidade. A ideia era fazer tudo o que não estava na cartilha de algo que era visto como ortodoxia econômica, a fim de se diferenciar do figurino liberal, ou “neoliberal”.

Estimulou-se o consumo, com ampliação das linhas de financiamento, e aumentaram-se os gastos públicos. A demanda pressionou o setor produtivo. Mas esse não conseguiu corresponder ao chamamento e aumentar a oferta de bens e serviços porque já estava de joelhos devido a uma série de gargalos de ordem estrutural (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos precários e ineficientes) e de ordem legal e regulatória, expressos por excesso de tributos e de burocracia. Preços continuamente maiores foram o resultado de mais demanda sem o correspondente crescimento da oferta.

Com perspectivas tão incertas, a credibilidade do governo e a confiança na economia foram igualmente abaladas. Os investimentos que seriam indispensáveis para aumentar a eficiência e a produtividade, contribuindo para a estabilidade, foram reduzidos ou permaneceram muito aquém do necessário face aos desafios do país.  

Neste cenário, portanto, já é uma alento ouvir a presidente e candidata à reeleição reconhecer (segundo os jornais desta quinta-feira 04) que há problemas (uau!) na economia e adiantar que mudará a sua equipe ministerial. O anúncio nos permite deduzir que as principais substituições dar-se-ão na esfera econômica – pois, por óbvio, é de onde partiram os erros fundamentais.

As fórmulas inventivas e experimentais adotadas nos últimos anos agiram como um vírus. A equipe do primeiro mandato de Dilma Rousseff foi quase tão letal para a economia quanto o Ebola. Por isso, estaremos livres de Guido Mantega num eventual segundo mandato? Não só dele, mas das “ideias revolucionárias” que ele representa e defendeu, por determinação de sua chefe? É o que se espera.
Por Nilson Mello

 

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