Subordinção
O Banco Central lida com as expectativas dos agentes econômicos. A sua credibilidade está, portanto, em grande parte atrelada à crença na sua autonomia. Sem ela, as ingerências políticas, quase sempre incompatíveis com critérios técnicos, inviabilizam a defesa da moeda e o correto controle da inflação.
Se os agentes econômicos percebem que o BC tem independência para gerir a política monetária, tendem a acreditar na sua capacidade de cumprir seus objetivos. Quando o BC passa a agir de acordo com o humor do governo, as dúvidas ressurgem, e com elas as expectativas negativas quanto à inflação.
O corte de 0,5% na taxa básica de juros, decidido na reunião desta quarta-feira (31) do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, corrobora com as dúvidas - não com a crença na capacidade da instituição.
Como na véspera a presidente Dilma Rousseff havia pedido a redução dos juros, a leitura que o mercado faz, neste momento, é que a relação de independência foi substituída pela de subordinação.
Está certo querer juros menores no Brasil. Mas eles não são causa, mas conseqüência - ou sintoma, ou ainda remédio amargo, conforme comentado na postagem de ontem. O que se deve combater com ênfase são as circunstâncias que levam a economia a precisar de uma taxa de juro elevada para conter a inflação.
Essas circunstâncias desfavoráveis são geradas pelos excessos de gastos e despesas governamentais. O próprio governo reconhece a sua “contribuição” para a “causa” quando decide economizar R$ 10 bilhões adicionais para o superávit fiscal, conforme anuncio desta semana. Ótimo.
Ao economizar mais está, indiretamente, criando um ambiente favorável à redução responsável dos juros, no momento em que critérios técnicos e independentes autorizarão a medida. Porém, a decisão do Copom, em ato-contínuo à fala da presidente, sem que essas condições favoráveis ainda estejam consolidadas, só contribui para aumentar as suspeitas quanto à real capacidade do governo e do BC enfrentarem a inflação.
Escapismo cínico
No Japão, país que preza a honra como valor basilar da sociedade, dirigentes de empresas, ministros e até chefes de governo se demitem ao menor sinal de que não cumpriram a missão para a qual foram designados. Lá, se esquivar de uma responsabilidade, atribuindo erros a terceiros, é algo inadmissível.
A comparação é inevitável no momento em que assistimos às autoridades que deveriam zelar pela segurança dos transportes públicos do Rio de Janeiro adotarem o cinismo sob o véu da súbita diligência em relação ao acidente com o bondinho no último fim de semana.
Cinco pessoas morreram e 57 ficaram feridas, mas o discurso oficial sai como pronto do escaninho burocrático, estabelecendo para um futuro indeterminado as explicações necessárias após a “apuração de todos os fatos”. Declarações que soam como insulto à inteligência do contribuinte, à dignidade da população.
Diligência atípica e sôfrega após fatalidades – prática recorrente no Rio de Janeiro – apenas escancara a negligência prévia.
A causa do acidente é óbvia: indiferença. Para dizer o mínimo. Fala-se em R$ 14 milhões “investidos” na manutenção dos bondinhos na atual gestão. Esse dinheiro pode ter ido para qualquer lugar, para qualquer bolso, menos para o destino certo.
Os bondinhos tornaram-se sucatas ambulantes, denunciando desleixo e irresponsabilidade. As reclamações reiteradas de moradores e usuários, sem qualquer resultado, só tornaram o acidente mais emblemático.
A tragédia estava anunciada. E não foi a primeira. Provavelmente não será a última.
Por Nilson Mello
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