Reconfiguração que pode ajudar os portos
(Este artigo foi publicado simultaneamente com o portal PortoGente)
As
crises econômicas, como a que enfrentamos neste momento, decorrente da pandemia
de Covid-19, costumam ser um celeiro de ideias, mas não necessariamente de boas
ideias. Isso porque emergência e urgência são potenciais inimigas do
planejamento. E nesses momentos surgem sempre os oportunistas, com suas ideias
inconsistentes. O alerta torna-se relevante, a fim de que, ao tentarmos
resolver obstáculos relacionados ao novo coronavírus, não criemos outros
desafios.
A
nossa longa tradição de dirigismo estatal, pródigo em puxadinhos legais”, que solucionam
questões pontuais, de caráter conjuntural, mas deixam, como efeito colateral,
uma nova leva de problemas estruturais (às vezes sem sequer equacionar os
anteriores), nos autoriza a fazer o alerta. Contudo, feita a ressalva, podemos
dizer que as medidas em gestação no Ministério da Infraestrutura visando a
atrair investidores para as concessões, a serem realizadas ainda este ano,
parecem, em princípio, oportunas.
Entre
as medidas, duas se destacam: a de permitir uma maior participação de “players”
financeiros nos leilões, ainda não detalhada, e a de autorizar o uso de
debêntures no financiamento de obras de infraestrutura. Como sabemos, debêntures
são títulos representativos de uma dívida, e como tal garantem a seus
detentores o direito de crédito contra a empresa emissora, com a vantagem de
poderem ser convertidas em ações. A reconfiguração exige mudança no marco
regulatório, via deliberação e aprovação de projeto no Congresso, algo que
começou a ser negociado esta semana.
Com
efeito, debêntures são um instrumento eficaz de financiamento dos projetos de
expansão do setor produtivo (e não por acaso, largamente utilizado durante a
Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII), com as vantagens de ter
custo bem mais baixo que as linhas de crédito do sistema financeiro e de
contribuir, no caso de conversão em ações, para a democratização e
desenvolvimento do mercado de capitais.
Na
verdade, dadas as vantagens do financiamento via debêntures, sem que grandes
desvantagens possam ser apontadas, custa-se a crer que o modelo ainda não
estivesse sendo adotado para as concessões há mais tempo, o que também nos
permite dizer que as crises, em que pese as adversidades, ensejam avanços. Com
os problemas de caixa enfrentados pelas empresas e as limitações orçamentárias
do Tesouro, ainda mais sobrecarregado pelas medidas emergenciais em função da
pandemia, o instrumento ganha importância ainda maior, ao lado da participação
de empresas financeiras nas licitações.
Um
cuidado especial seria recomendável no que toca a adoção, dentro do modelo, das
debêntures “incentivadas”, aquelas que permitem isenção tributária (IR e IOF,
por exemplo), a fim de não se agravar ainda mais a situação fiscal. Aliás,
incentivos fiscais estão entre aqueles “puxadinhos” que criaram mais problemas
que soluções na história recente do país. Portanto, é fundamental que o novo
modelo fique bem “desenhado”, apesar da urgência que se tem em sua
reconfiguração.
Do
correto “desenho”, com regras claras e transparentes, dependerá a efetiva
participação de investidores. As expectativas do governo em relação às
concessões são arrojadas: esperam-se investimentos da ordem de R$ 250 bilhões
em infraestrutura até 2022. Para que
este objetivo se confirme, quanto mais rápida for feita a nova configuração do
modelo, melhor, lembrando que a velocidade não pode comprometer a clareza.
Quanto
ao que toca especificamente os portos, 15 leilões de concessão já estão
programados até dezembro, sendo seis com editais previstos ainda para este mês.
Para aumentar a sua chance de sucesso, o ideal seria que esses leilões do setor
portuário também permitissem a maior participação de empresas financeiras e o
uso do “instrumento” debêntures, o que ainda não será possível neste início.
Com
nova previsão de retração no PIB brasileiro este ano, agora de 3,76% (algumas
consultorias apostam em 7% de queda!), de acordo com o último boletim Focus, do
Banco Central, é preciso esforço para encontrar razões para otimismo. As
concessões são uma delas, assim como as notícias que, apesar de tudo, chegam do
setor portuário. Após uma disputa judicial de sete meses, as novas obras de
dragagem em Santos foram finalmente autorizadas, devendo ter início em 15 dias,
ao custo de R$ 274,7 milhões.
O
porto paulista, por sinal, apresentou o melhor quadrimestre de sua história,
segundo sua direção, o que significa que os efeitos da crise só devem ser
percebidos a partir de abril. Aguardemos,
torcendo para que os números não sejam tão ruins e mantendo o foco no trabalho
e nas medidas que nos ajudem a superar a crise.
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