A julgar pelos seus recentes tuítes, o
presidente Jair Bolsonaro ainda não compreendeu a verdadeira dimensão do cargo
e de sua liturgia. Desperdiça tempo e energia quando o seu foco deveria estar
na tramitação e aprovação das reformas estruturantes que o país precisa - a
começar pela da Previdência - e a consequente retomada do crescimento econômico
em bases sustentáveis.
Tudo o que conseguiu fazer com o comentário
esdrúxulo sobre cenas de carnaval obtidas em sites de acesso restrito (para
dizer o mínimo) foi colocar munição nas mãos de seus adversários, gerando mais
incertezas quanto à sua capacidade de gerir um país complexo, com grandes
desafios a superar.
Decoro
De
qualquer forma, ao contrário do que muitos chegaram a ventilar - incluindo
juristas como Miguel Reale Jr. - não parece razoável querer usar o episódio
como causa para um processo de impeachment. Vale dizer que haveria falta de
decoro no caso de apologia à obscenidade, mas o que ocorreu foi justamente o
oposto: uma tentativa (por mais estabanada que tenha sido) de moralizar o Carnaval,
se é que isso é necessário ou possível, e realinhá-lo aos "bons
costumes", livre da degradação.
Capital político
A preocupação,
contudo, persiste. Junto com os seus filhos, igualmente afoitos nas
declarações, Jair Bolsonaro tem sido o maior inimigo de seu próprio governo.
Cria arestas onde não havia problema. Senão, vejamos: não satisfeito com a
derrapada sobre o Carnaval, voltou a errar ao anunciar que processaria o ator
Zé de Abreu, que, numa paródia da crise venezuelana, se autoproclamou
presidente do Brasil. Deu ao ator a publicidade que ele não merecia. Para
completar, ainda bateu boca com a atriz Daniela Mercury pelas redes sociais.
Comentários acessórios, sobre questões
secundárias, quando o país está prestes a decidir o seu futuro no Congresso,
geram insegurança e acarretam perda de confiança. Só servem para minar o seu
capital político, antes de decorridos 90 dias de governo.
Falso moralismo
Estava
claro que o público-alvo era o eleitorado "cativo", mas o presidente
não governa para uma parcela da população, e não está mais em campanha. Aqui o
adjetivo "cativo" ganha uma acepção propositalmente negativa, ou
seja, aquela minoria entre os que o elegeram que o apoiará não importa o que
fale ou faça. A postura é idêntica à adotada por petistas que foram (ou são)
incapazes de reconhecer os desvios dos governos Dilma e Lula.
Como
era de se esperar, a "tweetada" de Bolsonaro encontrou forte resposta
de seus adversários nas redes sociais. A reação, previsivelmente
desproporcional, tendo em vista a oportunidade política que o caso ensejou, ganhou contornos de falso moralismo com aroma de hipocrisia. Foi
assim que assistimos a ativistas sexuais, conhecidos por suas performances
explícitas, revelarem toda a sua "indignação" com as imagens postadas
pelo presidente.
Pensamento único
Ainda sobre os "cativos" referidos
acima, cabe dizer, são pessoas incapazes de entender que, sem crítica (e
autocrítica), não se corrigem erros, não se mudam práticas danosas. Diante dos
deslizes, preferem acusar a imprensa de perseguição - exatamente como faziam os
petistas -, quando deveriam cobrar do governo mudança de postura. Foi este tipo
de devoção cega um dos fatores que levaram o Brasil para a mais profunda e
longeva recessão econômica durante o governo Dilma - crise da qual ainda não
nos livramos. Quando se apontavam os erros na política econômica, a reação era
raivosa: contra a mídia, contra a classe média, contra a "elite",
contra os "neoliberais", contra o "seletivo" Judiciário...
A saudável divergência
Divergir
e permitir o debate plural é imprescindível para o aperfeiçoamento das
políticas públicas e das ações de Estado. Por isso chamou a atenção também por
esses dias a exoneração do embaixador Roberto de Almeida do cargo de presidente
do IPRI - Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, vinculado ao
Itamaraty, e o "desconvite" à cientista política Ilona Szabó, que
havia sido indicada pelo ministro Sergio Moro para suplente do Conselho de
Políticas Criminais e Penitenciárias do Ministério da Justiça.
Roberto
Almeida publicara em seu Blog pessoal artigos do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e do embaixador Rubens Ricupero com críticas à atual política
externa brasileira. Junto com esses textos divergentes, publicara também artigo
do chanceler Ernesto Araújo, defendendo a atual orientação da pasta. Já Ilona
Szabó tinha posições contrárias à política de armamento, uma das plataformas do
governo.
Ocorre
que os cargos de ambos não eram de execução de política de governo. O IPRI é um
órgão de pesquisas, como o próprio nome diz, e quanto maior será sua
contribuição para que estudos consistentes sobre relações exteriores sejam
desenvolvidos quanto maior for a sua pluralidade e independência.
Da
mesma forma, o Conselho para o qual Ilona Szabó havia sido designada como
suplente é órgão consultivo, e por essa razão quanto mais diversificados forem
os pareceres de seus integrantes, bem como o debate entre eles, mais
enriquecedoras serão as contribuições para o Ministério da Justiça.
O
pensamento único leva todo governo à repetição de erros. Saliente-se: os cargos
em questão não eram de execução direta das respectivas pastas, mas, sim, de direção
de pesquisas e de aconselhamento.
A marcha da insensatez
Por
fim, mas não menos importante, cabe aqui um último comentário sobre os assuntos
políticos que dominaram o período de Carnaval. A saída de um condenado da
prisão para acompanhar o velório de um parente é um ato legal, além de
humanitário. Seja o condenado quem for, e não sendo relevante, em termos
políticos, o efeito colateral da medida.
Assim a ideia de impedir o ex-presidente Lula de acompanhar o
velório do neto, sob qualquer justificativa, seria de uma crueldade sem
precedentes.
O deputado Eduardo Bolsonaro, que se posicionou veementemente contra a medida nas redes sociais, precisa entender que a pena a ser imposta a um condenado é aquela prevista em Lei para os crimes que praticou e estabelecida em sentença. Tudo o que vai além disso é desumano e, portanto, inadmissível.
O deputado Eduardo Bolsonaro, que se posicionou veementemente contra a medida nas redes sociais, precisa entender que a pena a ser imposta a um condenado é aquela prevista em Lei para os crimes que praticou e estabelecida em sentença. Tudo o que vai além disso é desumano e, portanto, inadmissível.
Em
outras palavras, por mais que odeie o presidente Lula, os céus não poderão
desabar sobre a sua cabeça e não tem sentido, por inócuo, desejar que arda no fogo
eterno. O que cabe ao ex-presidente, em termos de condenação, a Justiça vai
decidir, como já tem decidido.
Portanto,
ao criticar a saída do ex-presidente da prisão por motivo justificável, Eduardo
Bolsonaro deixou passar nova uma oportunidade de ficar calado. Sendo filho do
presidente da República, uma razão a mais para não se pronunciar sobre assunto
politicamente sensível, não diretamente relacionado ao seu mandato de deputado.
Provavelmente,
temia uma comoção em torno de Lula no velório, com desgaste para o governo. Não
percebeu que o desgaste político maior seria impedi-lo de sair - até porque a
Lei garante ao preso este direito (Lei de Execuções Penas, art. 120, inciso I).
Deu argumentos à "vitimização", esquecendo-se, talvez, que o papel de
"mito" não é exclusividade do atual presidente.
A
reação também veio do público, nas redes sociais. Num espasmo de mesquinharia,
não admitiam que o governo custeasse ("com o nosso dinheiro") o
transporte e a escolta do ex-presidente. Mas, quando um preso se desloca por
razões legalmente justificáveis, quem arca com os custos é mesmo o Estado, e
assim deve ser. Como bem lembrou a juíza Gabriela Hardt, quem já viu o
transporte do traficante Marcola sabe que é idêntico ao de Lula, cercado de
policiais, com escolta bem armada e transporte bancado pelo erário. Nem mais nem menos.
Por
Nilson Mello
Nosso presidente deveria falar apenas através de uma Assessoria de Imprensa e nunca escrever nada em redes sociais. Falta bom senso, discernimento e "um pouco de malandragem", como diria Cassia Eller
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