sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Artigo

A apropriação indébita na politica

Winston Churchill e Getúlio Vargas

           A presidente Dilma Rousseff pouco foi vista no decorrer deste difícil mês de janeiro em que o país enfrentou uma série de reveses em diferentes áreas e a sua nova equipe econômica estruturava as primeiras medidas na tentativa de corrigir erros do primeiro mandato e resgatar a credibilidade do governo e a confiança na economia.
Ainda que nenhum dos percalços do momento - entre os quais figuram um apagão, crescentes problemas com a maior estatal do país em função da corrupção, crise hídrica, escalada da violência urbana e novos indicadores adversos na economia - pudesse ser atribuído ao seu governo ou ao seu partido, o que, convenhamos, não é o caso, pronunciar-se sobre essas matérias, mostrando-se solidária com a população, teria sido uma demonstração de grandeza.
Uma das características que distinguem os estadistas dos governantes comuns é a capacidade de identificar o momento certo para se pronunciar, ainda que na adversidade, enfrentando a verdade. Ao assumir o cargo de primeiro-ministro, em 1940, quando a Inglaterra e o Reino Unido viviam um de seus momentos mais críticos na Segunda Guerra, Winston Churchill afirmou que só poderia prometer “sangue e trabalho, suor e lágrimas”.
Pode-se até não gostar de Churchill, identificado com o conservadorismo e o colonialismo britânicos, mas não se pode deixar de louvar a sua franqueza. Raposa politica, líder e estadista incontestável, Getúlio Vargas, contudo, adotava tática contrária. Deposto da Presidência e eleito senador, licenciava-se e escondia-se na fazenda Itu, em São Borja, sempre que enfrentava dificuldades, e aguardava o momento mais favorável para reaparecer. Seria a postura esquiva um traço do populismo brasileiro?
O marketing político de hoje recomenda ao governante que se distancie da realidade sempre que ela é dura, como a de nossos dias, a fim de que sua imagem não se associe ao fracasso. Tudo muito conveniente. Quem tiver informação e espírito crítico suficientes poderá registrar a omissão, mas para um grande contingente de pessoas (pouco mais da metade do universo de eleitores na última eleição?), a propaganda oficial dará conta de mostrar que tudo vai bem.
No caso presente, a ausência de esclarecimentos à sociedade (e nem falemos aqui em pedidos de desculpas) foi facilitada pelos dias de férias da presidente no retiro da Base Naval de Aratu, na Bahia, a salvo de eventuais cobranças, distante do noticiário. Luiz Inácio Lula da Silva foi um mestre na arte de descolar sua imagem dos problemas que o seu governo pariu e das bobagens que os seus aliados – os “aloprados” – cometeram. A criatura (a definição é do próprio Lula) tenta seguir os passos do criador.
O retorno à rotina de trabalho e ao contato com a realidade (?) ocorreu nesta terça-feira 27, na primeira reunião oficial de seu gabinete, composto por 39 ministros. Para muitos deles (e delas), o encontro terá sido, até o fim do governo, a única ocasião de acesso direto – embora não exclusivo e reservado - à “chefe”. Contraproducente, ineficiente e dispendioso?
O contato rarefeito entre a “comandante” e os seus “comandados”, a exemplo do que ocorreu no primeiro mandato, resultará não apenas da configuração opulenta do primeiro escalão – inflado para acomodar interesses político-partidários - como do estilo autossuficiente de  governar sem ouvir a opinião de auxiliares ou as ignorando, uma marca registrada da presidente, segundo se noticia.
O Ministério inchado, contudo, já se revela, neste início de segundo mandato, improdutivo naquilo que seria, em tese, a sua missão. Se a sua razão de ser (na verdade, a única de caráter prático, embora imoral) é servir de instrumento para ampliar a representatividade da base aliada, e com isso azeitar as relações do Executivo com o Congresso, facilitando-lhe a aprovação das matérias de interesse, algo já saiu errado.
Nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado, neste domingo, as chances de derrota do governo são reais. E, mesmo que seus candidatos saiam vitoriosos, tudo indica que as relações com o Legislativo e a classe política serão tensas. Para quem precisa tomar medidas impopulares para corrigir erros e reconquistar credibilidade, o início não parece nada bom. Vitorioso nas urnas, o governo Dilma segue estabanado no trato político.
No discurso para os seus sorridentes 39 ministros na terça-feira, a presidente afirmou, com a pompa que o marketing político recomenda, em meio às notícias que davam conta do apagão e dos efeitos devastadores da corrupção na Petrobras, que o seu “governo jamais descuidou da inflação”, que “estamos diante da necessidade de promover um reequilíbrio fiscal para recuperar o crescimento da economia o mais rápido possível” e que “tomamos algumas medidas que têm caráter corretivo, ou seja, são medidas estruturais que se mostram necessárias.”
Estelionato eleitoral é dizer uma coisa para se eleger, sabendo que é farsa, e fazer outra ao ser eleito. A apropriação indébita, no campo das ideias e ações políticas, pode ser definida como a prática de adotar o projeto de governo do oponente (aquele mesmo que deplorou ao longo de uma campanha falaciosa), sem lhe dar crédito ou reconhecer razão. Com a agravante de não admitir que governou durante quatro anos cometendo os erros que levam, agora, à imposição, irrecorrível, de medidas ainda mais austeras. 
     Este é o retrato do primeiro mês de 2015. Há razões para otimismo?

     Por Nilson Mello




quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Em tempo

O economista Marcos Poggi faz lúcida reflexão sobre o momento politico:

          "Depois da bela e empolgante campanha empreendida no segundo turno das eleições presidenciais do ano passado, ficamos muito frustrados com o resultado das urnas. Mas, agora, pensando friamente, talvez tenha sido melhor, ou menos pior, assim. Porque, o ajuste fiscal, decorrente da heterodoxia (vamos, educadamente, chamar assim) da política econômica do primeiro mandato da presidente Dilma, teria que ser enfrentado de qualquer maneira. Sob pena, caso não fosse feito (e caso não seja levado a cabo), do completo esfacelamento da nossa economia. Melhor que essa tarefa esteja sendo (ainda que a contragosto) tocada (até quando?) pelo governo petista. Porque, se o Aécio ganhasse, anunciado o ajuste, o PT iria deitar e rolar. No mínimo, iam dizer: “Vocês não votaram no Aécio? Nós bem que avisamos: taí a política neoliberal do tucanos. Agora agüentem”. E por aí afora. Como acaba de ser, mais uma vez, comprovado com a vitória do Syriza na Grécia, a não ser talvez em países com elevadíssimos níveis de consciência política, em geral, o povo tem horror a políticas de austeridade. É , de fato, muito difícil para o eleitor identificar e reconhecer os bons efeitos de longo prazo de um governo responsável. Se o PSDB tivesse ganhado a eleição, possivelmente, nunca mais se aprumaria no Brasil. E, em 2018, assistiríamos à volta triunfal de Luiz Inácio ao poder. Luiz Inácio sim, porque, se o sangue pode não ser, o fígado do homem é bom. Resiste a tudo e a todos. Certamente, ele chegaria lá firme e forte. E se, por acaso, não chegasse, outro, ainda pior do que ele, chegaria. Sabe-se lá com que desfecho posterior".

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Artigo


Joaquim e o custo do emprego
Ministro Pepe Vargas promote defender interesses do governo


     A necessidade de retomar o equilíbrio fiscal, após o desmanche nas contas públicas operado no primeiro mandato de Dilma Rousseff, é tão urgente que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, começa a pensar em atalhos para alcançar o objetivo. 
Comenta-se que a nova equipe econômica deparou-se com um quadro ainda mais deteriorado do que supunha e vem se surpreendendo diariamente com as arrojadas manobras feitas pelo governo nos últimos anos.
As “pedaladas” contribuíram para derrubar a credibilidade da política fiscal, atingiram os bancos oficiais e agora estão sob a mira do TCU. 
Descobriu-se recentemente (jornal O Estado de S. Paulo) que, na alquimia da “maquiagem”, o Tesouro engordava o caixa de forma fictícia retendo repasses obrigatórios aos bancos federais, em especial à Caixa, o que os impedia de fazer frente a programas como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Uma ilegalidade grosseira gerando distorções em cadeia.
Muito bem, como nada nas contas públicas era exatamente o que parecia ser e, tendo em vista que o crescimento da economia este ano (previsão de 0,4% de avanço do PIB) será igualmente medíocre, por força de uma condução macroeconômica desastrada, o que elimina a possibilidade de aumento natural da arrecadação, era esperado que houvesse elevação de tributação para tapar os rombos.
 Antes mesmo da posse se falava numa reativação da Cide, a contribuição que incide sobre os combustíveis (ver artigo de 17 de novembro neste Blog acessando a Pesquisa na barra lateral à direita), assim como o fim de uma série de desonerações, sobretudo de IPI.
Mas eis que Joaquim Levy – talvez assustado com a realidade com a qual se deparou – acenou esta semana com a possibilidade de aumentar a tributação sobre os prestadores de serviços, assinalando que muitos atuam como pessoas jurídicas, mas são, na verdade, empregados disfarçados.
“Há uma discrepância entre os assalariados com carteira assinada, que recolhem IR com alíquotas de 7% a 27,5%, e parte dos prestadores de serviços que atuam como pessoas jurídicas e pagam cerca de 4%”, afirmou, acrescentando que pretende encaminhar ao Congresso um projeto de lei ainda este ano aumentando o IR deste segmento.
Não é bem assim: pessoas jurídicas do setor de serviços chegam a pagar mais de 16% de IR, mesmo aquelas que se enquadram no regime “diferenciado” do Supersimples. Além disso, um aumento poderá até eliminar os assalariados disfarçados de empresários, como pretende o ministro da Fazenda, mas punirá as verdadeiras empresas de serviços, já apertadas pela sanha arrecadadora do Estado. Mais uma distorção?
De qualquer forma, o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, se alinhou com a proposta da Fazenda e, como bom soldado, avisou que “defenderá os interesses do governo no Congresso” fazendo aprovar o projeto. Não são os interesses da sociedade que deveriam ser defendidos?
Compreende-se a angústia de Joaquim Levy. Mas o foco da discussão tem que ser alterado. Uma economia que enfrenta (o verbo não pode ser outro) uma carga tributária superior a 36% do PIB não deve suportar mais tributação, sobretudo num momento em que tenta se recuperar. A reativação da Cide e o fim das desonerações até se admite, diante do quadro emergencial, mas aumento linear de impostos sobre um segmento só tende a gerar mais informalidade e evasão.
Espera-se o dia em que um governo corajoso trocará medidas imediatistas por uma reforma ampla que não apenas reduza a carga tributária como garanta racionalidade ao sistema. Diminuir a incidência de tributos sobre a produção e o consumo e simplificar normas parecem ser mudanças óbvias - estímulos sustentáveis à atividade econômica, em círculo virtuoso.
Outra medida indispensável seria tornar o emprego mais barato via redução significativa dos encargos que incidem sobre a folha. O custo do salário não pode continuar a ser mais de 100% de seu valor, como ocorre hoje. Embora saibamos que nenhum governo populista tomará tal iniciativa, não custa apontar o caminho, ao menos para enriquecer o debate. 
Dados da Receita Federal, com base nas declarações de renda de 2010, revelam, segundo o especialista José Paulo Kupfer, que o Brasil se tornou uma nação de “empresários” uma vez que sócios de pessoas jurídicas e autônomos somam 31% mais do que os assalariados no setor privado. Distorção que decorre do alto custo do emprego. Trata-se de uma questão de sobrevivência tanto para o empregador quanto para o empregado.
Vamos enfrentar o problema, ministro, ou o deixaremos para um próximo governo?
 Por Nilson Mello