A
apropriação indébita na politica
Winston Churchill e Getúlio Vargas
A presidente Dilma Rousseff pouco
foi vista no decorrer deste difícil mês de janeiro em que o país enfrentou uma
série de reveses em diferentes áreas e a sua nova equipe econômica estruturava
as primeiras medidas na tentativa de corrigir erros do primeiro mandato e
resgatar a credibilidade do governo e a confiança na economia.
Ainda que
nenhum dos percalços do momento - entre os quais figuram um apagão, crescentes
problemas com a maior estatal do país em função da corrupção, crise hídrica,
escalada da violência urbana e novos indicadores adversos na economia - pudesse
ser atribuído ao seu governo ou ao seu partido, o que, convenhamos, não é o
caso, pronunciar-se sobre essas matérias, mostrando-se solidária com a
população, teria sido uma demonstração de grandeza.
Uma das
características que distinguem os estadistas dos governantes comuns é a
capacidade de identificar o momento certo para se pronunciar, ainda que na
adversidade, enfrentando a verdade. Ao assumir o cargo de primeiro-ministro, em
1940, quando a Inglaterra e o Reino Unido viviam um de seus momentos mais
críticos na Segunda Guerra, Winston Churchill afirmou que só poderia prometer
“sangue e trabalho, suor e lágrimas”.
Pode-se
até não gostar de Churchill, identificado com o conservadorismo e o
colonialismo britânicos, mas não se pode deixar de louvar a sua franqueza.
Raposa politica, líder e estadista incontestável, Getúlio Vargas, contudo,
adotava tática contrária. Deposto da Presidência e eleito senador,
licenciava-se e escondia-se na fazenda Itu, em São Borja, sempre que enfrentava
dificuldades, e aguardava o momento mais favorável para reaparecer. Seria a
postura esquiva um traço do populismo brasileiro?
O
marketing político de hoje recomenda ao governante que se distancie da
realidade sempre que ela é dura, como a de nossos dias, a fim de que sua imagem
não se associe ao fracasso. Tudo muito conveniente. Quem tiver informação e
espírito crítico suficientes poderá registrar a omissão, mas para um grande
contingente de pessoas (pouco mais da metade do universo de eleitores na última
eleição?), a propaganda oficial dará conta de mostrar que tudo vai bem.
No caso
presente, a ausência de esclarecimentos à sociedade (e nem falemos aqui em pedidos
de desculpas) foi facilitada pelos dias de férias da presidente no retiro da
Base Naval de Aratu, na Bahia, a salvo de eventuais cobranças, distante do
noticiário. Luiz Inácio Lula da Silva foi um mestre na arte de descolar sua
imagem dos problemas que o seu governo pariu e das bobagens que os seus aliados
– os “aloprados” – cometeram. A criatura (a definição é do próprio Lula) tenta
seguir os passos do criador.
O retorno
à rotina de trabalho e ao contato com a realidade (?) ocorreu nesta terça-feira
27, na primeira reunião oficial de seu gabinete, composto por 39 ministros.
Para muitos deles (e delas), o encontro terá sido, até o fim do governo, a
única ocasião de acesso direto – embora não exclusivo e reservado - à “chefe”.
Contraproducente, ineficiente e dispendioso?
O contato
rarefeito entre a “comandante” e os seus “comandados”, a exemplo do que ocorreu
no primeiro mandato, resultará não apenas da configuração opulenta do primeiro
escalão – inflado para acomodar interesses político-partidários - como do
estilo autossuficiente de governar sem ouvir a opinião de
auxiliares ou as ignorando, uma marca registrada da presidente, segundo se
noticia.
O
Ministério inchado, contudo, já se revela, neste início de segundo mandato,
improdutivo naquilo que seria, em tese, a sua missão. Se a sua razão de ser (na
verdade, a única de caráter prático, embora imoral) é servir de instrumento
para ampliar a representatividade da base aliada, e com isso azeitar as
relações do Executivo com o Congresso, facilitando-lhe a aprovação das matérias
de interesse, algo já saiu errado.
Nas
eleições para as presidências da Câmara e do Senado, neste domingo, as chances
de derrota do governo são reais. E, mesmo que seus candidatos saiam
vitoriosos, tudo indica que as relações com o Legislativo e a classe política
serão tensas. Para quem precisa tomar medidas impopulares para corrigir erros e
reconquistar credibilidade, o início não parece nada bom. Vitorioso nas urnas, o governo Dilma segue estabanado no
trato político.
No
discurso para os seus sorridentes 39 ministros na terça-feira, a presidente
afirmou, com a pompa que o marketing político recomenda, em meio
às notícias que davam conta do apagão e dos efeitos devastadores da corrupção
na Petrobras, que o seu “governo jamais descuidou da inflação”, que “estamos
diante da necessidade de promover um reequilíbrio fiscal para recuperar o
crescimento da economia o mais rápido possível” e que “tomamos algumas medidas
que têm caráter corretivo, ou seja, são medidas estruturais que se mostram
necessárias.”
Estelionato
eleitoral é dizer uma coisa para se eleger, sabendo que é farsa, e fazer outra
ao ser eleito. A apropriação indébita, no campo das ideias e ações políticas, pode ser
definida como a prática de adotar o projeto de governo do oponente (aquele
mesmo que deplorou ao longo de uma campanha falaciosa), sem lhe dar crédito ou reconhecer razão. Com a agravante de não admitir que governou durante quatro anos cometendo os
erros que levam, agora, à imposição, irrecorrível, de medidas ainda mais austeras.
Este é o retrato do
primeiro mês de 2015. Há razões para otimismo?
Por Nilson Mello