sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Artigo

O "market fundamentalism”

Joseph Stiglitz


     Os “banqueiros desregulados” - escreveu recentemente o Nobel de Economia Joseph Stiglitz - são os responsáveis diretos pela crise financeira que sacode o mundo desde 2008. Mas os banqueiros não estariam “desregulados” se governos demagógicos e irresponsáveis não usassem impulsos fiscais para forjar crescimento econômico.
     Os banqueiros, longe de serem vítimas, seriam os responsáveis mediatos. Cúmplices sorrateiros, talvez. Professor de Columbia University, Stiglitz é o maior crítico dos chamados economistas de mercado, a quem ironicamente chama de “market fundamentalists”, em depreciativa alusão ao radicalismo religioso.
A crise agora entrou em sua segunda etapa com a derrocada de economias periféricas da Zona do Euro. Esse aglomerado de países compartilha uma moeda, mas não políticas fiscais uniformes que poderiam garantir estabilidade às suas economias. Alemanha é boa gestora. Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda etc, não. Seus “governos desregulados” chamaram os bancos para a farra e agora a conta não tem como ser paga.
Não é tarefa simples discordar dos economistas - sobretudo de um Nobel da Economia. Mas o fato é que a origem do desregramento está no Poder Público. Está nos estímulos “para-fiscais” à economia, na estruturação de sistemas de benefícios não compatíveis com a geração de renda, na concessão de garantias sem lastro na produtividade e na eficiência, nas políticas de crédito fácil.
Portanto, seriam justamente os fundamentalistas de mercado quem tem razão quando preconizam menos intervenção do Estado nas relações econômicas. Um “market fundamentalist” legítimo teria se oposto à farra hipotecária promovida pelo governo americano por meio das agências de crédito imobiliário Fannie Mac e Faddie Mae – agências, por sinal, controladas pelo governo americano.
Se as regras de mercado, preconizadas pelos “xiitas”, tivessem sido respeitadas, a bolha certamente não teria estourado. Ou surgido. No caso dos periféricos europeus, o Estado de amplos benefícios, onde se trabalha pouco, mas com retorno certo, engendrou uma economia insustentável no longo prazo, com déficits fiscais impagáveis. Obviamente, os “market fundamentalists” jamais concordariam com ambiente de tamanha frouxidão. Deu no que deu.
Na Espanha, simplesmente não há mais emprego. Fecho com o fundamentalismo de mercado: quanto menos regulação e encargos, quanto menor a intervenção de caráter social, maior será o espaço ao empreendedorismo, e consequentemente maior será a oferta de empregos.
Nos Estados Unidos, um presidente eleito pelo que lá se considerada a “esquerda” enfrenta o desafio de levar o país de volta à austeridade fiscal – projeto geralmente associado à direita política. Uma ironia não fosse a gravidade da situação. Aliás, uma “direita política” que inflou a bolha hipotecária quando no governo. E depois promoveu aumentos incessantes dos gastos de Defesa, deixando a conta para o sucessor. Podemos repetir a George W. Bush: “era a economia, estúpido!”
Um defensor do “livre mercado” está pouco se importando se o governo se auto-intitula de direita ou de esquerda. Ele só pede que o governo não gaste mais do que a sociedade é capaz de produzir. Ele não está preocupado com ideologia, mas com eficiência.
No que diz respeito aos europeus, já é possível prever uma fragmentação da Zona do Euro, com a saída dos “irresponsáveis” periféricos. E o enquadramento dos que ficarem. Um mundo onde os direitos e benefícios sociais são amplos e irrestritos, enquanto não há cobrança quanto aos deveres, parece não ser mais factível. Eis o legado da crise. Mas ainda é possível buscar o bem estar material com base nos critérios de mérito e eficiência. O pressuposto é um Estado responsável, zeloso dos recursos que a sociedade é capaz de gerar (tributos), e voltado para tarefas básicas, como a Educação. O Estado é, sim, indispensável. Mas não fazendo besteira.
Estamos no caminho no Brasil? 

Por Nilson Mello

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