A democracia, por si só, não é um antídoto à corrupção, conforme nos tem provado, em lamentável repetição, o quotidiano político. A constatação é perturbadora tanto quanto é perturbador reconhecer que ditaduras, por pior que sejam - e todas elas são ruins, pois contrárias à liberdade – são capazes de deixar o seu legado. (Por conveniente, evitemos exemplos).
O Estado brasileiro, formalmente democratizado, mas simbioticamente ligado à corrupção, não foi capaz de garantir à sociedade que o respalda avanços significativos em educação, saúde, e segurança pública, áreas em que o papel do Poder Público é primordial - e talvez por isso mesmo viceje na corrupção.
O fracasso parcial de nossa democracia embute um risco ponderável. Lideranças aventureiras, ancoradas no populismo, estarão sempre prontas a “colocar as coisas nos eixos”. Desnecessário dizer que o risco será quanto maior quanto menor for o nível educacional do eleitorado. O eleitor brasileiro é instruído?
A propósito da digressão, lembro-me de recente conversa, durante um café entre amigos, em que o assunto era a renitente desigualdade e a falta de oportunidades no Brasil para assalariados de baixo nível de escolaridade, pessoas condenadas a uma vida duríssima sem qualquer perspectiva real de melhora de patamar.
Uma jovem e simpática garçonete que levava três horas de casa ao emprego, onde nos servia o café (e outras três para voltar à noite), foi a motivação do debate informal. O que ela poderia fazer daqui a dez anos a não ser servir café em uma rotina extenuante, que começa antes das 5 horas da manhã?
Um dos presentes decretou que a democracia não serve para algumas sociedades, e que por isso não estaria dando certo no Brasil. A ideia subjacente é que seria possível escolher uma ditadura que resolvesse alguns problemas crônicos – como a corrupção, as deficiências do ensino e a grande distância entre casa e trabalho que a maioria dos brasileiros é obrigada a cumprir sem transporte adequado (para ficarmos em poucos exemplos).
Ora, mas quem vai escolher essa ditadura do “bem” (com perdão da contradição em termos)? Quem vai definir em que medida, e contra quem, o “regime” pode ou não ser autoritário? Outro episódio me veio à memória. Em debate há cerca de cinco anos numa universidade (?) carioca, uma professora, mediadora do encontro, também sentenciou: essa democracia brasileira não dá certo!
Na verdade, nada há de errado com a democracia brasileira. Formalmente, nada de errado. Os problemas brasileiros, nossos vícios, não são consequência do regime que adotamos. O amigo do café, ao aludir a uma ditadura salvadora (novamente, com licença para a contradição em termos), foi formalmente aristotélico.
Como sabemos, para estruturar suas ideias no campo da filosofia política, Aristóteles, quase quatro séculos antes de Cristo, estudou 158 constituições de seu tempo e de um passado ainda mais remoto para deduzir que, na essência, apenas três formas de governo seriam possíveis, em qualquer Estado.
Seriam elas: a democracia (o governo de todos), a aristocracia (o governo de poucos) e a monarquia (o governo de um só). Tais formas não são intrinsecamente boas ou ruins, mas quando os interesses “particulares, subjetivos e egoístas” se sobrepõem aos interesses da coletividade, elas degeneram: a monarquia transforma-se em tirania, a aristocracia perde-se na oligarquia e a democracia avilta-se em demagogia.
Sem dúvida, há nítidos sinais de degeneração na democracia brasileira. O problema não é formal, ou seja, não diz respeito às regras institucionais, ainda que elas possam ser aperfeiçoadas. O problema é de Matriz. Seria preciso melhorar a sociedade que deu origem a essa democracia. Seria preciso romper o círculo vicioso representado por ensino de má qualidade - sociedade de má qualidade - democracia em processo degenerativo.
Nada garante que uma ditadura faria isso (na verdade, jamais fizeram). Então, continuemos a insistir em nossa democracia imperfeita. O processo de depuração será longo, mas não há alternativa melhor.
Nilson Mello
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