terça-feira, 23 de junho de 2015

Artigo

Tempos difíceis

Lula: O PT só quer saber de cargo público

     Em parte condicionado ao êxito do ajuste fiscal que o governo tenta levar adiante, em meio a conflitos de caráter fisiológico com o Congresso, o combate à inflação nos coloca diante de uma certeza, uma dúvida e alguns paradoxos. A certeza, que por si só embute um aspecto dramático, é a de que a negligência no passado tornou o custo deste combate muito mais alto no presente.
     A prova está no fato de o Banco Central ter promovido em sua última reunião do dia 3 a sexta alta consecutiva da taxa básica de juros (Selic), para 13,75%, justamente porque, apesar do aperto monetário que vem sendo empreendido há algum tempo, o retorno à estabilidade permanece um objetivo distante. A inflação resiste, e em meio à recessão.
     Nos últimos 12 meses o IPCA (índice oficial, medido pelo IBGE) chegou 8,47%, bem acima do centro da meta, de 4,5%. A equipe econômica mantém a previsão de alcançá-la em 2016, mas o mercado não considera a meta exequível antes de 2017 - talvez somente em 2019. Para este ano, o governo aposta em índice de 7,9%, mais "comportado" do que o acumulado nos últimos 12 meses, ainda assim muito alto.
     A forte elevação dos juros impôs-se, em certo momento, para evitar uma espiral inflacionária (com indexação generalizada da economia...), de efeitos devastadores, e também, agora, é necessária como precondição para que a economia possa reencontrar, em médio prazo ao menos, uma trajetória de crescimento sustentável, alinhada à produtividade.
     A aposta equivocada na expansão do consumo como indutor do crescimento, sem lastro na produtividade, feita durante o primeiro mandato, foi um dos fatores da forte pressão de demanda sobre a oferta que gerou a alta de preços, ora objeto da dura correção.
     Nunca é demais lembrar que a população de baixa renda é a mais atingida pelo custo de vida, porque é ela obviamente a parcela que mais perde poder de compra com o "imposto inflacionário". E isso talvez seja a principal explicação para o fato de o índice de rejeição do governo ter chegado a 65%, conforme pesquisa divulgada na semana passada, patamar negativo só superado por Collor de Mello (68%), às vésperas da abertura do processo de impeachment.
     O aperto monetário agrava a retração econômica, com efeito sobre o mercado de trabalho. Números divulgados na semana passada pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 8% no primeiro trimestre do ano, a maior desde 2012. E este é um dos paradoxos. O outro é que, com recessão, a arrecadação cai.
     Juros mais elevados pressionam a dívida pública, encarecendo o financiamento do Tesouro e dificultando ainda mais a busca do equilíbrio fiscal, a despeito de todas as medidas previstas no ajuste. De abril para maio, a dívida pública aumentou 1,83%, somando R$ 2,4 trilhões, com previsão de chegar a R$ 2,6 trilhões ao término do ano.
     A inflação tem relação direta com expectativas. A dúvida mencionada no início do texto diz respeito ao grau de credibilidade que ainda resta ao atual governo.  Não apenas para levar adiante as medidas de combate à inflação como o próprio programa de reequilíbrio fiscal. Na verdade, são ajustes interdependentes. O Banco Central rigoroso de hoje tem no seu comando o mesmo presidente que foi conivente com as, digamos, liberalidades fiscais no primeiro governo de Dilma Rousseff.
     As liberalidades levaram o Tribunal de Contas da União (TCU), pela primeira vez desde 1937, a não aprovar na semana passada as contas da presidente, e a exigir explicações no prazo de 30 dias para o que chamou de 13 graves distorções na gestão orçamentária de 2014.
     O trunfo com que a presidente Dilma Rousseff certamente conta para se livrar de um processo de impeachment, devido a essas possíveis ilegalidades, é o fato de deputados e senadores, a quem cabe a palavra final, terem mais a lucrar com o prolongamento de seu desgaste até o término do mandato do que com o seu afastamento imediato. O governo Dilma é mantido vivo por aparelhos - suporte artificial.
     Quanto ao ajuste no Congresso, a qualidade é justificadamente questionada, já que sua ênfase está no aumento da tributação, não no corte de gastos e despesas. É o que dá para ser feito no momento. Uma ampla reforma da máquina pública que viesse a tornar o Estado verdadeiramente eficiente e responsável não chega sequer   a ser cogitada, e nem há clima para tanto. Exigiria um governo confiável, com força política, e um Congresso alinhado com os interesses do país - o que, convenhamos, está longe de ser o caso. Resta torcer para que a meia-bomba funcione. A ampla reformulação ficaria para a eleição de 2018.
     Quando chegar o momento, duas declarações do ex-presidente Lula (por que não?), divulgadas nos últimos dias, merecem ser consideradas: "O PT está abaixo do volume morto"; e "os petistas só pensam em cargo público". Sem força para governar, seria, portanto, assumidamente, o próprio "partido da boquinha", como certa vez definiu um ex-governador fluminense, ele próprio ex-integrante da legenda, com conhecimento de causa.

Por Nilson Mello

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