sexta-feira, 12 de junho de 2015

Artigo

A reforma da oligarquia. Ou para a oligarquia?



    Notícia animadora - se é que cabe tamanho otimismo em conjuntura econômica e política tão adversa - desta sexta-feira dá conta de um movimento no Senado para rever a maioria dos pontos da chamada "reforma política" aprovada pela Câmara nas últimas três semanas.
    Tendo em vista que os dois últimos artigos postados versaram sobre o tema, o Blog pede licença para ser repetitivo e retomar a análise de alguns pontos.
    Do que se foi decidido na Câmara, transparece o fisiologismo - o qual, diga-se, alegava-se pretender combater - em detrimento do interesse público.
    Não se sabe se, na Casa "revisora", senadores votarão e decidirão em linha com o que quer a sociedade (o que seria isso mesmo?) ou se acrescentarão mudanças que atendam exclusivamente aos seus próprios interesses, como fizeram os deputados. Vejamos o pacote aprovado.
    Os mandatos passam a ser de cinco anos, não mais de quatro, para todos os cargos eletivos, a partir de 2020. Os parlamentares, portanto legislaram em causa própria, estendendo os seus possíveis futuros mandatos. 
    Governadores e senadores poderão ser eleitos com idade mínima de 29 anos, e não mais com 30 e 35, respectivamente; e deputados, aos 18, não mais aos 21. Impossível ver que vantagens tais mudanças podem trazer para a sociedade, ou de que forma a redução da idade de ingresso em cargos eletivos pode contribuir para um fortalecimento do processo político.
    Em contrapartida, é fácil constatar que a alteração reforça os clãs políticos, as oligarquias que já dominam o Legislativo. Segundo levantamento da Transparência Brasil feito em junho do ano passado, 228 dos 513 deputados e 52 dos 81 senadores eram pai, filho, irmão, tio, sobrinho de político ou casado com alguém que exercia ou já havia exercido cargo eletivo.
    O quadro se manteve após a apuração dos votos em outubro de 2014: 49% dos deputados e 60% dos senadores eleitos têm algum parentesco com político. Se considerados os laços familiares, portanto, a taxa de renovação na Câmara na última eleição (de 38,6%), uma das mais altas dos últimos tempos, nem seria tão significativa assim. Em verdade, em muitos casos, passou-se o bastão, mantendo-se os feudos de influência.
    Pelo que também foi aprovado na Câmara, o voto permanece obrigatório, como dever, não como direito, potencializando o assistencialismo que elege demagogos sem qualquer compromisso com a realidade. Voto de cabresto. E tanto empresas quanto pessoas físicas continuarão a financiar partidos e candidatos nas campanhas, por meio de doações, o que dá ao poder financeiro um peso preponderante no processo eleitoral, em contradição com a essência da democracia.
    As coligações proporcionais também seguem valendo, apesar de serem fonte de alianças espúrias que negam a vontade do eleitor. O voto distrital não prevaleceu e o proporcional (pelo qual vota-se num candidato e elege-se outro) foi mantido, em meio a total indiferença em relação a um modelo misto que pudesse valorizar a representatividade e fortalecer os partidos.  
    Manteve-se também uma cláusula de barreira para acesso ao fundo partidário que não elimina o excesso de legendas, fator que reforça o fisiologismo em prejuízo da ação programática.
  Por fim, a Câmara decidiu que não há mais possibilidade de reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República (regra que não vale para os eleitos em 2012 e 2014). Por melhor desempenho que o governantee tenha tido, o eleitor deverá arriscar uma novidade.
    Houve aprimoramento do sistema? É difícil prever o que virá do Senado, mas o ideal é que tudo retornasse à estaca zero, deixando a reforma política - uma verdadeira reforma política - para momento mais oportuno.  

    Por Nilson Mello

Anote:

Inflação - Na semana em que o Planalto procurava apresentar uma agenda positiva, com o anúncio de um bem vindo pacote para atrair investimentos em infraestrtura (calculado em R$ 198 bilhões), a inflação voltou a mostrar sua força. A alta de 0,74% do IPCA em maio, a maior para o mês desde 2008, com o índice alcançando 8,47% em 12 meses, põe em xeque o objetivo do governo de trazer o índice para o centro da meta (de 4,5%) ao término de 2016. E indica que o BC deverá seguir puxando os juros, hoje em 13,75%, com nova alta de 0,5% no mês que vem. Prova de que a negligência passada tornou a tarefa presente mais árdua, com futuro ainda incerto.

Arma branca - O trágico assassinato do médico Jaime Gold a facadas no Rio no mês passado expôs o desespero do Poder Público para lidar com a questão da violência no estado. A Polícia Civil se atrapalhou ao dar como resolvido o caso, apresentando o autor das facadas, um menor que foi apreendido e recolhido a uma instituição para infratores. Logo depois foi desmoralizada com o surgimento de um cúmplice e outro autor do crime. Já havia dada a investigação por encerrada. A Assembleia Legislativa, por sua vez, aprovou projeto de lei (ainda a ser sancionado pelo governador) que proíbe o porte de armas brancas, sem considerar os efeitos colaterais da proibição ou a eficácia da medida. Precipitação e oportunismo. 

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