Incompetência não dá margem ao impeachment
Miguel Rossetto desqualificou os manifestantes: não votaram em Dilma
A despeito do triunfo nas urnas em novembro passado, o fracasso do primeiro
mandato da presidente Dilma Rousseff já era explícito durante a campanha
eleitoral. Os indicadores econômicos expunham a persistente alta da inflação e
o baixo crescimento, deixando antever suas consequências sociais.
Havia claros sinais de que a política macroeconômica iniciada em 2010 (a nova
"matriz" de Guido Mantega) dera com os burros n'água. Ao mesmo tempo,
era quase impossível não associar os descaminhos e desvios na administração
pública ao partido que estava no poder havia 12 anos.
As provas contundentes de má gestão, porém, foram ignoradas pela maioria do
eleitorado no momento do voto. Se outros 27% de brasileiros não tivessem preferido se
abster, votar nulo ou em branco, o resultado poderia ter sido outro. O baixo
nível de informação e de escolaridade poderia explicar a indiferença, mas -
verdade seja dita - há muito de intuição e pouco de comprovação científica
nesta avaliação.
De qualquer forma, o compromisso ideológico ou partidário explicaria apenas a
teimosia de um contingente menor, algo em torno de 15% que, historicamente,
sempre estiveram e certamente sempre estarão - não importam as provas de mau
desempenho - ao lado do PT. Ideologia é mais paixão do que razão.
Por sinal, hoje o índice de aprovação da administração Dilma Rousseff
restringe-se a esse patamar (na verdade, 13%), de acordo com as últimas
sondagens. No Datafolha divulgado quarta-feira, 62% rejeitam o governo. Outra
conjetura: possivelmente as dificuldades econômicas somente agora estão sendo
sentidas de forma mais forte no bolso do brasileiro, em especial o de baixa
renda, severamente punido pelo "imposto inflacionário".
Votar contra Dilma não significava ser contra políticas sociais e de
distribuição de renda, como advertia - de forma competente, diga-se - o
marketing de campanha governista, atribuindo ao adversário da urna o papel de algoz do povo. Votar contra Dilma significava buscar uma gestão fiscal mais
responsável, para viabilizar o desenvolvimento econômico, melhorando a renda, e
garantir a continuidade de programas sociais indispensáveis para reduzir
desigualdades.
Se entre os eleitores de oposição havia quem fosse contra esta obviedade
política de caráter imperioso - e é claro que havia -, tratava-se de uma minoria
inexpressiva e pouco influente até pela incapacidade de fazer o correto
diagnóstico das necessidades do país. A propaganda transformou a exceção na
regra, mas não pôde mudar a realidade.
A realidade é que a "gerentona" foi mal justamente no quesito em que
o marketing político e o seu criador - o ex-presidente Luiz Ignácio Lula da
Silva - diziam que ela era mais forte - a capacidade de administração. O
"poste" ou "criatura", como vemos, não correspondeu às expectativas
- nem do marketing, nem do criador, pelo que se ouve dizer em Brasília -, mas a
parcela majoritária da população só se deu conta do desastre ou só resolveu se rebelar contra ele agora.
Se na campanha havia, para quem pudesse ou quisesse ver, provas explícitas dos
desarranjos, após a posse houve o reconhecimento implícito dos erros com a
mudança de 180 graus na equipe econômica. Os duros ajustes ora em curso eram o
que o principal oponente dizia que o governo precisava fazer, e o que o governo
negou e renegou até o fechamento das urnas e a contagem final dos votos -
certamente o maior estelionato eleitoral a que o país já assistiu.
O reconhecimento expresso dos erros cometidos, contudo, só veio esta semana, em
coletiva à imprensa da presidente, após as veementes, porém, pacíficas manifestações
do último domingo contra o seu governo. "Cometemos exageros", disse,
em meio a afagos e brincadeiras com os repórteres, uma atitude
"humilde" (o termo a própria presidente empregou) inédita até aqui. É
claro que, na campanha, Dilma já havia dito que seriam necessários "alguns
ajustes", ciente de que a maior parte do eleitorado não perceberia o engodo,
como de fato não percebeu.
Mas o governo segue esquizofrênico, não mais na política econômica, onde
finalmente há um casamento entre as áreas fiscal e monetária, mas no discurso,
como, aliás, reconhece documento interno da Secretaria de Comunicação, vazado dias desses à
imprensa.
De um lado, a presidente afirma - coerente com a nova postura humilde - que
governa para todos e que as manifestações comprovam o vigor da democracia
brasileira. De outro, o ministro Miguel Rossetto, escalado para explicar o
inexplicável na noite de domingo, em cadeia nacional e sob panelaço,
tenta desqualificar e desprezar os protestos afirmando que só foi às ruas quem votou contra Dilma. Quem é contra o governo não tem legitimidade para se manifestar? E quanto à rejeição de 62%
Não há base legal para o afastamento de Dilma Rousseff. A presidente não
cometeu crime de responsabilidade (nota abaixo). Inépcia administrativa,
descontrole fiscal e engodo eleitoral não dão causa ao
impeachment. Mas o brasileiro tem motivos de sobra para ir às ruas protestar.
E, a julgar pela troca da prepotência pela humildade, já surtiu efeito. Que
perdure!
Por Nilson Mello
Nota:
Ver Crime de responsabilidade. O impeachment na Constituição de 1988, no que concerne ao
presidente da República: autorizada pela Câmara dos Deputados, por 2/3 de
seus membros, a instauração do processo (CF, art. 51, I), ou admitida a
acusação (CF, art. 86), o Senado Federal processará e julgará o presidente da
República nos crimes de responsabilidade. O impeachment do presidente da República será processado e
julgado pelo Senado Federal. O Senado e não mais a Câmara dos Deputados
formulará a acusação (juízo de pronúncia) e proferirá o julgamento. CF/1988,
art. 51, I; art. 52; art. 86, § 1º, II, § 2º, (MS 21.564-DF). A lei
estabelecerá as normas de processo e julgamento. CF, art. 85, parágrafo único.
Essas normas estão na Lei 1.079, de 1950, que foi recepcionada, em grande
parte, pela CF/1988 (MS 21.564-DF). O impeachment e o due process of law: a aplicabilidade
deste no processo de impeachment, observadas
as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do
processo, ou o cunho político do juízo. CF, art. 85, parágrafo único.
Lei 1.079, de 1950, recepcionada, em grande parte, pela CF/1988.
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