Contas-sujas, moral e direito.
Já vimos em outros artigos neste Blog que princípios a priori podem e devem servir de parâmetro para uma conduta ética. E por isso mesmo devem ou podem funcionar como “reserva de valor” que respalda a própria Lei.
Não seria errado dizer que problemas institucionais, como escândalos de corrupção sucessivos, têm sua origem, na verdade, em crises de valores, e não em deficiências da norma positiva. São anomalias de fundo e não de forma.
Princípios a priori podem ser encontrados por meio do esforço racional, ou a partir de uma conduta espiritual, atrelada à religiosidade. Muito frequentemente, pela conjugação dos dois caminhos. A conduta correta também pode ser resultado da prática, dos chamados “recursos empíricos”, significando, neste sentido, um esforço prático permanente em busca do “acerto”.
Mas, como tem sido notória a participação em escândalos de corrupção de personagens não apenas de reconhecidos recursos intelectuais e empíricos, como declaradamente religiosos, razoável é supor que a índole - ou seja, características inatas a cada indivíduo – seja ponderável nos recorrentes desvios morais a que assistimos.
Neste sentido emblemáticas foram as imagens gravadas em um gabinete de Brasília, e divulgadas há alguns anos, de dois parlamentares abraçados a um corruptor, os três orando e agradecendo a Deus pela propina recebida. No caso, a falta de recursos intelectuais, empíricos ou de índole, mesmo, fez da imoralidade da propina uma dádiva.
O certo é que o raciocínio especulativo nos ajuda a entender que moralidade não se confunde com juridicidade – ou, ao menos, tem muito menos a ver do que imaginamos. Com efeito, são duas partes de um mesmo todo unitário, que se inter-relacionam, mas não se confundem.
O agir ético tem como motivação o cumprimento do dever pelo dever. O agir jurídico, por outro lado, pressupõe outras razões: está associado ao temor pela sanção e à prevenção de penalidades por parte das autoridades públicas.
Em suma, enquanto juridicidade tem a ver com coercitividade, moralidade depende, em sentido oposto, de autonomia, de liberdade de escolha. Reconhecida a distinção, por óbvia, não custa lembrar que caminhamos no Brasil para a estruturação de um arcabouço normativo a cada dia mais coercitivo e autoritário. Instituições progressivamente mais rígidas e inflexíveis eliminam paulatinamente a autonomia da vontade, sem, contudo, fomentar uma sociedade de conduta eticamente mais saudável.
Onde está a origem do mal - na ausência de recursos intelectuais e espirituais ou na própria índole - é uma questão a se investigar. Por ora, convém não perder de vista a perspectiva do avanço sobre nós da coerção na proporção inversa da diminuição da moralidade. Ainda que as normas venham se tornando mais rígidas em nome da moral, elas são o maior sintoma de imoralidade.
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, agindo com rigor normativo que denuncia a imoralidade, anunciou no início deste mês que não permitirá o registro daqueles candidatos que tiveram as contas da última campanha reprovada pelo Tribunal de Contas do Estado. Quase 500 nomes estão na lista dos “contas-sujas”. O TRE agiu de forma profilática e com amparo na Lei da Ficha Limpa. Dentro das circunstâncias, que seja assim.
O rigor legal está em alta; a moralidade, não. Cidadãos tutelados, com reduzido grau de autonomia, podem construir uma sociedade eticamente saudável? Esta é a pergunta a ser respondida, pois a combinação de juridicidade excessiva com baixa moralidade pode ter como desfecho um novo gênero de anomalia institucional, um totalitarismo erguido dentro da legalidade.
Lembremos que o autoritarismo, ainda que institucionalizado, representado pelo excesso legal, pelo ativismo estatal, estará sempre a serviço dos imorais. Os éticos dele não se aproveitarão. Eis o risco que corremos ao restringir a liberdade individual.
Por Nilson Mello
É imperioso uma reação, um ponto de partida, para despertar todos que habitamos e amamos o mesmo espaço, e que só poderemos melhorá-lo atuando em conjunto. Todos- todos.Um movimento que não pode ficar no plano das manifestações episódicas,de fim-de-semana com sol, nem no plano da juridicidade cartorial, corporativa, mas precisa ser o elemento detonador de um estado permanente de alerta, de reflexão e autoconscientização, que gere atitudes novas, construtivas, profundas, até que se torne um hábito o respeito e a preocupação com a coletividade. E isso é educação. E isso é comprometimento ético.Luiz Affonso Romano
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